Esta história começa em 1958: um jato cai, um homem morre. Esta história prossegue em 2012: um casal compra uma casa e faz uma descoberta sensível. Esta história acaba em 2023: um telefonema resulta em lágrimas
Bill Knobbe estava a dormir a sesta numa tarde de maio quando o telefone tocou. Não reconheceu o número mas atendeu e, do outro lado, uma voz estranha perguntou-lhe se era familiar do major William R. Hodgson, um piloto de caças da Força Aérea dos Estados Unidos que morreu num acidente de um jato a 26 de fevereiro de 1958, quando tinha apenas 36 anos. “Sim”, disse Knobbe, agora com 71 anos, acrescentando: “Sou o filho dele", conta o Washington Post.
A voz estranha do outro lado da chamada era Colette Jessen, que passou por uma odisseia até este desfecho. No caso de Colette, o envolvimento dela nesta história começou há 11 anos, quando ela e o marido compraram uma propriedade no Condado de Perkins, no estado norte-americano do Nebraska. Nesse terreno com aproximadamente 160 hectares os recém-proprietários encontraram os destroços de um jato com um nome, uma explicação e uma data: “Major William Hodgson despenhou-se com um jato F-80, 26 de fevereiro de 1958”.
Naquele instante, Colette, atualmente com 59 anos, decidiu começar uma missão: encontrar um descendente do militar falecido.
Ao Washington Post, Colette Jessen explica o que pensou e o que sentiu no momento da descoberta: “Quem quer que fosse a família ou parente mais próximo, precisava daquela peça de metal. Nunca a iria deitar ao lixo. Só precisava de os encontrar”.
A inscrição nos destroços era correta, o acidente aconteceu realmente no dia 26 de fevereiro de 1958, quando o major Hodgson sobrevoava aquela região numa missão de treino da Guarda Aérea do Colorado. No caminho entre Denver e Rome, no estado de Nova Iorque, o caça F-80 Shooting Star explodiu e caiu no Nebraska, cerca de 24 quilómetros a leste da fronteira com o Colorado.
O primeiro ímpeto de Colette foi recorrer à internet e procurar pessoas com o apelido Hodgson, nos estados perto do Nebraska. Entre chamadas não atendidas, atendedores automáticos e silêncios, as dificuldades foram-se multiplicando e num instante passaram 11 anos.
A pandemia desvendou o mistério
Colette nunca esqueceu a sua missão, mesmo perante o ciclo de falhanços. E então surgiu a pandemia de covid-19, que fechou todo o planeta em casa - e que fez da internet um dos espaços mais utilizados pelos humanos. Com o tempo-extra, Colette tentou uma nova via: entrou em contacto com a com a base militar de Aurora, no Colorado, de onde o F-80 havia descolado, mas os resultados foram os mesmos - nenhuma nova informação.
Mas a sorte de Colette estava perto de mudar: em agosto de 2021 falou com o representante do serviço de veteranos do Condado de Perkins, que aceitou ajudar. Em março de 2022 a informação chegou grupo de Facebook Investigation Connection, que tem mais de 150 mil membros dedicados a reunir fotografias e outras lembranças de forma a entregá-las aos seus proprietários ou familiares.
Um ano depois, a investigadora amadora Sherry Hancock, com 66 anos, viu a mensagem de Colette. Sherry Hancock já tinha alguma experiência em reunir pertences de militares com os proprietários ou parentes.
Sherry pediu ajuda à amiga Susan Sonju e, através de registos dos censos, jornais antigos, certidões de casamento e decretos de divórcio descobriram porque estava a ser impossível encontrar alguém com o apelido Hodgson que fosse descendente do piloto. As duas investigadores perceberam que a viúva de Hodgson casou-se uma segunda vez com um homem chamado Knobbe e tanto ela como os cinco filhos adotaram o novo apelido.
Foi esta a peça-chave para o telefonema do início deste artigo. Colette Jessen ligou a Bill Knobbe, que ao Washington Post conta a sua reação: “Imediatamente disse 'vou buscar isso, onde está?'”. O descendente do piloto explica ainda que “de repente foi inundado por lembranças do dia fatal e de tudo o que que consequentemente aconteceu nos últimos 65 anos”.
Bill e o irmão Dave conduziram durante quatro horas e meia de Denver até à casa dos Jessen, no dia 28 de maio. Conversaram sobre tudo: o acidente, as memórias sobre o pai, a descoberta dos destroços e a odisseia para encontrar os dois irmãos.
Quem fez as inscrições no metal? O último mistério
Ainda assim, um último mistério continuava por desvendar: quem gravou a frase e a data no pedaço de metal do caça F-80? A história da busca pelos Knobbe continuou a espalhar-se e chegou ao conhecimento de Phyllis Peak, cujo pai em 1958 era dono do terreno onde a aeronave caiu. Peak, que hoje tem 84 anos, disse que se lembrava de um dia o seu pai ter ouvido um acidente e que, apressadamente, se deslocou ao local dos destroços e ligou para os serviços de emergência.
Nada havia a fazer, o major William R. Hodgson tinha morrido durante a explosão e o pai de Peak optou por acampar no local durante uma semana para proteger os destroços de eventuais ladrões e foi ele que gravou a mensagem no pedaço de metal. Depois, enterrou-o na sua propriedade e assim ficou durante 54 anos.
A versão foi contada por Bill Knobbe ao Washington Post: “Ele enterrou-o lá como um memorial”, disse. Os irmãos só ficaram a saber desta parte da história quando já estavam nas suas casas, mas garantem que querem regressar para conhecer Phyllis Peak.
“Sessenta e cinco anos depois, o meu pai regressou à vista de todos e todos adorámos ouvi-lo”, disse Knobbe, acrescentando: “O meu pai ainda está vivo de certa forma”.