A China tem o poder de tomar Taiwan, mas a um preço extremamente sangrento (análise)

CNN , Análise de Brad Lendon e Ivan Watson
4 jun 2022, 09:00
Xi Jinping e Vladimir Putin

Na sua primeira viagem à Ásia como Presidente dos Estados Unidos na semana passada, Joe Biden fez o seu mais forte aviso a Pequim de que Washington está empenhado em defender Militarmente Taiwan. em caso de um ataque da China. As declarações de Biden, que compararam um potencial ataque chinês a Taiwan com a invasão russa da Ucrânia, pareciam desviar-se da política de "ambiguidade estratégica" de Washington sobre o assunto e, aparentemente, suscitaram a possibilidade de um confronto militar entre as forças norte-americanas e chinesas.

É a terceira vez que Biden faz comentários semelhantes desde que assumiu o cargo e, tal como nas outras duas ocasiões, foram rapidamente afastados pela Casa Branca, que insiste que a sua política não mudou. No entanto, suscita inevitavelmente a questão: se a China tentar tomar Taiwan, os Estados Unidos e os seus aliados serão capazes de o impedir? E a resposta alarmante é: possivelmente não.

Analistas dizem que a China tem mais tropas, mais mísseis e mais navios do que Taiwan ou os seus possíveis aliados, como os EUA ou o Japão, podem levar para um combate. Isso significa que, se a China estiver absolutamente determinada a tomar a ilha, provavelmente pode fazê-lo. Mas há uma ressalva; apesar de a China poder provavelmente prevalecer, qualquer vitória teria um preço extremamente sangrento tanto para Pequim como para os seus adversários.

Muitos analistas dizem que uma invasão de Taiwan seria mais perigosa e complexa do que os desembarques do Dia D dos aliados em França na Segunda Guerra Mundial. Documentos do Governo dos EUA colocam o número de mortos, feridos e desaparecidos de ambos os lados durante a campanha de quase três meses da Normandia em quase meio milhão de tropas.

O que precisa de saber sobre as tensões China-Taiwan

E a carnificina de civis poderia ser muito, muito pior. A população de Taiwan de 24 milhões de pessoas está alojada em áreas urbanas muito densas, como a capital Taipé, com uma média de 9575 pessoas por quilómetro quadrado. Compare-se isso com Mariupol, na Ucrânia, devastada na guerra com a Rússia e com uma média de 2690 pessoas por quilómetro quadrado. 

Residentes veem um ecrã de televisão com notícias sobre a Ucrânia num centro comercial em Hangzhou, na província de Zhejiang, na zona oeste da China

Apesar da sua vantagem numérica nas forças marítimas, aéreas e terrestres da região, a China tem calcanhares de Aquiles em cada arena de guerra que obrigariam Pequim a pensar muito sobre se uma invasão valeria o custo humano esmagador. Eis alguns cenários de como uma invasão chinesa poderia acontecer. 

A guerra naval

A China tem a maior marinha do mundo, com cerca de 360 navios de combate, maiores do que a frota dos EUA, que tem pouco menos de 300 navios.
Pequim também tem a frota de marinha mercante mais avançada do mundo, uma grande guarda costeira e, dizem os especialistas, uma milícia marítima, barcos de pesca não oficialmente alinhados com os militares, dando-lhe acesso a centenas de navios adicionais que poderiam ser usados para transportar as centenas de milhares de tropas de que os analistas dizem que a China precisaria para uma invasão anfíbia.  E essas tropas precisariam de grandes quantidades de mantimentos.

"Para Pequim ter perspetivas razoáveis de vitória, o EPL (Exército Popular de Libertação) teria de mover milhares de tanques, armas de artilharia, veículos blindados e lança-rockets com as tropas. Montanhas de equipamento e rios de combustível teriam de se cruzar com eles", escreveu Ian Easton, diretor sénior do Instituto Project 2049, na The Diplomat, no ano passado. 

Conseguir uma força desse tamanho ao longo dos 177 quilómetros do Estreito de Taiwan seria uma missão longa e perigosa durante a qual as embarcações que transportavam as tropas e o equipamento seriam alvos fáceis. "A ideia de a China invadir Taiwan é um massacre para a marinha chinesa", disse Phillips O'Brien, professor de estudos estratégicos na Universidade de St. Andrews, na Escócia. Isto porque Taiwan tem estado a abastecer-se de mísseis de superfície antinavio baratos e eficazes, semelhantes aos Neptune que a Ucrânia usou para afundar o cruzador russo Moskva no Mar Negro em abril.

"Taiwan está a produzir esses mísseis em massa. E são pequenos, a China não tem capacidade para eliminar todos", disse O'Brien. "O que é barato é um míssil de superfície antinavio, o que é caro é um navio."

Ainda assim, a China poderia, dada a sua vantagem numérica, simplesmente decidir que as perdas valeriam a pena, apontou Thomas Shugart, um antigo comandante de submarinos da Marinha dos EUA e agora analista no Center for a New American Security. "Haverá centenas, se não milhares de navios (chineses) lá para absorver esses mísseis (taiwaneses)", disse Shugart. Mísseis à parte, a China enfrentaria enormes obstáculos logísticos para desembarcar soldados suficientes.

A sabedoria militar convencional sustenta que uma força de ataque deve ser superior na ordem de 3 para 1. "Com uma potencial força de defesa de 450 000 taiwaneses atualmente... a China precisaria de mais de 1,2 milhões de soldados (de uma força ativa total de mais de 2 milhões) que teriam de ser transportados em muitos milhares de navios", escreveu Howard Ullman, antigo oficial da Marinha dos EUA e professor na Naval War College dos EUA, num ensaio de fevereiro para o Conselho Atlântico. Ele estimou que tal operação demoraria semanas e que, apesar da força marítima da China, esta "simplesmente não tem capacidade militar nem capacidade para lançar uma invasão anfíbia em larga escala de Taiwan num futuro previsível".

Assassinos de porta-aviões

Alguns dos problemas que a marinha chinesa enfrentaria em Taiwan também enfrentaria qualquer força naval norte-americana enviada para defender a ilha. A Marinha dos EUA vê os seus porta-aviões e navios de assalto anfíbios, cheios de aviões F-35 e F/A-18, como a sua lança no Pacífico, e teria uma vantagem numérica nesta área. Os EUA têm 11 porta-aviões no total, em comparação com os dois da China. No entanto, apenas cerca de metade está pronta para combate a qualquer momento e mesmo estes podem ser vulneráveis.

O'Brien e outros salientam que o Exército Popular de Libertação tem mais de 2000 mísseis convencionais armados, muitos dos quais desenvolveu tendo em mente os mais valiosos porta-aviões da Marinha dos EUA. De particular preocupação seria o DF-26 e o DF-21D da China, apontados pelo tabloide estatal Global Times de Pequim em 2020 como "assassinos de porta-aviões" e "os primeiros mísseis balísticos do mundo capazes de atingir navios grandes e médios".

Como diz O'Brien, "É melhor os EUA terem cuidado ao pensar, em qualquer tipo de ambiente de guerra, enviar grupos de combate de porta-aviões para perto da China... Quando se trava uma guerra estado-a-estado, é preciso estar longe da costa." 

Outros estão mais confiantes nos porta-aviões americanos. O contra-almirante Jeffery Anderson, comandante do Grupo de Ataque de Porta-aviões da Marinha dos EUA centrado no porta-aviões USS Abraham Lincoln, disse recentemente à CNN que os seus navios estão mais do que prontos para lidar com o tipo de mísseis que afundaram o Moskva. "Uma coisa que sei sobre os nossos navios é que são extremamente resistentes. Não só são letais, como são extremamente resistentes", disse.

A guerra aérea

É provável que a China procure a superioridade aérea no início de qualquer conflito, dizem os analistas, e pode sentir que tem vantagem nos céus.
A lista das forças aéreas mundiais da Flight Global de 2022 apresenta o EPL com quase 1600 aviões de combate, contra os menos de 300 de Taiwan. A lista apresenta os EUA com mais de 2700 aviões de combate, mas estes cobrem o mundo enquanto os da China estão todos na região.

Na guerra aérea, a China também terá aprendido com os fracassos da Rússia na Ucrânia, onde Moscovo demorou meses a reunir as suas forças terrestres, mas não conseguiu suavizar o terreno para eles com uma campanha de bombardeamentos, e é mais provável que emule os bombardeamentos "chocantes e assombrosos" que precederam as invasões dos EUA no Iraque.

"Tenho a certeza que o EPL está a aprender com o que está a observar", declarou Shugart. "Pode ler-se traduções de código aberto dos seus documentos estratégicos. Eles aprenderam escrupulosamente com o que fizemos na Tempestade do Deserto e no Krevosovo." Mas mesmo no ar, a China enfrentaria dificuldades significativas.

Dois J-20 chineses num festival aéreo 

O fracasso da Rússia em tomar rapidamente o controlo dos céus na Ucrânia inicialmente confundiu muitos analistas. Alguns reduziram o fracasso aos mísseis antiaéreos baratos que os militares ocidentais forneceram a Kiev. Taiwan tem acordos com os Estados Unidos para fornecimento de mísseis antiaéreos Stinger e baterias antiaéreas contra mísseis Patriot. E também tem vindo a investir fortemente nas suas próprias instalações de produção de mísseis nos últimos três anos num projeto que, quando concluído este verão, verá a sua capacidade de produção de mísseis triplicar, de acordo com um Relatório Janes em março.

Por outro lado, a China teria uma vantagem sobre os EUA devido à sua proximidade de Taiwan. Um recente jogo de guerra dirigido pelo Center for a New American Security concluiu que um conflito aéreo entre os EUA e a China acabaria provavelmente num impasse. Ao comentar o resultado à revista Da Força Aérea, o tenente-general S. Clinton Hinote, subchefe de gabinete da Força Aérea dos EUA para a estratégia, integração e requisitos, disse que apesar de os EUA estarem habituados a dominar os céus, alguns fatores não jogariam a seu favor.

A China "investiu em aviões e armas modernos para nos combater", observou, e as forças norte-americanas também enfrentariam a "tirania da distância", a maior parte do poder aéreo dos EUA usado no jogo de guerra seria operado a partir das Filipinas, a cerca de 800 quilómetros de distância.

O jogo de guerra simulou forças chinesas a iniciarem a sua campanha tentando eliminar as bases americanas mais próximas em locais como Guam e Japão.
Hinote comparou a mudança para o ataque do Japão a Pearl Harbor em dezembro de 1941, dizendo que a China seria motivada por "muitas das mesmas razões". "O ataque foi concebido para dar às forças chinesas o tempo necessário para invadirem e apresentarem ao mundo um facto consumado", disse à revista.

A China tem um arsenal crescente de mísseis balísticos de curto, médio e intermédio alcance que podem atingir estes alvos distantes. Em 2020, o EPL tinha pelo menos 425 lança-mísseis capazes de atingir essas bases norte-americanas, de acordo com o projeto China Power do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

A guerra terrestre

Mesmo num cenário em que a China estivesse disposta a correr esses riscos e conseguisse levar uma quantidade significativa de tropas para terra, as suas forças enfrentariam então outra batalha difícil. Taiwan tem cerca de 150 000 soldados e 2,5 milhões de reservistas, e toda a sua estratégia de defesa nacional baseia-se no combate a uma invasão chinesa.

Tal como os seus homólogos na Ucrânia, os taiwaneses teriam a vantagem de estarem no seu território, conhecendo o terreno e estando altamente motivados para defendê-lo. Primeiro, o EPL precisaria de encontrar um local de aterragem decente, idealmente perto do continente e de uma cidade estratégica como Taipé com instalações portuárias e aeroportuárias próximas. Os peritos identificaram apenas 14 praias que se enquadrariam nesse cenário e Taiwan sabe bem quais são. Os seus engenheiros passaram décadas a cavar túneis e bunkers para as proteger.

As tropas de Taiwan também estariam relativamente frescas em comparação com os seus homólogos chineses, que estariam cansados da viagem e ainda teriam de atravessar as planícies e montanhas ocidentais da ilha, tendo apenas estradas estreitas para os ajudar em direção a Taipé. As tropas chinesas podem ser largadas a partir do ar, mas a falta de para-quedistas no EPL torna esse cenário improvável.

Outro problema para as tropas chinesas seria a sua falta de experiência no campo de batalha. A última vez que o EPL esteve em combate ativo foi em 1979, quando a China travou uma breve guerra fronteiriça com o Vietname. Nesse esforço, a China "Saiu realmente beliscada, não foi uma operação muito bem-sucedida", disse Bonnie Glaser, diretora do programa asiático do German Marshall Fund dos Estados Unidos.

"Portanto, hoje, as forças armadas chinesas não têm experiência de combate, e podem sofrer grandes perdas, se atacarem Taiwan", disse Glaser.
Outros referiram que mesmo tropas experientes em combate poderiam deparar-se com uma força defensiva muito motivada, salientando que os militares russos ficaram atolados na Ucrânia, apesar da sua recente experiência de combate na Síria e na Geórgia.

Ainda assim, tal como acontece noutros cenários, não são apenas as forças chinesas que podem ser deficitárias por falta de experiência. As tropas de Taiwan também não foram testadas e, dependendo do cenário, há lacunas na experiência dos EUA. Como disse Shugart: "Não há um único oficial da marinha dos EUA que tenha afundado outro navio em combate". 

Quais as hipóteses de a China atacar? 

Glaser, analista do German Marshall Fund, acha improvável uma invasão chinesa de Taiwan. "Acho que o EPL não tem plena confiança de que pode tomar e controlar Taiwan. O próprio EPL fala de algumas das deficiências na sua capacidade", disse. "E, obviamente, a guerra na Ucrânia põe em evidência alguns dos desafios que a China pode enfrentar: é certamente muito mais difícil lançar uma guerra com 160 km de mar pelo meio do que pelas das fronteiras terrestres, como é o caso entre a Rússia e a Ucrânia".

A analista nota que a forte resistência ucraniana pode estar a dar ao povo de Taiwan razões para lutar pelo seu território. "Dada a forma como a Ucrânia demonstrou uma moral muito elevada e vontade de defender as suas liberdades ... Penso que é provável que isso mude o cálculo não só dos líderes militares na China, mas também de (líder chinês) Xi Jinping pessoalmente", disse.

O'Brien, professor da Universidade de St. Andrews, escreveu no The Spectator este ano que qualquer guerra contra Taiwan levaria a perdas devastadoras de todos os lados, algo que deve fazer os seus líderes avançarem cuidadosamente antes de comprometerem as tropas. "Se a guerra ucraniana nos ensina alguma coisa, é que a guerra é quase sempre uma escolha precipitada. Não subestimar o adversário, e não assumir que os nossos sistemas vão funcionar muito bem."

Há alguma outra opção?

Claro que o EPL tem outras opções para além de uma invasão total. Entre elas, a tomada de ilhas taiwanesas ou a imposição de uma quarentena na ilha principal, Robert Blackwill e Philip Zelikow escreveram no ano passado num relatório do Conselho de Relações Exteriores.

Possíveis alvos do EPL podem ser a Ilha Taiping, o posto avançado mais distante de Taiwan no Mar da China Meridional; a pequena Ilha Pratas, um pequeno posto avançado a 320 quilómetros a sudeste de Hong Kong; Ilhas Kinmen e Matsu, pequenos territórios a poucos quilómetros da costa da China continental; ou Penghu no Estreito de Taiwan. Embora uma vitória do EPL de qualquer um dos quatro esteja quase assegurada, pode ter como consequência o preço de galvanizar o apoio a Taiwan no resto do mundo, tal como a invasão russa da Ucrânia uniu o Ocidente contra os russos.  

Blackwill e Zelikow disseram que a opção de quarentena pode ser mais eficaz. "Num cenário de quarentena, o Governo chinês assumiria efetivamente o controlo das fronteiras aéreas e marítimas de Taiwan", escreveram. "O Governo chinês executaria efetivamente uma operação de controlo ao largo ou no ar rastreando navios e aeronaves que se aproximassem. Os rastreadores poderiam então assinalar ao longe o que consideravam tráfego inocente.

Qualquer coisa considerada beligerante, como ajuda militar dos EUA a Taiwan, poderia ser bloqueada ou confiscada como violação da soberania chinesa, dizem. Entretanto, a China poderia permitir que o Governo de Taiwan funcionasse normalmente, exceto nos negócios estrangeiros. Esta opção teria uma vantagem aos olhos da China: a bola estaria do lado dos EUA sobre se usaria a força para acabar com a quarentena. Então seriam os EUA a ponderar se arriscariam uma guerra que poderia custar inúmeras vidas.

 Rebecca Wright, da CNN, contribuiu para este artigo.

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