O que são “cidades de 15 minutos" e como se transformaram numa teoria da conspiração

CNN , Laura Paddison
4 mar 2023, 10:00
Uma mulher segura um cartaz num protesto contra "cidades de 15 minutos" em Oxford, Inglaterra, a 18 de fevereiro de 2023. Martin Pope/Getty Images

Duncan Enright nunca imaginou que receberia ameaças de morte por causa de um plano para reduzir o tráfego intenso da cidade.

Mas foi exatamente o que aconteceu ao político local do Reino Unido, que se viu inundado de mensagens abusivas nas redes sociais e por e-mail por causa do seu envolvimento num teste de filtragem de tráfego proposto na cidade de Oxford.

O plano, projetado para reduzir a utilização de estradas urbanas congestionadas durante as horas de maior tráfego, exigiria que os residentes obtivessem autorização para conduzir através dos filtros, aplicados por câmaras, em seis estradas principais.

As acusações lançadas a Enright foram agressivas e variadas e principalmente de pessoas sem qualquer ligação a Oxford, indicou. Muitas eram de fora do Reino Unido. 

Alegaram que ele queria confinar as pessoas aos seus bairros e acusaram-no de fazer parte de uma conspiração internacional para controlar o movimento das pessoas em nome da ação climática.

"Foi bastante alarmante. Nunca me aconteceu nada parecido em muitos anos que estive no governo local”, disse à CNN.

Enright foi arrastado para uma teoria da conspiração, que se espalhou rapidamente em todo o mundo, e que rebatizou os planos para reduzir o tráfego, reduzir a poluição do ar e aumentar as deslocações a pé e de bicicleta nas cidades de "confinamentos climáticos". 

Oxford tornou-se um ponto crítico, em parte porque o seu plano de filtragem de tráfego foi confundido com outra proposta para criar "Cidades de 15 minutos", o foco principal da ira dos teoristas da conspiração.

O que são "Cidades de 15 minutos"? 

Digite "Cidades de 15 minutos" nas redes sociais e prepare-se para uma enxurrada de reivindicações, de que a ideia dará origem a uma distopia, as pessoas serão multadas por deixarem o seu "distrito" ou que se trata de "prisão urbana". 

O conceito é, no entanto, bastante simples: tudo o que precisa deve estar a cerca de 15 minutos a pé ou de bicicleta de sua casa, desde assistência médica e escolas a supermercados e espaços verdes.

O objetivo é tornar as cidades mais habitáveis e conectadas, com menor utilização de automóveis particulares - o que significa ar mais limpo, ruas mais verdes e níveis mais baixos de poluição que aquece o planeta. Cerca de um quinto da poluição mundial provocada pelo homem, que leva ao aquecimento do planeta, provém dos transportes, e os automóveis de passageiros representam mais de 40% desta poluição.

Carlos Moreno, professor da universidade Sorbonne, em Paris, criou o termo "cidades de 15 minutos", mas o conceito não é novo. 

"Esta ideia inspira-se em muitos urbanistas, a começar por Jane Jacobs, que nas últimas décadas defendeu ambientes urbanos compactos, vivos e, por isso, mais caminháveis", explicou Alessia Calafiore, professora de Ciência de Dados Urbanos e Sustentabilidade na Universidade de Edimburgo, na Escócia.

O conceito ganhou força internacionalmente. Em Paris, a presidente de câmara Anne Hidalgo baseou a sua campanha de reeleição em 2020, em parte, num plano para criar "cidades de 15 minutos". A cidade proibiu automóveis nalgumas zonas junto ao Sena, criou centenas de quilómetros de ciclovias e miniparques.

Ottawa, no Canadá, propôs bairros de 15 minutos, Melbourne, na Austrália, planeia adotar bairros de 20 minutos e Barcelona, em Espanha, tem vindo a implementar uma estratégia de "superquarteirões" sem carros.

Pessoas caminham nos Campos Elísios, durante um dia sem carros, no centro de Paris. Philippe Wojazer/Reuters

Até algumas cidades nos EUA adotaram a ideia. Portland introduziu bairros de 20 minutos há mais de uma década, enquanto O'Fallon, no Illinois, publicou recentemente uma estratégia para "crescer de uma típica comunidade suburbana para uma comunidade com tudo o que precisa num espaço de 15 minutos". 

Os confinamentos da pandemia ajudaram a aumentar a popularidade do conceito, já que as pessoas, confinadas nos seus bairros, foram forçadas a reavaliar a área onde residem.  

"Tornámo-nos mais conscientes da importância de viver em zonas bem servidas", observou Calafiore.

No entanto, agora, a mera menção online a cidades de 15 minutos despertará uma série de comentários furiosos. 

"Esse planeamento tornou-se a teoria da conspiração de 2023, quem diria?", ironizou Alex Nurse, professor de Geografia e Planeamento na Universidade de Liverpool, Inglaterra, que foi inundado por mensagens após o seu recente artigo sobre cidades de 15 minutos no Conversation.

"A minha caixa de entrada do email morreu", disse à CNN.

Nascimento de uma teoria da conspiração 

De que forma esta estratégia bastante comum se tornou num ponto de ignição para uma teoria da conspiração relacionada com o clima? 

Durante anos, alguns atores da indústria de combustíveis fósseis tentaram causar raiva contra a ação climática, rebatizando-a como "tirania climática", recordou Jennie King, chefe de pesquisa e política climática do Institute for Strategic Dialogue, um think tank focado na desinformação e no extremismo.

No entanto, antes de 2020, eles lutaram para obter apoio, disse à CNN.

Isto mudou com a pandemia. 

Vários artigos de imprensa argumentaram que deveríamos reconstruir um mundo pós-covid, capaz de reduzir a poluição, responsável pelo aquecimento global, e que foram aproveitados para impulsionar a narrativa de que os governos queriam limitar as liberdades individuais em nome da ação climática.

A iniciativa "Great Reset" do Fórum Económico Mundial, anunciada como um esforço para combater a desigualdade e a crise climática pós-pandemia, deitou mais achas na fogueira.

O termo "confinamento climático" começou a circular, impulsionado por grupos de reflexão de direita e figuras mediáticas céticas em relação ao clima. A partir daí infiltrou-se em comunidades de conspiração mais extremas, apontou King, incluindo grupos afiliados a QAnon [de extrema-direita] e grupos antivacinas.

A Fox News assumiu-a, juntamente com negacionistas climáticos de alto nível. 

Pessoas comuns também foram arrastadas para esta história. A pandemia deixou milhões com traumas genuínos e preocupações reais sobre o alcance excessivo do governo, lembrou King. "E isto foi criado por um vasto ecossistema de maus interlocutores."

A desinformação é oportunista

A ideia de cidades de 15 minutos enquadra-se perfeitamente na teoria da conspiração do "confinamento climático", em parte porque é fácil pensar desta forma.

"Os defensores das teorias da conspiração estão certos ao dizer que não se pode fazer uma cidade real a partir de enclaves autónomos- seriam apenas aldeias", disse à CNN Carlo Ratti, arquiteto, engenheiro e professor do instituto de tecnologia de Massachusetts, onde dirige o MIT Senseable City Lab. 

Mas eles interpretam mal a ideia, observou. "A iniciativa dá às pessoas a liberdade de viverem localmente, mas não as obriga a fazê-lo." 

No entanto, "a desinformação é oportunista", especialmente quando se trata do clima, disse King. Qualquer coisa pode tornar-se um para-raios para controvérsias fabricadas e, quando um assunto começa a receber atenção, uma série de diferentes agentes "inundam o espaço", acrescentou.

Em dezembro, o psicólogo clínico canadiano e cético do clima Jordan Peterson postou um tweet onde atacava as cidades de 15 minutos: “A ideia de que os bairros devem ser percorridos é adorável. A ideia de que burocratas tiranos idiotas podem decidir onde está 'autorizado' a conduzir é talvez a pior perversão imaginável desta ideia.”

No início de fevereiro, o político britânico Nick Fletcher abordou o tema da conspiração no Parlamento, onde chamou às cidades de 15 minutos um "conceito socialista internacional" e afirmou que "nos custarão a liberdade individual".

E no último fim de semana, as teorias online transformaram-se em protestos reais, quando milhares de pessoas, muitas de fora da região, saíram às ruas de Oxford para protestar contra a filtragem de tráfego e as propostas de cidade de 15 minutos. 

Uma mulher segura um cartaz num protesto contra "cidades de 15 minutos" em Oxford, Inglaterra, a 18 de fevereiro de 2023. Martin Pope/Getty Images

Há, naturalmente, muitas críticas às cidades de 15 minutos, incluindo o seu potencial para fraturar cidades, aumentando as desigualdades existentes entre as áreas mais ricas e as mais pobres.

E Enright, em Oxfordshire, reconheceu que a população local tem preocupações legítimas sobre o plano de filtragem de tráfego rodoviário. E irão continuar a ser consultados, disse.

Mas esta bem-sucedida teoria da conspiração, ao confundir as intenções das cidades de 15 minutos, tem implicações preocupantes a longo prazo para a ação climática, disse King.

Os governos, tanto locais como nacionais, poderão via a ter muitas dificuldades em implementar quaisquer políticas que digam respeito à crise climática, alertou. "Eles são os mais vulneráveis neste momento a esta enorme onda de hostilidade e de mobilização pública."

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