Coldplay em Coimbra. E se nos desligássemos, para nos encontrarmos na imensidão das luzes?

18 mai 2023, 02:00

Este alinhamento é emocional. Não segue a ordem do concerto, não respeita o tempo de cada canção, nem o efeito que elas são capazes de provocar nesta primeira noite de Coldplay em Coimbra. Há experiências que só se vivem quando partilhadas no mesmo tempo e espaço, com outros que, na correria das nossas vidas, jamais pareciam encaixar. Mas, afinal, estamos todos aqui, com as mesmas canções decoradas, certo? Só podíamos estar aqui esta noite. Podemos começar de novo?

O público está pronto para o momento alto. Sempre pronto para o momento alto. Chris Martin decide trocar-lhe as voltas. É o refrão de “A Sky Full of Stars”. Mas, de repente, o silêncio. Os instrumentos param. E se o fizermos, todos juntos, de outra forma?

“Vamos fazer sem telemóveis. One song, no cameras, nothing eletronic”. E o Estádio Cidade de Coimbra aceita o desafio. Cinquenta mil pessoas entregam-se à música. E é quando o fazem, verdadeiramente, sem distrações, que a sua energia se sente em pleno.

O céu funde-se com a terra. Azul e branco refletido nas pulseiras de quem escolheu estar aqui esta noite. Só podíamos estar aqui esta noite. Somos todos estrelas ao serviço dos Colplay. Não há nada tão bonito como ver uma multidão completamente em sintonia.

Antes disso, claro, a banda britânica tem múltiplas oportunidades para mostrar ao que vem. Há pirotecnia, pulseiras que não param de mudar de cor, confettis, corpos celestes em forma de balões gigantes e marionetas alienígenas. E eles de pouco serviriam se todo o alinhamento, se toda a história, não fossem pensados como um todo. Entre os clássicos e os temas mais recentes, de “Music of the Spheres”, não há um clímax. Há antes uma euforia permanente.

Na fase final do concerto, os Coldplay brindam os portugueses com o tema que os fãs mais admitiam aguardar ao longo de todo o dia. “Lights will guide you home and ignite your bones”. A multidão sente que o fim se aproxima, mas não desarma. Afinal, durante estes segundos, durante estes eternos segundos, não há mais nada. Só as memórias de todas as vezes em que nos aconchegámos nesta canção. E de como ela, agora, com milhares a rodear-nos, continua a saber a casa.

(Paulo Novais/Lusa)

Chris e os seus múltiplos encantos

No mesmo palco, há dois espetáculos em simultâneo. Inseparáveis, mas distinguíveis. Coldplay e Chris Martin, o vocalista. Porque ele não se limita a cantar, contrariando um estilo que muitas outras vedetas da cena musical acabam por cultivar. Pelo contrário, acolhe, envolve. Sabe onde está e como levar-nos a todos com ele.

“Boa noite, meus amigos, minha família portuguesa. Estamos muito agradecidos, obrigado pelo esforço de estarem aqui”. Di-lo em português, sabendo que mesmo sendo a música uma língua franca, há que mostrar respeito por quem nos abre as portas de casa com tanto fervor.

Isto é ao início. Porque a meio, já em inglês, não hesita em classificar este primeiro de quatro concertos no país como sendo, “até agora, a melhor experiência que tivemos em Portugal”. E, já numa fase final, mostra que sabe exatamente onde está: Coimbra.

“Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”, canta, no momento mais intimista de todo o concerto, rodeado dos fãs. E Coimbra mostra que sim. O estádio é, todo ele, um estudante universitário que sabe que há chegar e partir. Eles, os Coldplay, ainda agora aqui chegaram. Mas não vão embora sem aprender que é na saudade que a alma e a música se encontram.

(Paulo Novais/Lusa)

Descobrir o outro

Se tantas vezes chorámos ao som de Coldplay os nossos desgostos de amor, é por saber que neles encontramos o colo que nos ampara. O concerto, para lá de toda a energia, de toda a luz e cor, é uma mensagem de amor. Amor à música, amor ao planeta Terra, amor aos outros, sem critérios ou barreiras. “Love”, como na t-shirt que Chris Martin usa numa fase mais avançada do espetáculo.

O Estádio Cidade de Coimbra chega a ser desafiado a olhar não para o palco, mas para quem está imediatamente atrás. É incrível como, num gesto tão simples, conseguimos superar a apatia e a indiferença que parecem tomar conta de nós a cada dia. Descobrir o outro que, afinal, é mais parecido a nós do que poderíamos supor. Afinal, estamos todos juntos no mesmo concerto, certo?

A multidão é desafiada ainda a mandar “boa energia para o mundo”. “Ucrânia, Rússia, China”, concretiza o vocalista. Num dos pulsos, o azul e amarelo que formam a bandeira da Ucrânia. Na cintura, a portuguesa.

(Paulo Novais/Lusa)

A essência do ensaio é a repetição

O público é sempre parte. Lourenço, vindo de Lisboa, pode dizê-lo. Os ecrãs gigantes mostram cartaz gigante. Nele conta-se que o maior sonho é tocar ao piano “Hardest Part” com os Coldplay. Então vem lá daí, Lourenço, sobe ao palco que os sonhos, até os mais improváveis, se podem realizar. O que se segue é tão bem feito que fica a dúvida sobre quão preparado foi este momento.

Mas um sonho não deixa de ser um sonho. Mesmo quando se torna realidade. Mesmo quando o estádio emerge da escuridão e, com as pulseiras coloridas, fica a saber o tema seguinte, “Yellow”. Mesmo quando basta uma guitarra para segurar todas estas pessoas que, por mais diferentes que sejam as suas vidas, trazem a letra sabida de cor, como se também elas o tivessem combinado e ensaiado todas juntas.

Sobretudo quando os instrumentos praticamente cessam, e as canções confiam na voz, na guitarra ou no piano de Chris Martin, o público responde. O público deixa-se ir, confia. O mundo, neste momento, está nestes acordes, nestes refrões simples que qualquer um, em qualquer parte do mundo, consegue replicar.

Os Coldplay, em Coimbra, procuram inverter o tempo, mas ele passa sempre depressa demais. “Nobody said it was easy. It's such a shame for us to part”. E, na cabeça, a vontade de começar tudo outra vez. De preencher novamente o vazio que começa a instalar-se. Até para isso eles têm uma canção. “Oh, take me back to the start”.

Oh, por favor, vamos começar de novo.

(Paulo Novais/Lusa)

 

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