Fascine-se com este artigo sobre cobras - sim, isso mesmo

CNN , Forrest Brown e Kocha Olarn
5 nov 2022, 16:00
Cobra

Como sobreviver a uma mordedura de cobra - ou melhor ainda - como evitá-la

por Forrest Brown e Kocha Olarn, CNN

 

A Tailândia está cheia de cobras, mais de 200 espécies, incluindo serpentes. Isso pode ser perturbador para algumas pessoas, mas era ideal para Prangmart Charoenwai, quando era criança, no sul da Tailândia.

Intrigado com os répteis, uma vez capturou uma Xenopeltis não venenosa mas soltou-a dias depois por não conseguir alimentá-la devidamente. Viu vídeos online para aprender técnicas para as apanhar, contou à CNN.

E viu a primeira serpente quando tinha 15 ou 16 anos. "Era muito grande", disse Prangmart, agora com 39 anos. "Mais tarde, vi aquela cobra abrir a boca. Fiquei lá a observar o seu comportamento. Ameaçou-me mas não achei assustador. Achei que era bonito."

O fascínio e confiança por estes animais cresceram mas a sua sorte com cobras não durou muito.

Em abril de 2021, o dono do mercado saiu numa missão na província de Trang, no sul da Tailândia, com o seu grupo de resgate, que age em situações de emergência, incluindo a captura de cobras.

Uma close-up de uma cobra-real na Indonésia. A cobra-real é a cobra venenosa mais longa do mundo, com toxinas suficientes para matar um elefante. Alimenta-se sobretudo de outras cobras, incluindo serpentes

Os residentes da zona disseram que estavam preocupados com algumas cobras-reais. Prangmart chegou ao local com cerca de 15 membros da equipa. Não encontraram cobras no primeiro dia mas isso mudou no dia seguinte, depois de terem cortado arbustos grossos e videiras.

"Vi um buraco numa pedra grande e vi a cauda de uma cobra, parecia que ia entrar naquele buraco", recordou Prangmart. "Corri para lá e depois usei um gancho para tentar tirá-la."

Mas a cobra fugiu. "Devido ao meu descuido - porque trabalho nesta área há muito tempo - decidi usar a minha mão para apanhar a cauda da cobra."

Esse ato impulsivo acabou por ser um grande erro.

As cobras e o seu mundo

As cobras existem por toda a parte, desde grande parte de África ao Médio Oriente, Índia e o resto do sul da Ásia. E ainda existem no Sudeste Asiático e na Indonésia. Assim há o risco de contacto com muitos milhões de pessoas.

Pertencem à família Elapidae, que tem cerca de 300 espécies venenosas. Cobras-coral, serpentes marinhas, mambas e bungarus também estão neste grupo.

O interesse de Rom Whitaker por cobras começou no norte de Nova Iorque. Aos 7 anos, mudou-se para a Índia com a família. Na imagem surge com uma cobra cuspidora equatorial (também chamada 'cobra cuspidora de Sumatra')

Existem cerca de 30 espécies de cobras, de acordo com o perito Rom Whitaker, que ajudou a criar o Madras Crocodile Bank Trust na Índia (a sua subsidiária, a Irula Snake-catchers Industrial Cooperative Society, fornece para a Índia o veneno usado para produzir o antídoto que salva vidas).

Geralmente, as cobras fornecem uma neurotoxina que interfere com os impulsos nervosos e pode causar paralisia no coração e nos pulmões. Isso é diferente em muitas víboras, como a cascavel. Geralmente têm uma hemotoxina que ataca os vasos sanguíneos e causa hemorragias e danos nos tecidos.

Mas Nick Brandehoff, que pratica medicina de emergência e toxicologia médica no Colorado e Califórnia, disse que ele e outros especialistas estão a descobrir que o veneno da cobra é muito mais complexo. Algumas cobras Elapidae têm propriedades hemotóxicas e algumas víboras têm propriedades neurotóxicas. Pode variar de cobra para cobra.

As serpentes não são as cobras mais letais da Índia. Essa distinção aplica-se à víbora-de-Russell (à esquerda). A laticauda (também chamada serpente marinha) é da família Elapidae e habita ambientes marinhos, incluindo na Índia

De qualquer forma, as mordeduras de cobras venenosas são um problema sério em muitas regiões tropicais. Em média, morrem apenas cinco pessoas por ano de mordeduras de cobras venenosas nos Estados Unidos, de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA.

Mas a Organização Mundial da Saúde estima que morrem entre 81 mil a 138 mil pessoas todos os anos em todo o mundo devido a mordeduras de cobras, mas o triplo das pessoas vive com incapacidades permanentes.

Agressivas ou defensivas?

Apesar do elevado número de mortes e envenenamentos (mordeduras em que o veneno é distribuído pelo corpo), não se pode presumir que as cobras sejam agressivas.

"As cobras são tímidas e, apesar de fazerem um espetáculo dramático quando estão encurraladas e se sentem alarmadas – empinam-se, abrem o capuz e silvam ruidosamente -, isto é puro medo e não agressividade", disse Whitaker. "A cobra só quer que a deixem em paz."

Brandehoff, que ajuda a gerir a Fundação Asclepius Snakebite, acrescentou que "são tipicamente como a maioria das outras cobras na medida em que não querem contacto com humanos". E salientou que as cobras não perseguem as pessoas.

Esta cobra-da-floresta reside no Zoo BioPark em Albuquerque, Novo México. Na natureza são encontradas em florestas e matagais em toda a África Subsariana

Kim Gray, curadora de herpetologia e ictiologia na San Diego Zoo Wildlife Alliance, mencionou outra razão pela qual as cobras não gostam de morder as pessoas.

"O veneno é valioso para a serpente e é usado para imobilizar as presas e iniciar o processo de digestão. A cobra precisa dele porque come alimentos inteiros e não tem membros para a ajudar neste processo", disse Gray.

"Portanto, não quer desperdiçar o seu veneno ao morder irrefletidamente todos os humanos que possa encontrar."

Morder é o último recurso, caso os típicos sinais de aviso para recuar não funcionem, afirmou Gray.

Os turistas estão em risco?

A grande maioria das mordeduras de cobra acontece a trabalhadores agrícolas nos campos e noutros locais, muitas vezes pessoas de baixos rendimentos que vivem em habitações fáceis de entrar e que dormem no chão, disse Brandehoff.

"Embora as pessoas tenham a ideia de que a 'selva está cheia de cobras', isso não é verdade", acrescentou Whitaker. "As cobras são mais comuns nas zonas agrícolas devido à proliferação das suas presas favoritas: ratazanas e ratos. As cobras têm medo dos humanos e geralmente fogem ou ficam imóveis quando um humano se aproxima. As probabilidades de encontrar uma cobra nas rotas turísticas habituais na Índia ou na Tailândia são muito escassas."

A cobra-capelo (também chamada naja indiana) é conhecida pelas marcas distintas na parte de trás do seu impressionante capuz. O seu veneno é altamente tóxico e espalha-se rapidamente.

As pessoas que ficam em hotéis com todas as comodidades numa cidade têm menos com que se preocupar do que as que estão em acomodações rurais e rústicas, disse Gray.

Se estiver num sítio mais propenso a atrair cobras, ela sugere o seguinte:

  • não ter lixo no abrigo;
  • retirar alimentos e cereais que possam atrair ratos;
  • ter móveis mais altos e dormir numa cama alta.

Whitaker disse que é essencial usar uma lanterna quando se caminha à noite e que não devemos colocar as mãos em arbustos.

O que fazer se virmos uma cobra

Os peritos são unânimes: deixem a cobra em paz.

"Afaste-se deliberada e calmamente da cobra, mantendo-se atento à sua localização, se possível", disse Gray. "Mova-se para uma área aberta sem arbustos e afloramentos de rocha, se possível", se estiver ao ar livre.

"Não tentem contê-la, capturá-la ou matá-la com uma vassoura ou uma pá ou qualquer outra coisa", salientou.

Brandehoff concordou. "Temos de lhe dar espaço. Nós somos um grande predador mamífero para elas. Elas não querem enfrentar-nos.”

Esta naja-egípcia é usada num espetáculo em Marraquexe, Marrocos. Em 2016, a Cambridge Univerisity Press emitiu um estudo que dizia que as najas-egípcias em estado selvagem estão ameaçadas pela sobre-exploração.

Whitaker disse que as mordeduras "normalmente não acontecem quando a cobra está com o capuz aberto, mas sim quando a cobra está stressada por ter sido pisada ou agarrada incorretamente".

O que devemos fazer se nos depararmos com uma cobra que está muito perto e parece que está pronta a atacar?

"Devemos afastar-nos rapidamente", disse Gray. "O tempo de reação humana é muito lento em comparação com o ataque delas, por isso pode não haver muito a fazer, mas normalmente a trajetória da mordedura da cobra é para a frente e para baixo, e elas não são capazes de mudar de direção a meio do ataque, portanto, talvez seja benéfico desviarmo-nos para a lateral da cobra."

Um deslize grave na captura de uma cobra

Esta cobra-real na Tailândia banqueteia-se com outra cobra

A manobra impulsiva de Prangmart Charoenwai para apanhar uma cobra em fuga saiu-lhe caro.

"O buraco não era fundo e a serpente deu meia-volta mais rápido do que eu antecipei.”

Foi quando aconteceu. Prangmart foi mordido no polegar esquerdo. Depois foi mordido na mão direita.

Apesar dos ataques, Prangmart estava determinado a capturar a cobra, dado que já tinha sido mordido, mas a sua mão esquerda já estava a ficar entorpecida.

"Disseram-me para me afastar mas recusei. Em vez disso disseram-me para ficar calmo e pediram-me para ir rapidamente ao hospital para tratar a minha ferida."

Eles finalmente apanharam a cobra e Prangmart conseguiu entrar pelo seu pé na ambulância. Mas o seu problema tinha acabado de começar. O hospital ficava a duas horas de distância.

O que fazer se for mordido

Prangmart estava a aprender da maneira mais difícil que as mordeduras de cobra são uma coisa muito séria. Mas não são de forma alguma uma sentença de morte.

"A maioria das mordeduras de cobras, mesmo as de serpentes, não é fatal", disse Whitaker. "Mas qualquer mordedura de cobra deve ser tratada como uma emergência médica. A coisa mais importante a fazer é ir para o hospital sem demora. Não recorra a nenhum remédio local ou caseiro porque só há uma cura para uma mordedura de cobra - que é o antídoto."

Gray disse que devemos tentar manter a calma e "imobilizar o membro que foi mordido, ir para o hospital mais próximo sem demora e tomar nota do sítio da mordedura e a hora a que ocorreu".

“Além disso, faça uma descrição da cobra ou tire uma foto dela caso seja possível tirá-la em segurança. Isto pode ajudar os médicos com o tratamento”, referiu Gray.

Não amarre um torniquete nem tente o antigo método de "cortar e sugar", disse Whitaker. “E nem deve usar o chamado ‘kit de mordedura de cobra’.”

Brandehoff disse que se a mordedura for de uma cobra com veneno estritamente neurotóxico, as pessoas podem recomendar o uso de uma ligadura, o que pode ajudar a reduzir a propagação do veneno de um membro para o resto do corpo através da compressão.

"O problema é que a maioria das pessoas não sabe que tipo de cobra as mordeu" e não é razoável esperar que as pessoas identifiquem de imediato várias espécies de cobras.

E se o veneno tem propriedades hemotóxicas, a ligadura pode ser mais nociva do que benéfica, podendo danificar os tecidos em torno da área da mordedura, disse ele.

Anéis e outras joias devem ser removidos.

"Quanto mais cedo o antídoto puder ser administrado, maior é a probabilidade de não ter incapacidade prolongada ou de não morrer", disse ele.

Uma cobra-cuspideira projeta o seu veneno. A curtas distâncias pode atingir com precisão os olhos de uma pessoa e causar cegueira

As cobras-cuspideiras podem causar oftalmoplegia, que queima basicamente os olhos,” disse Brandehoff. Podem ocorrer danos permanentes mas é mais raro.

O tratamento principal é lavar os olhos "abundantemente", disse ele.

“Pensei que talvez não sobrevivesse.”

A chegada de Prangmart ao hospital na Tailândia não pôs termos à emergência. "Depois de receber o soro, tive uma reação alérgica", disse ele.

"Comecei a ter uma respiração curta, erupções cutâneas… O médico teve de voltar a tratar-me. Fui observado regularmente durante esse período.”

Tinha medo de morrer?

"As condições graves que tive de suportar no hospital duraram cerca de duas horas. Foi quando pensei que talvez não sobrevivesse. A minha frequência cardíaca também estava acelerada."

Prangmart superou a crise imediata mas depois sofreu uma provação de 15 dias, saltando entre médicos ocidentais e médicos da medicina tradicional tailandesa para tentar salvar a mão esquerda, onde infeções repetidas ameaçavam espalhar-se.

Prangmart Charoenwai aqui a recuperar de uma mordedura de cobra na Tailândia

Acabou por melhorar, mas ficou com uma grande cicatriz - um importante lembrete para ele e para o resto da sua equipa.

"Na altura em que vi a cobra fiquei empolgado e não queria que fugisse para o buraco. Por causa daquela empolgação apressei-me a agarrar na cobra. O que me aconteceu deveu-se ao meu descuido.”

E se outra pessoa se deparar com uma cobra?

"Mantenha a calma e observe, não se apresse, não vire as costas e fuja. Se estiver muito assustado, comece a recuar passo a passo", disse ele. "Geralmente, estas cobras não costumam atacar as pessoas primeiro, a menos que haja uma ameaça clara para elas."

Porque as cobras não são nossas inimigas

As cobras mantêm o ambiente em equilíbrio.

"Sem cobras, o problema dos roedores nas áreas agrícolas poderia levar à fome", disse Whitaker. "Estes são os predadores de roedores mais eficientes que existem, capazes de entrar em tocas de rato e erradicar toda a família."

Mas ele disse que os esforços de produção de antídoto devem continuar.

"Aqueles que apreciam e respeitam as cobras têm de apoiar programas para ajudar a reduzir o enorme fardo das mordeduras de cobras que afetam dezenas de milhões de pessoas rurais em África, Ásia e América do Sul", disse Whitaker.

Brandehoff concordou: "Não podemos tentar erradicar as mordeduras de cobras como a malária. O melhor que podemos fazer é tentar mitigar as mordeduras de cobras tentando minimizar os contactos."

Temos de "aprender a viver com elas". "Em muitas culturas há muito medo de cobras. Ver uma cobra e matá-la não é útil."

Saúde

Mais Saúde

Patrocinados