A grande mancha de lixo do Pacífico é tão grande e permanente que está a alimentar um ecossistema costeiro próprio, dizem os cientistas

CNN , Ivana Kottasová
23 abr 2023, 19:00
Redes abandonadas, cordas e lixo de plástico são recolhidas da grande mancha de plástico do Pacífico. Foto: The Ocean Cleanup/EPA-EFE/Shutterstock

O plástico pode flutuar nos oceanos durante muito tempo, dando aos organismos a oportunidade de sobreviver e reproduzir-se no oceano aberto durante anos

Os cientistas encontraram comunidades florescentes de criaturas costeiras, incluindo pequenos caranguejos e anémonas, que vivem a milhares de quilómetros da sua casa original em detritos plásticos na grande mancha de lixo no Pacífico – um amontoado com 1,6 milhões de quilómetros quadrados de lixo no oceano entre a Califórnia e o Havai.

Num novo estudo publicado na revista Nature Ecology & Evolution, uma equipa de investigadores revela que dezenas de espécies de organismos invertebrados costeiros conseguem sobreviver e reproduzir-se no lixo de plástico que flutua no oceano há anos. 

Os cientistas dizem que as descobertas sugerem que a poluição de plástico no oceano pode estar a fomentar a criação de novos ecossistemas flutuantes de espécies que normalmente não são capazes de sobreviver no oceano aberto. 

Ao contrário do material orgânico que se decompõe e afunda no espaço de meses ou, no máximo, alguns anos, o lixo plástico pode flutuar nos oceanos durante muito mais tempo, dando aos organismos a oportunidade de sobreviver e reproduzir-se no oceano aberto durante anos. 

"Foi surpreendente ver como as espécies costeiras eram recorrentes. Estavam em 70% dos detritos que encontrámos", diz à CNN Linsey Haram, uma bolseira científica do Instituto Nacional de Alimentação e Agricultura e a principal autora do estudo. 

Haram e os colegas examinaram 105 artigos de plástico pescados na grande mancha de lixo do Pacífico entre novembro de 2018 e janeiro de 2019. Identificaram 484 organismos invertebrados marinhos nos detritos, que representam 46 espécies diferentes, das quais 80% são normalmente encontradas em habitats costeiros. 

"Uma percentagem bastante grande da diversidade que encontrámos era de espécies costeiras e não das espécies pelágicas nativas do oceano aberto que mais esperávamos encontrar", diz Haram. 

Eles encontraram na mesma muitas espécies do oceano aberto, acrescenta Haram. "Em dois terços do entulho, encontrámos as duas comunidades juntas... competindo pelo espaço, mas também interagindo de outras formas."

Anémonas costeiras foram encontradas ao lado de fauna pelágica (do oceano aberto) em caixas de peixe abandonadas no Giro do Pacífico Norte. Foto: Cortesia de Linsey Haram/Instituto Smithsonian
Anémonas costeiras foram encontradas em pedaços de plástico a flutuar recolhidos na grande mancha de lixo do Pacífico. Foto: Cortesia de Linsey Haram/Instituto Smithsonian

Haram diz que as consequências da introdução de novas espécies nas áreas remotas do oceano ainda não são totalmente conhecidas. 

"Há provavelmente competição pelo espaço, porque o espaço é um luxo no oceano aberto, há provavelmente competição pelos recursos alimentares – mas eles também podem estar a comer-se uns aos outros. É difícil saber exatamente o que está a acontecer, mas temos visto provas de que algumas das anémonas costeiras comem espécies em mar aberto, por isso sabemos que há alguma predação entre as duas comunidades", diz. 

Como é que as criaturas chegam exatamente ao mar aberto e como sobrevivem lá permanece por decifrar. Se, por exemplo, apanharam boleia num pedaço de plástico a que se prenderam junto à costa, ou se foram capazes de colonizar novos objetos quando estavam em mar aberto, ainda está por descobrir. 

Oceanos de plástico 

A grande mancha de plástico do Pacífico, que tem o dobro do tamanho do estado do Texas, é a maior acumulação de plástico oceânico do mundo. 

A mancha é mantida por um enorme giro - o maior de cinco enormes correntes marinhas rotativas nos oceanos do mundo, que atrai o lixo para o centro e o prende lá, criando um vórtice de lixo. 

É um erro pensar na grande mancha de lixo do Pacífico como uma ilha, no entanto, diz à CNN Matthias Egger, chefe dos assuntos ambientais e sociais da The Ocean Cleanup, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve tecnologias para livrar os oceanos de plástico. 

"Quando estás lá, o que vês é apenas um oceano azul imaculado", descreve Egger, que ajudou a investigação de Haram ao recolher as amostras da mancha, pescando-as com uma rede. 

"Pode-se pensar nisto como o céu noturno. Se olhares para cima à noite, vês todos aqueles pontos brancos, e é essencialmente o que vês na mancha de lixo. Não é assim tão densa, mas há muitos pedaços... quando estamos lá, começamos a ver cada vez mais plástico quanto mais tempo ficarmos a olhar", diz. 

A The Ocean Cleanup estima que existem cerca de 1,8 triliões de pedaços de plástico na mancha que pesam cerca de 80.000 toneladas. A maioria do plástico encontrado na mancha provém da indústria pesqueira, enquanto entre 10% e 20% do volume total pode ser rastreado até ao tsunami japonês de 2011.

Um saco com detritos de plástico apanhados na grande mancha de lixo do Pacífico em julho de 2022. Foto: Eric Risberg/AP

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUA), o mundo produz cerca de 460 milhões de toneladas de plástico por ano, um número que – sem acção urgente – triplicará até 2060. 

Globalmente, apenas cerca de 9% dos resíduos de plástico são reciclados, de acordo com o PNUA. Até 22% de todos os resíduos de plástico são mal geridos e acabam no lixo, com grandes quantidades que acabam por ir parar aos oceanos. 

Os cientistas têm alertado para um aumento "rápido e sem precedentes" da poluição com plástico dos oceanos desde 2005. 

"O problema está a tornar-se cada vez maior a cada minuto", diz Egger. "Vemos tartarugas que estão enredadas em redes de pesca fantasma". Por vezes, são apenas as carcaças das tartarugas. Vemos a ingestão de fragmentos de plástico. E depois há também os poluentes – químicos." 

A The Ocean Cleanup construiu um enorme sistema de recolha de lixo, uma barreira em forma de U com uma saia de rede que se mantém abaixo da superfície da água. Movimenta-se com a corrente e recolhe os plásticos que se movem mais rapidamente quando eles passam a flutuar. 

"Queremos verificar qual é o impacto na vida marinha. E assim que tivermos a certeza de que é seguro e beneficia o ambiente, então vamos querer aumentar a escala", diz Egger. 

Mas a limpeza é apenas uma parte da solução. Um estudo publicado no mês passado dizia que, sem uma ação política urgente, o ritmo a que os plásticos entram nos oceanos poderá aumentar cerca de 2,6 vezes até 2040. 

 A Assembleia da ONU para o Meio Ambiente aprovou uma resolução histórica no ano passado para acabar com a poluição de plástico e criar o primeiro tratado mundial sobre poluição de plástico até 2024 – um acordo juridicamente vinculativo que abordaria todo o ciclo de vida do plástico, desde a sua produção e conceção até à sua eliminação.

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