A maior cadeia de cinemas dos Estados Unidos faz pipocas suficientes para encher 222 piscinas olímpicas todos os anos. Mas a combinação perfeita (e muito lucrativa) de hoje nem sempre foi assim: durante muitos anos, os cinemas não queriam saber deste snack
Mesmo antes de as luzes da sala se apagarem, a experiência cinematográfica já está bem encaminhada, com a comida do bar a ocupar o primeiro lugar.
O seu aroma torrado e amanteigado enche o átrio, um cheiro inconfundível e, muitas vezes, capaz de recuperar memórias profundas. Um grão bate na lateral de uma panela de aço inoxidável, um indício da sinfonia percussiva que está para vir. À medida que uma onda branca e fofa se forma, o conteúdo é colocado numa caixa e regado - se tiver sorte - com manteiga derretida.
E, ao deslizar num assento almofadado, as delicadas ondas dão lugar a um suave estalido.
"Pipocas e cinema estão tão intrinsecamente ligados como Fred Astaire e Ginger Rogers, manteiga de amendoim e chocolate; e, como tal, representam talvez uma das maiores duplas da história moderna”, disse à CNN Internacional Paul Dergarabedian, analista sénior de media da Comscore. "É difícil imaginar uma combinação mais perfeita e que se tornou parte da cultura de uma forma tão profunda e omnipresente."
A maior cadeia de cinemas dos Estados Unidos, a AMC Theaters, faz pipocas suficientes para encher 222 piscinas olímpicas todos os anos, de acordo com a empresa. Mas a combinação perfeita (e muito lucrativa) de hoje nem sempre foi assim: durante muitos anos, os cinemas não queriam saber deste snack.
Uma combinação de óleo e manteiga
Segundo "Popped Culture: A Social History of Popcorn in America" de Andrew F. Smith, há muita tradição envolvida na origem das pipocas e também muito drama na sua "união forçada" com o cinema.
Smith, ao catalogar a ascensão das pipocas, desmistificou a maioria das fábulas há muito enraizadas sobre o petisco. A pipoca não foi um acompanhamento do "primeiro Dia de Ação de Graças", chegou à Nova Inglaterra na primeira metade do século XIX, provavelmente trazida por marinheiros americanos que retornavam da América do Sul.
O estouro do milho tornou-se uma atividade recreativa popular na década de 1840, depois da invenção de "poppers" e aparelhos para estourar o milho no fogo. Nas décadas seguintes, os vendedores de pipocas proliferaram em feiras, circos e nas ruas das cidades. Surgiram mais operações comerciais, o Cracker Jack tornou-se um produto básico nos estádios de basebol e começou um lento namoro com o negócio da exibição de filmes.
Esse negócio, salvo pelo aparecimento dos filmes sonoros, floresceu durante o início do século XX. Em 1930, 90 milhões de pessoas iam ao cinema semanalmente, escreveu Smith.
O público parecia pronto para ser conquistado pelos vendedores de pipocas, mas os proprietários de cinemas hesitaram.
"Para alguns proprietários, era um incómodo desnecessário ou 'abaixo da sua dignidade'", escreveu Smith. "Nos dias tumultuosos e burlescos, vendedores percorriam os corredores com cestos a vender Cracker Jack e pipocas. Grande parte das pipocas eram lançadas ao ar ou espalhadas pelo chão."
Nos cinemas, os pedaços de pipocas espalhados sujavam a valiosa alcatifa que se destinava a imitar os grandes átrios dos cinemas.
Mas os proprietários dos cinemas mudaram de ideias, e o boom das pipocas aconteceu durante um dos períodos económicos mais improváveis: a Grande Depressão.
"A cinco ou 10 centavos o saco, as pipocas eram um luxo acessível para a maioria dos americanos", observou Smith.
Inicialmente, o fabrico de pipocas era feito fora dos cinemas, onde os operadores alugavam espaço aos vendedores, uma vez que era considerado demasiado dispendioso equipar os edifícios com ventilação. Mas quando surgiram concorrentes e histórias de "riqueza com pipocas" que se espalharam rapidamente, a concessão passou a ser feita internamente.
“O sucesso das pipocas deveu-se ao seu aroma — o mesmo cheiro que alguns proprietários de cinemas tinham alegadamente desprezado anteriormente,” disse Smith. “O aroma era maximizado durante o processo. Assim que as máquinas foram colocadas nos átrios, o negócio começou a florescer.”
Um passatempo nacional
Numa recente manhã de domingo, no sul de Minneapolis, uma tradição de décadas entre pai e filho continuou no Riverview Theater, um cinema de ecrã único situado entre bungalows centenários.
Desde que John Aitkin, 44 anos, era criança, ele e o seu pai, John Sr., assistiam a filmes no Riverview. Enquanto aguardavam o início do filme "O Reino do Planeta dos Macacos", estavam acompanhados por outros membros de longa data da rotina mensal: um balde de pipocas e refrigerantes.
“É um passatempo", disse o jovem Aitkin. "Quando as estou a comer, fazem com que tudo pareça bem. São apenas 'pipocas e um filme', mas consigo escapar da ansiedade da vida quotidiana."
Também é uma fuga acessível. O balde médio custou a Aitkin apenas 2,50 dólares, metade do preço do seu bilhete naquele dia (isto é uma exceção: Nalgumas regiões, as pipocas podem facilmente custar três ou quatro vezes mais).
A fama e a popularidade das pipocas do Riverview estendem-se para além das paredes do edifício de 75 anos. Durante anos, o cinema do bairro vendeu-as para take-away, um serviço que ajudou o cinema a enfrentar o ano de 2020, disse Loren Williams, proprietário do Riverview.
"Quando a pandemia chegou, era tudo o que tínhamos", disse à CNN sobre o apoio da comunidade.
O cenário pós-pandemia
Com as reaberturas pós-pandemia, as pessoas não só compraram bilhetes premium e de valor superior, como também gastaram mais nos bares, referiu Alicia Reese, uma analista que cobre a indústria dos media e do entretenimento para a Wedbush.
"Pensámos que era apenas uma procura reprimida para sair e para as pessoas se mimarem", observou. "Mas esta tendência tem persistido. Não diminuiu e continua a crescer."
É uma boa notícia para os operadores de cinema, numa altura em que a afluência ainda não regressou aos níveis pré-pandémicos. Isto acontece porque os cinemas são sobretudo serviços de restauração e operações imobiliárias, sublinhou Ricard Gil, professor associado especializado em economia organizacional na Queen's University, no Canadá.
Geralmente, a receita dos bilhetes é dividida igualmente, 50-50, entre os operadores dos cinemas e os estúdios de cinema, disse Gil, que já investigou a razão pela qual as concessões dos cinemas são muito caras.
Para os exibidores, essa metade (ou, muitas vezes, menos) não é suficiente para recuperar todos os outros custos.
Segundo Reese, da Wedbush, as concessões representam cerca de um terço das vendas totais no mercado interno das maiores cadeias americanas como a AMC e a Cinemark.
"Mais de 80% das receitas são canalizadas para o lucro, o que é substancial e diferente da maioria dos outros negócios ", afirmou. "A razão para isso é que a maior parte das vendas são pipocas, onde o custo é bastante baixo."
Androides e vermes de areia cheios de pipocas
Em 2023, o negócio de alimentos e bebidas da AMC Theatres totalizou 1,67 mil milhões de dólares em receita, conforme mostram os registos financeiros. (Em comparação, isso é mais do que a receita anual de cadeias de restaurantes como BJ's, Waffle House e Red Robin)
"O sol sobe e desce no negócio da concessão", disse Nels Storm, vice-presidente de estratégia de produtos de alimentação e bebidas da AMC Theatres, numa entrevista. E as pipocas, segundo ele, continuam a ser a "força venerável" por trás desse negócio.
No entanto, dadas as ameaças externas ao sector, como o entretenimento em casa e mais opções a competir pelo todo-poderoso dólar dos consumidores, as pipocas têm de evoluir com os tempos.
Para a AMC, isso incluiu o lançamento de uma linha de pipocas para micro-ondas e prontas a comer, à venda em retalhistas como a Walmart e a Kroger, oferecendo sabores únicos ou temáticos de filmes e apostando fortemente no merchandising.
Filmes populares trazem frequentemente copos e baldes de pipocas colecionáveis ou, na linguagem da indústria, Artigos de Concessão Colecionáveis (CCV).
Na AMC, estes incluíram baldes de pipocas R2-D2; o Ecto 1 dos Ghostbusters; o Dune: Parte Dois; e, em junho, um CCV do "Garfield" que incluiu um boneco de peluche - uma homenagem apropriada aos dias em que versões em peluche do gato malhado que adora lasanha eram colocadas com ventosas nas janelas dos carros.
Durante anos, os cinemas alargaram as suas concessões, com alguns a passarem ao próximo nível: cinemas onde se pode jantar. O Alamo Drafthouse, que começou a funcionar em 1997, oferece um menu completo e um bar (com empregados). Apesar do menu completo, as pipocas continuam a ser o produto alimentar mais comprado, disse Heather Morgan, chefe de equipa e estratégia do Alamo.
O Alamo é rápido a fazer experiências com as suas pipocas e outras concessões, associando-as a diversas noites temáticas, disse, referindo que a cadeia criou pipocas com tempero berbere para "Dune": Parte Dois".
"Podemos ver um aumento nas vendas, porque as pessoas querem experimentar sabores novos e diferentes", garantiu.
Pipocas de chocolate e sabores caseiros
Estas abordagens únicas também se estendem aos cinemas mais pequenos.
Em Brooklyn, Nova Iorque, o Nitehawk Cinema é conhecido pelas suas pipocas de trufas. Em Iowa City, o cinema sem fins lucrativos FilmScene utiliza uma receita herdada pelo grupo de cinema estudantil da Universidade de Iowa.
"Não oferecemos manteiga e prometemos que não precisa dela", indicou Andrew Sherburne, diretor executivo e cofundador do FilmScene.
Em Seattle, os amantes do cinema da Cidade Esmeralda rejubilaram quando o icónico cinema Cinerama reabriu, após ter encerrado durante a pandemia, e as suas famosas pipocas de chocolate regressaram.
No Cinelounge Cinemas, na Califórnia, o fundador Christian Meoli criou uma linha de oito tipos de pipocas artesanais para serem vendidas no local, online e em lojas.
As ofertas temáticas de filmes - com sabores como churro de canela, caramelo de bourbon e alecrim - também servem como veículo para incentivar o investimento na comunidade cinematográfica: as receitas ajudam a financiar bolsas, exibições e equipamentos para aspirantes a cineastas.
O sector do cinema continuará a evoluir, mas uma coisa permanecerá constante, não tem dúvidas Gil da Queen's University.
"A única coisa que mudou na economia das salas de cinema foi o romantismo da exibição de filmes, que desapareceu um pouco, e as empresas de salas de cinema perceberam que são empresas imobiliárias, que têm capacidade, que precisam de preencher essa capacidade e que farão o que for necessário para isso", comparou Gil. "Os cinemas vão deixar de exibir filmes antes de deixarem de vender pipocas."