Viagem ao seio da família separada por Sporting e FC Porto

2 mar 2022, 09:26
Tomás Esteves e Gonçalo Esteves

Tomás Esteves representa a formação portista, Gonçalo Esteves joga na equipa leonina, o irmão mais velho e a mãe revezam-se todas as semanas entre Lisboa e o Porto. Em dia de clássico, fomos perceber como se vive o jogo lá em casa. «Eu sofria mais quando estavam os dois no FC Porto. Quando foi do golo do Kelvin, até queimei os pés na madeira.»

É quarta-feira, dia de clássico, e como habitualmente o país vai estar dividido. Nada de novo, portanto: e ainda assim nada comparável com o que acontece em casa dos Esteves, de Arcos de Valdevez. Nenhum jogo como o Sporting-FC Porto divide tanto esta família.

«Eu vou ver o jogo ao estádio, em Alvalade. A minha mãe vai ver com o Tomás no Porto e o meu pai vai ver com a minha avó em Arcos de Valdevez», conta Rodrigo Esteves.

«Os clássicos entre FC Porto e Sporting são sempre vistos à distância por nós. Eu por acaso até tenho ido ver os jogos ao estádio, já fui também a Alvalade ver o Sporting-FC Porto que ficou empatado, na primeira volta do campeonato. Mas os meus pais não vão.»

Ora nesta altura o leitor já deve ter percebido que este texto é sobre o clássico vivido na família dos irmãos Tomás Esteves e Gonçalo Esteves.

O primeiro está quase a fazer 20 anos e representa o FC Porto, estando nesta altura a jogar pela equipa B, depois já ter estado na formação principal. O segundo acabou de fazer 18 anos e representa a equipa principal do Sporting, para onde se mudou no verão após deixar o FC Porto.

Rodrigo Esteves, o irmão mais velho desta família de cinco membros, guia-nos por esta viagem.

«Nós quase nunca nos vemos. Estamos todos separados por causa do futebol. O meu irmão Tomás mora em Gaia, o Gonçalo vive em Lisboa, eu e a minha mãe estamos uma semana num lado e uma semana no outro. Se ela está com o Tomás, eu estou com o Gonçalo e na semana a seguir trocamos. Aliás, nesta altura que falo consigo estou a ir para Lisboa. Geralmente trocamos ao fim de semana, mas como hoje é carnaval pedi para ficar mais dois dias no Porto», conta.

«Já o meu pai vive em Arcos de Valdevez, com a minha avó. Tem de estar lá por causa do talho que é da família. Por isso está cada um para seu lado. Por acaso estivemos juntos há dois dias, porque o Gonçalo fez anos e encontrámo-nos para festejar. Mas já não estávamos juntos desde o verão. Este ano nem no Natal e Ano Novo nos pudemos encontrar todos porque tínhamos tido contactos de risco da covid-19. A última vez tinha sido nas férias dos meus irmãos.»

No mês de junho, depois de terminarem os campeonatos e antes de se dar início à pré-época, aí sim a família passa todo o tempo junta.

«Nunca costumamos ir para fora. Aproveitamos para estar nos Arcos, eles gostam de estar na terra, de passar o tempo com as afilhadas, ambos têm três, e de ir para casa avó.»

Rodrigo Esteves explica, de resto, que ele e a mãe, por exemplo, só se cruzam. Gonçalo Esteves, o miúdo do Sporting que só outro dia fez 18 anos, não conduz, o irmão Tomás Esteves já conduz, mas não cozinha, portanto a mãe e o irmão mais velho têm de estar sempre em lado opostos para apoiar os dois jovens jogadores com a boleia para os treinos e a comida na mesa.

«Eu e a minha mãe cruzamo-nos e estamos juntos uma tarde, mas não mais do que isso», refere.

«Andamos sempre entre Porto e Lisboa. Eu não me importo, dou-me bem nos dois lados e gosto muito de Lisboa. Mas claro que conheço melhor o Porto. Tenho lá muitos amigos. Em Lisboa não conheço ninguém, então vou levar o Gonçalo ao treino e fico à espera que acabe o treino. Até vou cortar o cabelo de três em três dias só para poder conversar um pouco com os barbeiros. De três em três dias vou a uma barbearia no Montijo, estou lá a conversar com os barbeiros e corto o cabelo. Devo ser o melhor cliente que eles têm.»

Já a mãe prefere esperar pelo fim do treino num shopping. «Ela é contabilista de uma escola e aproveita para estar lá a trabalhar.»

Rodrigo tem 23 anos e até o ano passado jogou futebol em clubes da zona de Arcos de Valdevez, mas com a mudança de Gonçalo Esteves para o Sporting deixou de o fazer para poder dividir-se com a mãe no apoio aos dois irmãos. O que significa que raramente veem o clássico juntos.

«Eu não consigo ver jogos com a minha mãe. Por isso não faz diferença ver em cidades diferentes. Ela sofre muito, não gosto de estar a ver ao lado dela», sublinha.

«Já o meu pai é muito calmo a ver os jogos dos meus irmãos. Muito, muito calmo. Ao intervalo telefona-me sempre a perguntar o que estou a achar do jogo. Eu vejo todos os jogos deles dois, seja ao vivo ou pela televisão, e o meu pai gosta de me ligar ao intervalo para trocarmos ideias. No fim, aí falamos todos. Apesar de estarmos separados, estamos sempre em contacto e falamos muitas vezes. Pelo menos duas vezes por dia telefonamos uns aos outros.»

Ora esta quarta-feira é um dia especial: Sporting e FC Porto defrontam-se em Alvalade para a Taça de Portugal. Não é a primeira vez que os dois irmãos estão de lados opostos, Sporting e FC Porto já se defrontaram duas vezes este ano, mas é sempre um dia invulgar.

«Olhe, honestamente espero que seja um grande jogo, com muitos golos e poucas paragens. Agora quem ganha... pouco interessa. Tenho a certeza que este é o jogo em que vamos estar mais calmos.»

Rodrigo recorda que isto de ver o FC Porto a jogar e estar calmo é uma novidade para ele.

«Eu sofria mais quando estavam os dois no FC Porto, aí era maluco, porque era o clube da família e sou doido pelo FC Porto. Agora como tenho um em cada lado, vejo o jogo sossegado», conta.

«Mas antigamente fazia verdadeiras maluquices. Olhe, por exemplo no jogo do golo do Kelvin, queimei os pés na madeira. Quando o Kelvin marcou, fiquei tão louco que deslizei de joelhos pelo chão da sala, estava descalço, o peito dos pés arrastou na madeira e ficou queimado. Outro exemplo, quando o FC Porto ganhou ao Bayern por 3-1, eu estava de cama, cheio de febre. O jogo começou e nem me senti doente, parecia que estava bom, até chorei quando o Quaresma fez o segundo golo. Assim que o jogo acabou, a febre voltou. Ver o FC Porto era o melhor remédio para mim, funcionava melhor do que um Ben-u-ron.»

Apesar de ter crescido adepto do FC Porto, Rodrigo foi, curiosamente, o único dos irmãos que não jogou no clube. Ele que também foi o único que não fez formação como lateral direito.

«É verdade, a minha família está talhada para formar laterais-direitos. Eu não fui lateral e não joguei no FC Porto. Como irmão mais velho, fui mostrar-lhes o caminho que a seguir», sorri.

«Se visse a minha velocidade, percebia porque é que não fui lateral. Correr não era para mim.»

Já os irmãos, correm que se fartam. Talvez por isso, foram recrutados muito cedo pelo FC Porto. Tomás Esteves foi sinalizado quando jogava no ADECAS, em Arcos de Valdevez, e tinha nove anos. Chamado para treinar na Constituição, acabou por agradar e ficar.

O irmão Gonçalo Esteves foi ainda mais precoce. Com seis anos foi convidado para treinar no FC Porto, no Sporting e no Benfica. Ao serviço do clube leonino participou até num torneio, o que lhe serviu para hoje mostrar uma fotografia em que aparece com a camisola verde e branca, ainda com cara de criança. Quando teve de escolher, e por todas as razões (ficava mais perto de casa e já lá tinha a jogar o irmão), o miúdo preferiu o FC Porto.

«Até aos 13 anos viviam nos Arcos de Valdevez e iam só ao Porto jogar. Era a minha mãe que os levava. Quando fizeram 13 anos, foram ambos viver para a Casa do Dragão, na Costa Cabral. Primeiro o Tomás e depois o Gonçalo. Mais tarde eu fui estudar para o Porto e vivia num apartamento na Trindade. Todas as quartas-feiras os meus pais iam ao Porto para jantarmos todos juntos. Íamos sempre comer ao Barcarola, que fica mesmo em frente à Casa do Dragão», recorda.

«O Tomás morou na Casa do Dragão até ao primeiro ano de sénior. Nessa altura teve de sair e ficou a morar num hotel. O Gonçalo saiu no último ano no FC Porto e também foi para o hotel.»

A separação, portanto, é uma coisa que se infiltrou na raiz da família há muitos anos: desde que Tomás e Gonçalo eram apenas adolescentes. Esta quarta-feira, portanto, não será nada de novo.

Apenas mais um dia na história da família que FC Porto e Sporting separaram.

 

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