Formigas carpinteiras amputam membros para salvar as vidas das companheiras

CNN , Ashley Strickland
1 set, 12:00
Formigas

Uma curiosidade: levam cerca de 40 minutos na amputação. E só decidem fazê-lo se a ferida acontecer numa área da perna

Os humanos não são os únicos capazes de levar a cabo amputações para salvar vidas.

As formigas carpinteiras da Flórida foram observadas a morder os membros feridos das suas companheiras de ninho, dependendo da localização dos ferimentos, para ajudá-las a sobreviver, mostra um novo estudo.

Os investigadores apuraram que cerca de 90 a 95% das formigas que foram alvo de amputação conseguiram sobreviver e dar continuidade aos seus deveres na colónia, apesar de terem perdido uma perna.

O estudo, publicado na revista Current Biology, parte de investigações anteriores lançadas em 2023 pela mesma equipa internacional de cientistas.

Essa investigação apurou que uma espécie diferente de formigas, as formigas Matabele, de nome científico Megaponera analis, usam as suas bocas para produzir compostos antimicrobianos para limpar lesões e prevenir possíveis infeções. Os compostos são produzidos pelas chamadas glândulas metapleurais.

A maioria das formigas tem estas glândulas. Contudo, com o passar do tempo, algumas espécies – incluindo a Camponotus floridanus, também conhecida como formiga carpinteira – perderam-nas durante o seu processo evolutivo.

A maioria das espécies que não têm glândulas metapleurais são arborícolas, ou seja, vivem em árvores, explica o principal autor do estudo, Erik Frank, ecologista comportamental na Universidade de Wurtzburgo, no estado da Baviera, Alemanha.

“Pensamos que o seu estilo de vida arbóreo acaba por expô-las a menos agentes patogénicos face às colónias que vivem no subsolo”, explica.

Erik Frank e os colegas tinham planeado continuar a estudar as formigas Matabele na Costa do Marfim quando a pandemia [de covid-19] tomou conta do mundo. Como consequência, a equipa mudou o foco do estudo para as formigas carpinteiras comuns que existiam no laboratório.

“Queria ver como é que as espécies de formigas que não são capazes de utilizar compostos antimicrobianos para tratar feridas iriam cuidar dos seus ferimentos”, aponta Erik Frank.

Os investigadores não estavam preparados para aquilo que observaram: uma espécie de intervenção cirúrgica que só tinha sido vista antes em humanos.

Formigas propensas a lesões

As formigas carpinteiras da Flórida, de cor acastanhada ou avermelhada, medem cerca de 1,5 centímetros. Os ninhos delas podem ser encontrados em madeiras podres em todo o sudeste dos Estados Unidos da América. Esta espécie tem necessidade de defender os seus ninhos de formigas rivais, o que pode resultar em ferimentos.

Dany Buffat, coautor do estudo e estudante de mestrado na Universidade de Lausana, na Suíça, observou, pela primeira vez, as formigas a limpar feridas e a levar a cabo amputações.

“A maior surpresa foi, claramente, o facto de que fazem amputações”, refere Erik Frank. “Não esperava uma coisa como esta. Quando o Dany Buffat me descreveu este comportamento, não acreditei nele. Só mesmo quando ele me mostrou os vídeos é que consegui apreciar verdadeiramente o que tínhamos descoberto”.

Uma formiga carpinteira a limpar as feridas de outra (Bart Zijlstra)

À medida que a equipa observava as formigas em ação, Laurent Keller, outro autor do estudo e biólogo evolucionista da Universidade de Lausana, registou outra surpresa: as formigas só realizavam amputações se as lesões nas pernas ocorressem na coxa ou no fémur. Depois de morderem a perna, as formigas usavam a boca para lamber a ferida e, provavelmente, remover bactérias.

Contudo, se a ferida se localizasse na parte baixa da perna, ou na tíbia, as formigas apenas lambiam intensamente a ferida, com uma taxa de sobrevivência de 75%.

Para compreender por que razão as formigas eram tão específicas nos seus cuidados e recriar as feridas em laboratório, os investigadores removeram uma única formiga do ninho, trabalhando com pequenas colónias de 200 formigas, e usaram microtesouras para fazer cortes controlados na perna da formiga.

“Antes, colocávamos a formiga no gelo por alguns minutos, para que ela se acalmasse e se tornasse mais fácil de manipular”, explica Erik Frank. “Com cuidado, tirávamos uma do ninho, colocávamos no gelo e depois cortávamos a perna. Mal a formiga acordasse de novo, alguns minutos depois, era lançada de novo na colónia com as companheiras”.

Para as formigas com ferimentos no fémur ou na tíbia que não foram tratadas no isolamento, sobreviveram, respetivamente, menos de 40% e 15%.

A equipa também levou a cabo tomografias computadorizadas (também conhecidas como TAC) das formigas para ver os seus ferimentos mais de perto e como respondiam os seus corpos. Um conjunto de músculos nas coxas das formigas assegura a circulação de um fluido semelhante ao sangue, a hemolinfa. Apesar de as formigas não terem corações semelhantes aos humanos, têm várias bombas cardíacas e músculos ao longo dos seus corpos que desempenham a mesma função.

As lesões na coxa prejudicam essa circulação, refere Erik Frank. E como o fluxo sanguíneo é reduzido, as bactérias não conseguem circular pela ferida e pelo corpo tão rapidamente, o que significa que uma amputação pode impedir a propagação de bactérias no corpo todo da formiga.

Uma formiga arranca a perna de outra após sofrer uma lesão na coxa (Bart Zijlstra)

Já a parte inferior das pernas das formigas não contém nenhum músculo necessário a essa circulação do sangue. Contudo, qualquer ferida aí introduziria rapidamente bactérias no corpo, não havendo tempo para uma amputação.

Erik Frank explica que “em feridas na tíbia, o fluxo de hemolinfa foi menos perturbado, o que significa que as bactérias podem entrar no corpo mais rapidamente. Já nas feridas no fémur, a velocidade da circulação sanguínea na perna diminuiu”.

Os investigadores observaram que as amputações assistidas por formigas duravam cerca de 40 minutos até ficarem prontas, motivo pela qual estes insetos pareciam optar pelas amputações do fémur, mas não da tíbia.

“Logo, como não conseguem cortar a perna com a rapidez suficiente para prevenir a propagação de bactérias nocivas, as formigas tentam limitar as probabilidades de uma infeção letal, gastando mais tempo a limpar a ferida na tíbia”, mostra Laurent Keller.

Descodificar o comportamento da formiga

Os investigadores ainda estão a tentar juntar as peças para compreender as complexidades inerentes a este comportamento, aparentemente inato, das formigas.

“Devem ter aprendido, ao longo do seu tempo evolutivo, que a amputação era uma forma eficiente de evitar uma infeção. E que a produtividade das colónias seria maior se tivessem mais elementos para contribuir para esse esforço”, argumenta Laurent Keller.

O investigador acrescenta que essas amputações são consideradas um comportamento altruísta porque as formigas têm de investir tempo e energia a ajudar as outras.

“O facto de as formigas serem capazes de diagnosticar uma ferida, confirmarem ser está infetada ou estéril, e tratá-la em conformidade durante longos períodos de tempo mostra que o único sistema médico capaz de rivalizar com esse seria o humano”, descreve Erik Frank.

Contudo, Frank reconhece não acreditar que as formigas fazem o que fazem de uma forma consciente. Em vez disso, pode ser algo mais instintivo, tal como os humanos levam os dedos à boca depois de um corte de papel.

“Pomos, de forma simples e instintiva, o dedo na boca e chupámo-lo, sem pensar ativamente que queremos aplicar proteínas antissépticas da nossa saliva na ferida para inibir uma infeção”, compara Erik Frank. “Acontece, provavelmente, algo parecido com as formigas. Houve uma pressão evolutiva forte o suficiente para que apresentem dois comportamentos distintos para dois tipos distintos de feridas, de modo a maximizar as hipóteses de sobrevivência das suas companheiras de colónia. Como são capazes de diferenciá-las é uma outra questão, em que estou a trabalhar atualmente.

Agora, os investigadores querem encontrar mais exemplos de tratamentos de feridas, não apenas nas formigas, mas em todo o reino animal.

“Vamos continuar a estudar os comportamentos de tratamento de feridas noutras espécies de formigas e tentar compreender as suas origens evolutivas”, garante Erik Frank. “Como era o comportamento ancestral para o cuidado de feridas? E porque há formigas que amputam enquanto outras recorrem aos efeitos antimicrobianos?”.

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