Na sua mais recente edição, a CNN Portugal Summit centrou-se nos grandes desafios da saúde em Portugal, juntando à mesma mesa o Governo, a Ordem dos Médicos e especialistas de várias áreas.
Inovação, tecnologia, políticas públicas e terapias de próxima geração: estes foram os temas em foco na “CNN Portugal Summit: Inovação em Saúde”, que decorreu no passado dia 24 de junho, na Fundação Champalimaud, em Lisboa. O evento, promovido pela CNN Portugal, em parceria com a Fundação Champalimaud, a Pfizer Portugal, a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Fisioterapeutas, reuniu oradores nacionais e internacionais, e trouxe contributos relevantes sobre os desafios e as oportunidades que estão a transformar a medicina e os sistemas de saúde.
Responsável pela sessão inaugural do evento, a Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, destacou a urgência de repensar o sistema de saúde num contexto de transformação acelerada, impulsionada por avanços tecnológicos e pressões económicas e demográficas. Defendeu a inovação como um dever coletivo e um investimento estratégico, apelando a um modelo de saúde baseado em valor, com acesso equitativo, financiamento sustentável e integração de tecnologias como a Inteligência Artificial (IA). Sublinhou ainda a importância da prevenção, da equidade e da participação ativa dos cidadãos no futuro da saúde. “Inovar na saúde não é uma opção, é uma responsabilidade coletiva”. Reafirmou também o compromisso do Governo em “colocar a tecnologia ao serviço das pessoas e o futuro em movimento, com responsabilidade”.
O potencial de Portugal na inovação em saúde
O primeiro painel da cimeira, “O futuro da medicina”, teve como orador John Krakauer, professor de Neurociência e Neurologia na Johns Hopkins University School of Medicine. O especialista defendeu que Portugal pode ser líder na inovação em saúde, desde logo, pelo exemplo da Fundação Champalimaud, e não só. “Portugal tem um sem número de condições, não para importar, mas para criar inovação aqui. Vocês têm um fantástico sistema de engenharia científica. É um ecossistema mais pequeno, mas é mais concentrado. Quero ser positivo e dizer que Portugal pode liderar as terapias digitais”.
Alerta, porém, que é necessário um maior investimento. “É preciso atrair a indústria aos investidores”.
Inovar na saúde: afinal, o que significa?
Leonor Beleza, Presidente da Fundação Champalimaud, e Paulo Teixeira, Diretor-Geral da Pfizer Portugal, foram os oradores convidados para o painel “O que significa inovar na saúde”. No debate, Paulo Teixeira, Diretor-Geral da Pfizer Portugal, lamentou os persistentes atrasos no acesso a medicamentos inovadores, sobretudo na oncologia, onde a demora pode significar a perda de vidas. O especialista defendeu que é necessário um sentido de urgência semelhante ao da pandemia. “Na Covid-19 houve uma mobilização global sem precedentes; temos de manter essa ambição para outras doenças que continuam a matar todos os dias”.
A discussão focou-se ainda no potencial da Inteligência Artificial e da investigação fundamental na antecipação de novas doenças. Paulo Teixeira destacou que “a IA permite identificar moléculas promissoras em semanas, quando antes levava anos”, evidenciando como a inovação pode ser acelerada. No entanto, esse avanço acarreta novos desafios aos sistemas de saúde, exigindo mais financiamento e maior capacidade de resposta. Leonor Beleza reforçou que as vacinas contra a Covid foram possíveis “porque havia décadas de investigação fundamental por detrás”.
Por fim, abordou-se a democratização do acesso à inovação, com o exemplo da Fundação Champalimaud, onde investigadores e clínicos trabalham juntos. “Fazer tudo no mesmo edifício não basta, é preciso que se cruzem e conversem”, defendeu Leonor Beleza, destacando a chamada “investigação de fusão”. Paulo Teixeira também insistiu na importância de parcerias entre setor público, privado e sociedade civil para garantir equidade: “A inovação só cumpre o seu propósito se chegar a todos, não apenas a alguns.”
Como serão os hospitais do futuro?
Para apresentar o painel “Os hospitais do futuro”, foi convidado Markus Maurer, Head of Immunotherapy and Cell Center, da Fundação Champalimaud, Professor na Johannes Gutenberg Unversity Mainz, na Alemanha, e Membro da Royal Chamber of Physicians (Londres) e da Academia Europeia das Ciências.
O especialista falou sobre o potencial da imunoterapia celular no tratamento do cancro, destacando avanços que antes pareciam impossíveis. Explicou como as T cells, extraídas de tumores, podem ser reprogramadas geneticamente – como nos casos das terapias com recetores TCR ou CAR-T –, para reconhecer e combater o cancro de forma eficaz. Contudo, alertou para as desigualdades no acesso, referindo que apenas cerca de 10% dos pacientes portugueses podem beneficiar desta inovação. O hospital do futuro, para Markus Maurer, deve ser uma estrutura que possibilite este tipo de medicina avançada — baseada em dados, proximidade com o paciente e vontade política.
Os desafios dos hospitais e dos doentes do futuro
No painel “Os hospitais e os doentes do futuro”, marcaram presença Adalberto Campos Fernandes, Ex-ministro da Saúde, Maria do Céu Machado, Médica, Professora e ex-Presidente do Infarmed, Álvaro Almeida, CEO SNS e Joaquim Brites, Presidente da APN.
Sobre o tema, Adalberto Campos Fernandes lamentou desde logo que as instituições públicas sejam “ferrolhos de burocracia e máquinas de produzir desperdício”. Ainda assim, reconhece o mérito de instituições como a Fundação Champalimaud: “Tenho muito orgulho de viver num país onde emergem instituições como esta”.
Álvaro Almeida, CEO do SNS, comentou que, hoje em dia: “O principal desafio é garantir cuidados de saúde com menos recursos humanos por doente”. E acrescentou: “A tecnologia não substitui o cuidado, mas pode transformar o diagnóstico, a monitorização e o acesso.”
Também Maria do Céu Machado, médica e ex-presidente do Infarmed, sublinhou que o futuro “é hoje” e exige abertura à mudança: “Quem vai acabar são os médicos que não utilizem tecnologia.” Destacou ainda o papel crescente dos doentes: “O doente do futuro será um perito por experiência”.
Joaquim Brites, presidente da APN, reforçou essa visão participativa: “Estar a falar de saúde sem os principais destinatários é, em si só, um paradoxo.” E alertou: “Os doentes do futuro vão exigir respostas que não vêm só do sistema público ou privado, mas de um ecossistema mais amplo, onde a investigação e a inovação têm de estar presentes”.
A Inteligência Artificial como novo aliado na saúde
João Santinha, investigador na Fundação Champalimaud, apresentou o painel “A Inteligência Artificial na saúde”, destacando o impacto profundo da Inteligência Artificial (IA) em várias áreas da medicina, desde a descoberta de novos medicamentos à aceleração de análises genómicas e à criação de modelos 3D para planeamento cirúrgico. Sublinhou que, ao contrário do receio inicial de substituição, “são os próprios médicos que pedem a IA para os ajudar”, especialmente perante a escassez crescente de profissionais de saúde.
Uma das aplicações mais transformadoras, segundo João Santinha, é a transcrição automática de consultas, que alimenta os registos clínicos eletrónicos sem interferir na relação médico-doente. “Permite humanizar novamente a medicina”, observou, ao eliminar a barreira do ecrã entre clínico e paciente. Isto liberta tempo (estimam-se 70 horas mensais gastas em documentação) e melhora a qualidade dos dados recolhidos, fundamentais para investigação e novas descobertas. A criação de gémeos digitais e a análise automática de imagens médicas são outras áreas promissoras, nomeadamente em oncologia mamária, onde se ambiciona “preservar o máximo de tecido saudável” e abandonar métodos invasivos como o arpão metálico.
A urgência de novas políticas públicas para a saúde
No painel “Uma política pública de investimento e inovação”, com a presença de Carlos Cortes, Bastonário da Ordem dos Médicos, Fernando Leal da Costa, Ex-ministro da Saúde, António Lopes, Bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas, e Guilherme Gonçalves Duarte, Diretor Executivo da UNITE Parliamentarians Network for Global Health, falou-se sobre a necessidade urgente de repensar os modelos organizacionais da saúde em Portugal. António Lopes, Bastonário dos Fisioterapeutas, destacou a obsolescência dos atuais paradigmas profissionais: “Continuamos presos a lógicas de há 50 anos. Fala-se em centrarmo-nos no doente, mas depois ignora-se o percurso funcional ao longo da vida”. Defendeu um investimento sério na promoção da saúde e movimento desde a infância, criticando o enfoque excessivo na reabilitação tardia.
Fernando Leal da Costa, Ex-ministro da Saúde, abordou os desafios da inovação e equidade, salientando a influência das prioridades políticas imediatistas: “O ciclo político é curto e muitas vezes dá ouvidos aos grupos mais ruidosos, não necessariamente às reais necessidades de saúde”. Ainda assim, reconheceu avanços, como a rápida disseminação da vacina na pandemia, exemplificando que “a vontade política é o motor que pode acelerar a inovação em saúde”.
Carlos Cortes, Bastonário dos Médicos, recusou a ideia de que os profissionais resistem à inovação, afirmando: “Os médicos foram os precursores da reforma dos cuidados primários. Estão entre os primeiros a trazer tecnologia para Portugal”. Guilherme Gonçalves Duarte, por sua vez, reforçou que o foco deve estar no impacto real das políticas sobre os doentes: “Há desperdício de talento e ineficiência porque não se mede o que realmente importa: o bem-estar e a funcionalidade das pessoas”. Todos convergiram na urgência de um sistema de saúde mais orientado para resultados.
A indústria farmacêutica em revolução
Com o tema “O futuro dos medicamentos e modelos de financiamento”, o último painel do evento contou com Hélder Mota Filipe, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Miguel Ginestal, Diretor-Geral da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) e Carlos Lima Alves, Vice-Presidente do INFARMED.
Hélder Mota Filipe traçou um cenário de revolução terapêutica nos próximos 5 a 10 anos, impulsionado pela biotecnologia e pela Inteligência Artificial. “Hoje, temos medicamentos que são células. O que era ficção científica quando estudei, é hoje realidade”.
Miguel Ginestal alertou para o foco excessivo no preço, desvalorizando o impacto global das inovações. “Temos um modelo preguiçoso que só olha para o preço do medicamento e ignora o valor que traz para o sistema, a economia e a sociedade”. Defendeu a revisão urgente do sistema e uma avaliação que integre fatores como produtividade, hospitalizações evitadas e qualidade de vida: “Um medicamento inovador é investimento, não despesa”.
Carlos Lima Alves, Vice-Presidente do INFARMED, defendeu que Portugal já avalia o valor terapêutico e económico dos medicamentos, mas reconheceu espaço para melhorar. “Nem tudo o que é novo é inovação”.
A “CNN Portugal Summit: Inovação em Saúde” deixa-nos com os prognósticos do futuro da saúde em Portugal, por alguns dos mais reputados especialistas da esfera nacional e internacional. Resta agora refletir sobre estes contributos, enquanto a medicina avança para uma nova era, à boleia da tecnologia e da Inteligência Artificial.