A noite em que a águia inverteu a história
O Clássico na Luz acabou com uma goleada histórica, mas começou nervoso.
Nervoso porque esse é um estado de alma inevitável num jogo com a dimensão de um Benfica-FC Porto. Mas também começou nervoso porque a reviravolta do Sporting em Braga, minutos antes do apito inicial, deixou águias e dragões ainda mais pressionados.
Se é compreensível que nenhum treinador considere – como o fizeram Bruno Lage e Vítor Bruno na véspera – que um campeonato está terminado ainda sem que um terço dele esteja jogado, é também inegável que, no fim, os pontos perdidos nesse período podem fazer toda a diferença.
A bola parecia queimar nos pés dos jogadores do FC Porto, muito condicionados pela intensa pressão da linha da frente encarnada, hoje claramente mais competente do que nas primeiras semanas da época, ainda com Roger Schmidt.
Mas também parecia, por vezes, ser um corpo estranho nos pés dos jogadores do Benfica, que foram acumulando erros não forçados.
Gradualmente, a águia foi estabilizando até tornar-se dona de algo mais do que o Estádio da Luz. Tornou-se também dona do jogo. Quis mais do que um FC Porto historicamente habituado a – ou pelo menos a aparentá-lo – querer mais do que o rival lisboeta nos clássicos entre eles, mas que nesta noite saiu vergado com uma goleada de justeza irrebatível.
Se a equipa de Vítor Bruno tinha mais bola, a de Lage era mais perigosa com ela. Di María, talhado para estes jogos como voltou a mostrá-lo neste domingo, ameaçou o 1-0 num dos vários momentos em que a defesa azul e branca mostrou desacerto.
Por mais paradoxal que pareça, as águias até podem ter descoberto, nesse momento de frustração, como ganhariam o Clássico. Porque, depois disso, encontraram vezes sem conta brechas num adversário que havia chegado à Luz com tantos golos sofridos na Liga como os quatro que encaixaria na noite.
No minuto seguinte, Pavlidis bateu Diogo Costa numa jogada que João Pinheiro interrompeu, por falta sobre Aktürkoglu, sem esperar que a bola sobrasse para o grego isolado.
Nos dragões, só o flanco esquerdo parecia, ainda que a espaços e só no plano ofensivo, funcionar, com as diagonais de Galeno e a verticalidade de Francisco Moura pela linha.
Quando Álvaro Carreras fez o 1-0, num remate de pé direito, já o Clássico se pintava de encarnado.
O FC Porto acusou – e de que maneira – o golo sofrido. Foi incapaz de travar as transições das águias, que pareciam ver no rival um raro semblante de medo de quem tem sido tantas vezes «Porto» nestes jogos no Dragão e na Luz.
Após um passe longo magistral de Di María, Pavlidis acertou no poste esquerdo.
E os dragões respiraram de alívio.
Aí e também no minuto seguinte, quando começaram a chover tochas junto à baliza de Diogo Costa e o ritmo intenso da equipa de Bruno Lage foi quebrado pelos próprios adeptos.
Em pouco mais de um minuto, os azuis e brancos fizeram mais do que em quase toda a primeira parte. Arriscamo-nos a dizer, até, do que em toda a noite. Martim Fernandes desaproveitou tempo e espaço para definir melhor na área encarnada mas, logo a seguir, Samu empatou após uma hesitação incrível de Otamendi.
O empate era a melhor das notícias que o FC Porto retirava do que tinham sido os 45 minutos iniciais do Clássico. E Vítor Bruno poderia corrigir o que estava a falhar, mas que o erro do capitão das águias mitigou.
Só que, na segunda parte, o Benfica foi ainda mais implacável. Soberano na defesa – que grande jogo de Tomás Araújo! – personalizado com bola (novamente Tomás Araújo) e letal no ataque, como naquele passe em profundidade de Aursnes que isolou Di María para o 2-1 aos 56 minutos e, pouco depois, no terceiro, que nasceu de um passe do jovem central para Bah e Nehuén Pérez a confirmar o golo dos encarnados.
A partir daí percebeu-se que o Clássico dependia mais do que o Benfica fizesse do que propriamente de um adversário que nunca conseguiu recompor-se ou reorganizar-se. Mais do que sentir-se, via-se, como naquele toque de risco de Aursnes que quase permitia a Samu fazer renascer o dragão.
As substituições de Lage e Vítor Bruno não mudaram a face do jogo e, aos 81 minutos, Otamendi foi atingido na cara por Alan Varela e Di María bisou da marca dos 11 metros, colocando ainda mais peso histórico num Clássico de domínio esmagador dos encarnados, que golearam pela primeira vez um rival em 21 anos da nova Luz e, seis décadas depois, voltaram a marcar quatro golos aos portistas num jogo da Liga.
Depois da imagem confrangedora em Munique a meio da semana, o Benfica voltou a mostrar sinais de vitalidade idênticos aos de há um mês, também na Luz, diante do Atlético Madrid.
Já o FC Porto foi, tal como já o tinha sido no outro clássico jogado a três quilómetros de distância, pouco Porto.