Jornal ligado ao Partido Comunista Chinês desvaloriza “incidente de Bucha”

6 abr 2022, 04:29
Xi Jinping e Vladimir Putin

Global Times pede investigação ao que classifica como "incidente", mas alerta que a "agitação da opinião pública internacional" serve o interesse dos EUA, que são o "iniciador da crise da Ucrânia"

O jornal Global Times, órgão de comunicação social em língua inglesa ligado ao Partido Comunista da China, publicou um editorial em que se refere ao massacre de civis ucranianos na cidade de Bucha como o “incidente de Bucha”. Para além de desgraduar, com a sua opção vocabular, a gravidade do massacre que tem indignado boa parte do mundo, o jornal insinua que este caso estará a ser usado pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela NATO para agravar o conflito militar na Ucrânia.

O editorial foi publicado às primeiras horas desta quarta-feira (hora de Pequim), ainda antes da reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas que teve o "incidente de Bucha" no centro das atenções. A forma como o editorial coloca a questão denota, logo à partida, o viés pró-russo do jornal do PC chinês: “A Ucrânia acusou as forças militares russas de matarem um grande número de civis durante a ocupação da cidade de Bucha, localizada nos subúrbios ocidentais de Kiev. A Rússia negou categoricamente e apresentou ao Conselho de Segurança da ONU provas empíricas da falsificação em vídeo e outras falsificações do lado ucraniano.”

A assimetria da narrativa é bastante evidente: a Ucrânia “acusou”; a Rússia apresentou provas empíricas da falsificação” - “provas empíricas” que o mundo continua a desconhecer.

Para além de aceitar a tese da suposta “falsificação” de provas pelo lado ucraniano, o editorialista do Global Times indicia a razão para essa suposta manipulação, que contaria com a colaboração dos media ocidentais: o caso “rapidamente agitou a opinião pública internacional e lançou uma sombra profunda sobre as negociações de paz Rússia-Ucrânia num momento crítico”. 

 

EUA, “o iniciador da crise da Ucrânia”

 

Ou seja, tal como o Kremlin tem alegado, as “falsas acusações” de Bucha teriam como objetivo sabotar as negociações de paz e relançar a guerra. Tudo de acordo com um plano dos EUA, que o jornal apresenta desde o início deste conflito como “o iniciador da crise da Ucrânia”.

“É lamentável que após a exposição do ‘incidente de Bucha’, os EUA, o iniciador da crise da Ucrânia, não tenha dado quaisquer sinais de exortar à paz e promover conversações, mas esteja pronto a exacerbar as tensões Rússia-Ucrânia e a criar obstáculos às conversações de paz entre as duas partes, aumentando as sanções contra a Rússia, fornecendo mais armas à Ucrânia, e pressionando continuamente a Rússia na diplomacia e na opinião pública. Em particular, Washington indicou que irá fornecer uma gama de sistemas de armas pesadas. O Pentágono descreveu o trabalho para satisfazer os principais pedidos de assistência de segurança da Ucrânia a um ‘ritmo sem precedentes’. Temos de dizer que é muito irresponsável alimentar as chamas neste momento”, lê-se no editorial.

Perante a indignação dos governos e das opiniões públicas de inúmeros países face às imagens dos massacres em Bucha e noutras cidades que estiveram sob ocupação russa, o Global Times questiona-se sobre que “ponto de viragem” o “incidente de Bucha” poderá representar.

“Muitos meios de comunicação ocidentais referem-se ao ‘incidente de Bucha’ como um ponto de viragem no conflito Rússia-Ucrânia, o que é um juízo ambíguo. Será uma viragem no sentido de uma maior deterioração da situação? É precisamente a isto que as pessoas amantes da paz no mundo precisam de estar muito atentas. Actualmente, o ‘incidente de Bucha’ parece estar a desviar-se do seu curso normal, e o ambiente da guerra da opinião pública e da guerra psicológica está a ficar mais forte. No entanto, qualquer tentativa de aproveitar a crise da Ucrânia para ocupar unilateralmente o ‘terreno moral mais elevado’ e empurrar continuamente os conflitos no sentido de extrair benefícios geoestratégicos é susceptível de desencadear uma tragédia humanitária maior no final”, defende o jornal, que normalmente escreve aquilo que as autoridades de Pequim pensam, mas não podem dizer. 

 

A guerra é assim

 

O texto defende “uma séria busca de responsabilidade e investigação” sobre o que se aconteceu, e afirma que “qualquer violência contra civis, sob qualquer pretexto, é absolutamente inaceitável e deve ser condenada e os seus autores devem ser responsabilizados”. 

Porém, o autor do editorial lembra que a guerra é assim, e acusa diversos países ocidentais de terem cometido, no passado, “inúmeros crimes ao matarem civis impunemente”. “A agitação e a guerra são sempre acompanhadas por tragédias tão angustiantes, que é uma das razões pelas quais nos opomos firmemente ao caos e à guerra, e insistimos na defesa da paz e na promoção de conversações. Embora a verdade ainda não tenha sido descoberta, é certo que a guerra é, em última análise, o culpado de todas as tragédias. Enquanto a Rússia e a Ucrânia não conseguirem alcançar um cessar-fogo, as tragédias humanitárias não terão fim.”

O editorial culmina com novos apelos à diplomacia e ao cessar-fogo, e apresenta a China como um dos promotores do diálogo entre as duas partes, apesar de Pequim não ter, até ao momento, desenvolvido qualquer iniciativa no sentido de sentar os representantes de Moscovo e Kiev à mesma mesa. Apelos nesse sentido têm sido feitos pela Ucrânia, pelos EUA e pela União Europeia. A China também ainda não condenou publicamente a invasão russa da Ucrânia. Pelo contrário, após o início do ataque russo, os chefes da diplomacia dos dois países reafirmaram a firmeza da parceria bilateral e a sua amizade “sem limites”.

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