O plano dos cientistas para ressuscitar uma ave que está extinta desde o século XVII

CNN , Katie Hunt
9 fev 2023, 08:00
Investigadores querem usar o ADN de um dodó antigo para fazer ressuscitar a ave. Foto: Ranjith Jayasena

O aperfeiçoamento destes instrumentos de biologia sintética terá implicações mais vastas para a conservação das aves.

Nenhum outro animal está tão inexoravelmente ligado à extinção como o dodó, um estranho pássaro que não voa e que viveu na ilha Maurícia no Oceano Índico até ao final do século XVII.

A chegada dos navegadores trouxe consigo espécies invasoras como os ratos e práticas como a caça. Estas condenaram o dodó, que não mostrou ter medo dos humanos, à extinção no espaço de apenas algumas décadas.  

Agora, uma equipa de cientistas quer trazer de volta o pássaro dodó numa iniciativa ousada que irá incorporar avanços na antiga sequenciação do ADN, tecnologia de edição genética e biologia sintética. Eles esperam que o projeto encontre novas técnicas para a conservação das aves.  

"Estamos claramente no meio de uma crise de extinção. E é nossa responsabilidade trazer histórias e trazer emoção às pessoas de forma a motivá-las a pensar nesta crise de extinção que está a acontecer neste momento", diz Beth Shapiro, uma professora de ecologia e biologia evolutiva na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.  

Beth Shapiro é a principal paleogeneticista da Colossal Biosciences, uma empresa de biotecnologia e engenharia genética fundada pelo empresário de tecnologia Ben Lamm e pelo geneticista da Escola de Medicina de Harvard George Church, que está a trabalhar em projetos igualmente ambiciosos para trazer de volta o mamute lanoso e a tilacina, ou tigre da Tasmânia.

Beth Shapiro disse que já tinha completado um primeiro passo fundamenta para o projeto - sequenciando totalmente o genoma do dodó a partir de ADN antigo - com base em material genético extraído de restos de dodó na Dinamarca.  

O passo seguinte foi comparar a informação genética com os parentes mais próximos do dodó da família dos pombos - o ainda vivo Pombo-de-nicobar, e o extinto pombo Solitário-de-rodrigues, um pombo gigante incapaz de voar que outrora vivia numa ilha próxima da Maurícia. É um processo que lhes ajuda a estreitar quais as mutações no genoma que "fazem de um dodó um dodo", explica Beth Shapiro.  

Desafios para ressuscitar o dodó  

No entanto, o trabalho subsequente necessário para ressuscitar o animal – programar as células de um parente vivo do dodó com o ADN da ave perdida - será significativamente mais desafiante. Beth Shapiro espera adaptar uma técnica já existente que envolve células germinativas primordiais, os precursores embrionários do esperma e dos óvulos, que já foi utilizada para criar uma galinha gerada a partir de um pato.  

A abordagem envolve a remoção das células germinais primordiais de um ovo, cultivando-as no laboratório e editando as células com as características genéticas desejadas antes de as injetar de novo num ovo na mesma fase de desenvolvimento, explica Beth Shapiro.  

Mesmo que a equipa seja bem-sucedida neste esforço de alto risco, o resultado não será uma cópia do dodó que viveu há quatro séculos, mas sim uma forma híbrida alterada.  

No entanto, Beth Shapiro diz que o aperfeiçoamento destes instrumentos de biologia sintética terá implicações mais vastas para a conservação das aves. As técnicas poderão permitir aos cientistas mover traços genéticos específicos entre as espécies de aves para ajudar a protegê-las à medida que os habitats ficam mais pequenos e o clima aquece.

"Esta tecnologia, que funciona em galinhas…, seria espantoso conseguir que isto funcionasse em muitos pássaros diferentes ao longo da árvore da vida das aves, porque isso terá um impacto enorme na sua conservação", diz Beth Shapiro.  

"Se descobrirmos que há algo que fornece imunidade contra uma doença que está a prejudicar uma população, e se soubermos quais são as alterações genéticas subjacentes a essa imunidade ou a essa capacidade de combater essa doença – talvez possamos usar estas ferramentas para transferir isso mesmo entre espécies próximas."

Mike McGrew, docente sénior e especialista em tecnologias reprodutivas aviárias no Instituto Roslin da Universidade de Edimburgo, descreveu o projeto como uma "viagem à lua para a biologia sintética". O seu trabalho envolve a transformação de galinhas comerciais poedeiras em barrigas de aluguer de raças raras de galinhas recuperadas de células germinativas primordiais congeladas.

"A ideia agora é que se consiga fazer isto com espécies de pombos. E essa é a grande dificuldade, saltar das espécies de galinhas, com que muitos laboratórios no mundo trabalham, para outras espécies de aves", diz Mike McGrew, que não está diretamente envolvido no projeto do dodó, mas faz parte do conselho consultivo científico da Colossal Biosciences.

"Há cerca de 10 anos que tento cultivar células germinativas de outras espécies de aves. É difícil."

Ilustração de um dodó no livro "Pássaros extintos", de Lionel Walter Rothschild, de 1907. Imagem: Smith Collection/Gado/Getty Images

Investimento na “desextinção”

Quer a Colossal Biosciences e a sua equipa de cientistas sejam ou não bem-sucedidos na sua busca para trazer de volta o dodó e outras criaturas extintas, os projetos de “desextinção”, e os avanços tecnológicos que possam gerar, mantêm os investidores entusiasmados. A Colossal Biosciences anunciou também que angariou mais 138 milhões de euross, elevando o montante total de financiamento angariado desde o lançamento da empresa em 2021 para mais de 207 milhões de euros. 

Os críticos, contudo, dizem que as vastas somas envolvidas poderiam ser melhor utilizadas para proteger as cerca de 400 espécies de aves, e muitos outros animais e plantas, que estão listados como estando em perigo.  

"Há tantas coisas que precisam desesperadamente da nossa ajuda. E de dinheiro. Porque se daria ao trabalho de tentar salvar algo há muito desaparecido, quando há tantas coisas que estão desesperadas neste momento?", questiona Julian Hume, um paleontólogo aviário do Museu de História Natural de Londres, que estuda o dodó.  

Mitos sobre o dodó

Julian Hume diz que há muito pouco conhecimento sobre o dodó e muitos mitos que rodeiam a criatura. Mesmo a origem do seu nome é um mistério, embora ele pense que deriva do som da chamada que o pássaro faria - semelhante a um baixo arrulhar de um pombo.  

Há milhões de anos, os antepassados do dodó viviam no Sudeste Asiático, e quando o nível do mar baixou, o dodó voou até à ilha Maurícia, onde ficou isolado e sem predadores quando o nível do mar voltou a subir.

"O voo é (energeticamente) muito caro. Porquê preocupar-se em mantê-lo se não se precisa dele? Toda a fruta e comida está em terra, e quando se deixa de voar, pode-se tornar grande. Foi o que o dodó fez, apenas se foi tornando cada vez maior", diz Julian Hume.

De acordo com um modelo digital 3D do pássaro que Julian Hume desenvolveu com base num esqueleto do Museu de Ciências Naturais de Durban, na África do Sul, o dodó chegou a ter cerca de 70 centímetros de altura e a pesar cerca de 15 a 18 quilos.

O modelo revelou que o dodó era também provavelmente mais ágil do que o que as ilustrações que o retratam como uma ave gorda e desajeitada poderiam sugerir. 

Temos de agradecer ao dodó por introduzir a ideia de extinção no mundo - um feito triste ainda sentido na expressão inglesa "morto como um dodó".

Nos anos 1600, antes de os primeiros fósseis de dinossauros serem amplamente conhecidos, "o conceito de extinção não existia. Tudo era criação de Deus e estava aqui para sempre. A ideia de que algo pode ser exterminado não cabia no vocabulário de ninguém", diz Julian Hume.

"Era uma ave tão extraordinária, mesmo na altura da descoberta", acrescenta. "Desapareceram rapidamente. Por isso, quando as pessoas quiseram saber mais sobre eles, já não havia mais nenhum."

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