A Europa tomou decisões "emocionais" e deixou-se levar pelo "dogmatismo". O alerta é de Carlos Tavares, que defende que para escapar ao "beco sem saída", "a indústria automóvel tem de quebrar paradigmas, porque não sabe reduzir custos"
Carlos Tavares tem uma certeza: “não há democracia sem liberdade de movimento”. Mas esta liberdade de movimento não é, atualmente, e de todo, um bem garantido, “sobretudo para a classe média”. Na conferência "O Carro do Futuro", organizada pela CNN Portugal Summit e pelo Standvirtual, que decorre esta segunda-feira no Auditório da Fundação Champalimaud, em Lisboa, o engenheiro e gestor português - que foi CEO do grupo automóvel Stellantis até dezembro - é bastante crítico da “falta de resiliência na estratégia”, que considera ser um “problema europeu” e que tem impacto direto na capacidade da classe média para aderir à “mobilidade limpa e segura”.
“Se a classe média não consegue aderir à mobilidade limpa e segura é o mercado [automóvel] que afunda, e quando uma empresa automóvel não consegue compensar com produtividade estes custos adicionais [de emissões e segurança] vai à falência. É um beco sem saída”, diz Carlos Tavares, salientando que “é nesse beco” sem saída “que se encontra a indústria automóvel ocidental”, referindo-se à europeia e norte-americana.
Parte da solução, defende, está em conseguir uma visão a longo prazo, que poderá passar por olhar além dos “Pirinéus”, numa menção à importância de analisar a realidade fora da Europa. E revela mesmo que quando falava com governantes dava sempre o mesmo conselho: “Não olhe para lá dos Pirinéus, olhe para o sul do Mediterrâneo, o verdadeiro concorrente é Marrocos, que dá lições a todos os países europeus em matérias de componentes automóvel.” Mas o caminho é ainda longo, adverte. E para escapar ao “beco sem saída”, “a indústria automóvel tem de quebrar paradigmas, porque não sabe reduzir custos, tem de fazer mais com menos, menos peso, menos custos, menos tecnologia inútil”, vinca o engenheiro, trazendo à baila o exemplo chinês, que tem conseguido colocar no mercado veículos automóveis 30% mais baratos, dando, assim, uma possibilidade de “liberdade de movimento” à classe média.
“À saída da fábrica, os carros elétricos chineses são 30% mais baratos [quando comparados com a Europa]. É óbvio que os construtores automóveis chineses vão poder vender os veículos elétricos ao preço dos veículos térmicos para a classe média manter a sua liberdade de movimento”, assegura.
Carlos Tavares é ainda muito crítico com o excesso de “burocracia e excesso de regulamentação” - que estão a “impedir a sociedade de respirar, de criar valor na Europa” - e também do “dogmatismo”, que garante estar a moldar decisões europeias, muitas delas tomadas de forma “emocional”. “Houve da parte dos extremistas ecológicos uma posição muito simples: o que interessava não era reduzir emissões, mas matar o fóssil, atrás desse dogma veio uma solução que não é boa para o planeta”, diz, vincando que a Europa cometeu um “erro fundamental, que foi feito nesta gestão de transição ecológica”. O dogmatismo “está a esbarrar na parede da realidade, que trava as classes médias”, atira o engenheiro.
Carlos Tavares defende ainda que “o dogmatismo por uma causa”, mesmo que seja a transição ecológica, “que é de enorme nobreza, está a criar um enorme problema para o planeta”. E lembra: “Não devemos esquecer que 70% dos ativos para criar valor para todos vão trabalhar com o seu automóvel”, sendo, por isso, urgente “encontrar soluções pragmáticas de eletrificação mais leves, temos de ser pragmáticos em encontrar soluções locais com recursos locais”.
E termina com um “conselho aos governantes” sejam eles nacionais ou europeus: “Menos dogmatismo regulamentar, mais pragmatismo.”