Por que motivo é o “rei do chocolate” italiano tão delicioso (e atenção que não se vende o ano inteiro)

CNN , Silvia Marchetti
15 mai 2022, 23:00

Existe o chocolate e, depois, há o chocolate “Gianduiotto”. Tratando-se de um antecessor da Nutella, quando esta guloseima se derrete na boca, isso tem algo de tão raro, como de delicioso.

Tratando-se do mais famoso chocolate artesanal italiano, o “Gianduiotto” é originário da zona de Piemonte, Itália. Aqui, é considerado o "rei do chocolate italiano".

Feito de uma pasta rica de cacau fino, misturado com as avelãs de qualidade superior que crescem na região de Langhe, este chocolate é extremamente popular entre os moradores locais.

Algumas pessoas comem-no, ao pequeno-almoço, enquanto bebem um café, saboreiam-no e/ou depois de uma refeição, servido como um “snack” ou como aperitivo.

Por norma, este chocolate é embrulhado numa folha fininha de alumínio prateada, dourada ou colorida. Esta guloseima, em forma de lingote, é produzida, há séculos, por mestres chocolateiros.

O berço deste chocolate é a capital da região, Turim. Esta cidade é conhecida como a "capital do chocolate" da Itália, desde que os mestres chocolateiros começaram a fazer os seus doces artesanais para a Casa de Saboia. Esta é a dinastia real estabelecida na região de Savoy, Itália, na década de 1500.

Chocolate icónico

O chocolate “Gianduiotto” é feito de uma pasta de cacau, misturado com avelãs de qualidade superior
A.Giordano Torino

Acredita-se que o nome “Gianduiotto” tenha origem na figura carnavalesca Gianduja. Ele era um alegre camponês, amante do vinho, popular nos anos 1800. Encarnava, de igual maneira, a natureza epicuária dos habitantes locais. Primeiramente chamado de “givù” ou “stubs”, Gianduiotto tornou-se famoso quando o público teve o seu primeiro contacto com as guloseimas. Estas foram entregues durante as celebrações do carnaval de Turim, em 1865, por um ator vestido de Gianduja.

Segundo Guido Castagna, o famoso mestre chocolateiro, o chocolate “Gianduiotto” é muito mais do que somente um chocolate icónico. É um símbolo de Turim e é, de igual forma, uma grande parte da identidade da cidade.

"Pobre ‘Gianduiotto’. Ele nasceu como um substituto, de segunda categoria, do cacau", diz Castagna à CNN.

"Tinha uma origem humilde. No entanto, tornou-se parte da elite. É um produto considerado de nicho, da mais alta qualidade, uma vez que foi o primeiro, na história do chocolate, a ser embrulhado em papel de alumínio."

Inicialmente, o “Gianduiotto” nasceu por necessidade. Era uma maneira de superar a escassez de cacau na Europa continental.

Em 1806, quando Napoleão Bonaparte conquistou o norte da Itália e declarou guerra contra a Grã-Bretanha, ele baniu todos os produtos importados ingleses, incluindo os grãos de cacau.

Como consequência disso, os confeiteiros de Turim decidiram mudar para um produto que existisse mais perto da cidade. Foi então que mudaram para as avelãs que cresciam, em abundância, nas colinas circundantes.

Depois de misturá-las com açúcar e o pouco cacau de que ainda dispunham, eles foram capazes de criar uma pasta rica. Esta acabou por ser aperfeiçoada e transformada no “Gianduiotto”.

Um século mais tarde, Pietro Ferrero, um confeiteiro da zona de Piemonte, criou a Nutella com base naquela velha receita.

O melhor do mundo?

Castagna  diz: “Nos anos 1800, as avelãs eram muito acessíveis. Atualmente, as coisas são muito diferentes. Além de serem muito mais caras, as avelãs "tonda gentile", produzidas em Langhe, têm o estatuto de Indicação Geográfica Protegida. Esta é uma designação europeia destinada a proteger alimentos regionais.

"Elas são o ex-líbris de Piemonte, absolutamente as melhores do mundo", acrescenta, antes de explicar que as avelãs custam 16 euros/ quilo comparativamente com os 10 euros/ quilo que custa o cacau de alta qualidade.

Ricas em óleo aromático, misturam-se na perfeição e exaltam o sabor da manteiga de cacau, criando uma mistura macia, voluptuosa e cremosa.

"Agora, o “Gianduiotto” é um tipo específico de chocolate que se encontra ao lado do chocolate negro, branco e de leite", diz Castagna.

Os chocolates artesanais mais saborosos são aqueles cuja percentagem de avelãs se situa entre os 25% e 40%.

Castagna usa um procedimento mecânico sofisticado chamado "extrusão". Aqui, os bocadinhos da pasta de “gianduia” são espremidos, em forma de lingote, para uma bandeja.

Antigamente, fazer chocolate “gianduiotti” era uma espécie de ritual. O processo envolvia bater, repetidamente, na pasta de avelãs, de forma a dar-lhe consistência. De seguida, esta pasta era amassada como se fosse farinha para fazer uma “pizza”.

As mulheres, conhecidas como "gianduiere", sentavam-se, em pares, à volta de uma mesa, com a pasta “gianduia” no meio.

Então, elas mexiam na massa com duas espátulas longas, remexiam-na várias vezes e cortavam-na em bocados pequenos com uma faca de manteiga. Depois, punham esses pedaços numa bandeja, de maneira a solidificarem.

Frequentemente, as avós presenteavam os seus netos com pacotes de “gianduiotti” fresco e delicioso. Elas compravam estas guloseimas aos fabricantes de chocolate, geralmente logo após pararem na padaria.

Até a década de 1960, Turim dispunha de diversas lojas de chocolate artesanal. No entanto, à medida que os custos da mão-de-obra aumentavam e a produção em massa começava a acabar, estas lojas artesanais também começaram a desaparecer.

Habilidade aperfeiçoada

Fazer “Gianduiotto” à mão requer precisão minuciosa.
Ramella Alberto/AGF/Universal Images Group/Imagens Getty

Presentemente, só sobrou a loja A.Giordano. Apenas uma pequena quantidade de “gianduiere” permanece no histórico laboratório de chocolate, fundado em 1897.

 "Nós somos os únicos que ainda fazem “gianduiotti”. É muito caro empregar mão-de-obra tão qualificada", diz Laura Faletti, proprietária da loja A.Giordano, em Turim.

"É um trabalho que só as mulheres podem fazer, pois requer muita paixão, paciência e precisão. É um pouco como costurar. Pode ser bastante cansativo. É preciso girar o “gianduiere” alternadamente, caso contrário as pessoas ficam com cãibras nas mãos.”

Faletti diz: “Para criar “gianduiotti”, elas dispõem a mistura “gianduia” em folhas parecidas com as da lasanha. Depois, estas são trituradas e batidas numa bacia de granito, assim como as usadas no passado, até se obter uma pasta.”

Ambra Nobili, 32 anos, faz “gianduiotti” para a loja A. Giordano, desde que se formou numa confeitaria local.

"É um chocolate de prestígio. Eu sempre adorei", diz Nobili. "Fico muito feliz quando, depois de um dia de trabalho duro, corto e moldo 48 quilos de “gianduiotti” com outra “gianduiera”, e, finalmente, vejo como estão perfeitos e bonitos. Também fico feliz por ver que estou sempre a melhorar."

O segredo deste ofício, diz Nobili, está no movimento firme e rápido dos pulsos e das mãos, de maneira a colher a pasta antes que solidifique. Depois, deve alisar-se a pasta com espátulas e dar-lhe um corte final com uma faca de manteiga, de maneira a que esta obtenha a forma de um prisma.

"Se o corte não for perfeito, o “Gianduiotto” será muito alto ou muito baixo. Assim, não caberá no embrulho de alumínio dourado, que é feito de acordo com um tamanho específico", explica." Eu também embrulho, à mão, cada um dos chocolates.”

Altamente refinado

O mestre chocolateiro Guido Castagna criou uma versão altamente refinada do chocolate “Gianduiotto” chamado “Giuinott”.
Castagna

O chocolate “Gianduiotto” não se encontra disponível o ano todo. As lojas artesanais param a produção quando a primavera está a chegar, de forma a evitar que se vendam chocolates derretidos. Na verdade, esta é outra iguaria “gourmet” feita com a pasta de avelã “gianduia”.

Para quem prefere que o seu chocolate se assemelhe à Nutella, o chocolate “Gianduiotto” tem a sua própria versão. A "crema spalmabile di Gianduja" tem uma textura ligeiramente granulada, bem como um sabor maravilhoso quando barrada no pão.

Tal como o chocolate “Gianduiotto”, a “crema spalmabile di Gianduja” é feita, de igual maneira, de forma meticulosa.

Faletti diz: "A nossa pasta é o resultado final de 72 horas do processo de amassar e da mistura mecânica da mesma. Isto significa três dias inteiros, enquanto outros produtos de “gianduia” estão prontos em quatro horas. A nossa pasta é mais fresca e mais saudável.”

Enquanto a pasta de Faletti é feita com 40% de avelãs “gianduia”, a de Castagna contém 68%.

Castagna reinventou o “Gianduiotto” ao criar uma pasta altamente refinada chamada “Giuinott” - que significa "jovem rapaz" em dialeto local - com cacau venezuelano de qualidade superior e cana-de-açúcar, em vez de usar açúcar e 40% de avelãs.

Seis vezes vencedor da medalha de ouro no “International Chocolate Awards”, um concurso independente que reconhece a excelência, em termos de fabrico, de chocolate de qualidade superior, o chocolate “Giuinott” é apresentado num embrulho brilhante cor de cobre.

Frequentemente, Castagna faz degustações de vinhos, juntando o “Giuinott” com vermute de Piemonte e outras bebidas alcoólicas doces, tal como o “passito”. Castagna acredita que isto complementa a experiência da degustação do chocolate.

Outros mestres chocolateiros experimentaram, de igual maneira, novas misturas e tamanhos de “Gianduiotto”. Uma pessoa pode obter “Gianduiotti” com sabor de laranja, que pode pesar entre 250 gramas e 1,2 quilos. Contudo, as guloseimas que cabem no bolso ainda são as mais populares.

Davide Appendino, outro mestre chocolateiro de Turim, usa uma vasta gama de grãos biológicos de cacau para fazer “Gianduiotti” sem açúcar, de pistácio, de café, de chocolate branco e negro. Estes doces são vendidos em embalagens coloridas.

Este mestre chocolateiro produz, de igual forma, mini “gianduiotti”. Estas guloseimas são um pouco menores que as tradicionais.

Mas como dizem os italianos, "um chocolate pede outro". Quando se trata de chocolate “Gianduiotto”, é difícil resistir à tentação de comer tudo, não importa o seu tamanho.

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