A cirurgia robótica está numa fase “imparável em todas as áreas da medicina". O Hospital Curry Cabral, em Lisboa, foi o primeiro no SNS a ter um robô e só no ano passado fez mais de 500 intervenções
Mais personalizado, menos invasivo e mais preciso. É cada vez mais assim, diz o urologista e uro-oncologista David Subirá Ríos, o tratamento de determinados cancros. Tudo se deve à constante inovação científica, que tem permitido a evolução dos tratamentos, nomeadamente com a introdução da inicialmente "assustadora", segundo alguns doentes, cirurgia robótica. Uma das doenças que mais tem beneficiado é o cancro da próstata, o mais diagnosticado entre os homens em Portugal - quase 6.000 novos casos em 2020, de acordo com o Registo Oncológico Nacional.
“Marcou realmente o início de uma revolução na cirurgia porque melhora os resultados dos doentes”, diz à CNN Portugal, numa altura em que se celebra a Semana Europeia Contra o Cancro (de 25 a 31 de maio). Decorria o ano de 2001 quando o também cirurgião e coordenador de urologia da CUF Tejo, que quis ser médico desde muito cedo para seguir as pegadas do avô, teve contacto com o “primeiro protótipo do atual robô Da Vinci”, estava então “a aprender e a treinar a cirurgia laparoscópica” na Cleveland Clinic, nos EUA.
Para o especialista espanhol, que acaba de chegar a Portugal e que se diz “fascinado pela aplicação da tecnologia enquanto aliada do cirurgião no tratamento das pessoas”, as vantagens do uso de robôs no bloco operatório são “inegáveis”: mais segurança; menos incidência de complicações, como infeções; menos dor e recuperação pós-operatória mais rápida, devido aos cortes menos profundos. Alguns destes já eram pontos a favor da cirurgia laparoscópica - ambas operações minimamente invasivas -, mas Subirá Ríos frisa que a robótica acaba com "as insuficiências que a laparoscopia tem”.
Prova disso mesmo diz ser uma experiência que realizou enquanto investigador, juntamente com uma equipa, entre 2010 e 2016, no tratamento do cancro renal. “Registámos melhores resultados pós-operatórios em doentes operados com cirurgia robótica do que com os doentes que foram operados por cirurgia laparoscópica”, indica.
Até então os cirurgiões contavam apenas com o olho humano, mas agora podem usufruir de uma “visão completamente tridimensional através de uma câmara, com uma aplicação quase microscópica”, ou seja, “melhorada e aumentada”. Soma-se ainda “uma enorme facilidade de manobrar os instrumentos cirúrgicos”, que permite atingir uma “precisão” que até então era “desconhecida”, com “uma melhoria significativa dos resultados pós-operatórios dos doentes”.
A única desvantagem que Subirá Ríos aponta reside na “menor capacidade de acesso a esta tecnologia”. “É uma tecnologia que representa um grande investimento para os hospitais, razão pela qual está presente em poucas instituições”, explica. A título de exemplo, refere que a CUF, onde trabalha, já conta com “dois robôs e vários cirurgiões experientes”.
Estima-se que existam 6.000 robôs cirúrgicos no mundo inteiro e alguns estão em Portugal. No Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Hospital Curry Cabral, em Lisboa, foi o primeiro a ter um, em junho de 2019, tendo sido oferecido pelo Imamat Ismaili. Só no ano passado este hospital fez mais de 500 intervenções robóticas.
No final de 2023, Fernando Araújo, à data diretor-executivo do SNS, admitiu querer recuperar o atraso do país em relação a outros europeus neste âmbito, estabelecendo como meta a existência de um robô por cada 350 mil habitantes.
“Portugal pode ter aderido mais tarde do que outros países, incluindo Espanha, mas as perspetivas para a aplicação da cirurgia robótica estão a aumentar”, sublinha o médico espanhol. “Desde o meu início na cirurgia robótica com os primeiros protótipos em 2011 até agora, tenho visto a evolução de novos robôs com maiores capacidades, melhorando instrumentos e incorporando novas ferramentas, o que nos permite melhorar os resultados”, acrescenta.
"É sempre o cirurgião que opera"
É frequente a primeira reação dos pacientes ao saberem que vão ser submetidos a uma cirurgia robótica não ser a melhor. “Alguns doentes ficam assustados por pensarem que a cirurgia pode ser realizada de forma autónoma pelo robô”, conta Subirá Ríos. Mas o cirurgião contesta de imediato este pensamento: “O robô não opera sozinho.”
“É sempre o cirurgião que opera, assim como um piloto de avião é quem controla o avião. Costumo explicar-lhes que não me deixaria operar sozinho por um robô, nem viajaria de avião sem piloto, pelo menos por enquanto”, compara. “A realidade é que o robô nos permite realizar melhor o nosso trabalho, fazer o que queremos com maior segurança e precisão. No entanto, não é apenas a existência da tecnologia que tem de ser avaliada pelos doentes. Importa que também seja considerada a experiência do cirurgião - isto é muito importante, da mesma forma que de pouco adianta voar com o melhor avião se o piloto não o souber conduzir”, continua.
Perante os argumentos do médico, os utentes “entendem perfeitamente”, garante. “E a verdade é que eu nunca conheci uma pessoa que se recusou a ser operada por medo de um robô.”
A mão humana está sempre presente, sendo uma das “três componentes” numa operação robótica. Tudo o que acontece é determinado na chamada “consola” próxima da mesa de cirurgia - uma espécie de centro de operações onde se senta o cirurgião e “através do qual opera o robô e realiza a cirurgia, comandando os braços robóticos”.
Os braços do robô são, por sua vez, a segunda componente da operação, estando integrados no “carrinho robótico” (o equipamento onde estão os braços robóticos) e “manipulam os diferentes instrumentos cirúrgicos” em contacto com o doente, acompanhados de um assistente.
Uma vez com os instrumentos cirúrgicos ligados ao paciente, o robô “reproduz os gestos do cirurgião”. Há ainda “a torre de visão”, composta por um computador e um sistema de imagem 3D, onde o cirurgião pode aceder às imagens em alta definição, “melhoradas” e “aumentadas”.
"Um enorme futuro por explorar"
A cirurgia robótica está numa fase “imparável em todas as áreas da medicina”, diz o urologista e uro-oncologista. No entanto, introduzir a robótica num procedimento que até então só contava com a mão humana nem sempre é fácil de aceitar. Entre as equipas médicas, sobressai por vezes o receio face à evolução da tecnologia.
“A mudança não é fácil e nem todos estamos dispostos a enfrentá-la”, reconhece Subirá Ríos, que já treinou médicos tanto em Espanha como em Portugal. “No entanto, diria que a maioria dos médicos sabe que a tecnologia aplicada na medicina não é apenas inevitável, mas desejável.”
E, garante, há todo “um enorme futuro por explorar”, que pode até passar pela inclusão de outras tecnologias. O objetivo é encontrar agora “uma maior precisão e adquirir uma maior segurança nos procedimentos cirúrgicos dos médicos”, o que diz ser “algo muito presente noutras áreas da sociedade, como nas as fábricas de automóveis ou de montagem de computadores, onde o papel dos robôs para a fabricação é muito importante”.
A realidade aumentada, por exemplo, é outra técnica aplicada à cirurgia. “Já realizámos uma das primeiras cirurgias robóticas com o uso de realidade aumentada para tratar um rim ectópico, ou seja, localizado de forma anómala”, revela.
E todos os desenvolvimentos vão levar a algo que pode assustar alguns à primeira vista: algumas fases das cirurgias realizadas autonomamente pelos robôs. “Tenho participado no desenvolvimento da aplicação de Inteligência Artificial em procedimentos cirúrgicos, o que permitirá no futuro realizar parte das cirurgias de forma autónoma através do robô, embora sempre com o controlo de um cirurgião”, antecipa.