Os espiões ingleses e americanos estão cada vez mais preocupados com a China. Saiba porquê

22 jul 2022, 05:22
Xi Jinping

Líder do MI6 britânico diz que a ameaça colocada pela China é maior que o risco do contra-terrorismo. E o diretor da CIA diz que Xi Jinping está “determinado” a invadir Taiwan

Os principais responsáveis pelos serviços secretos do Reino Unido e dos Estados Unidos não escondem que é cada vez maior a sua preocupação com a China. As ameaças colocadas por Pequim são cada vez maiores e mais prementes. E ninguém sabe exatamente que lições a liderança chinesa retirará da guerra russa na Ucrânia, o que aumenta a imprevisibilidade sobre o que fará no futuro o país mais poderoso da Ásia.

Por todas estas razões, a China tornou-se a preocupação nº 1 dos serviços secretos britânicos, conhecidos como MI6, mas cujo nome oficial é Secret Intelligence Service (SIS). Foi o diretor deste serviço, Richard Moore, quem o reconheceu, nesta quinta-feira: “Dedicamos mais esforços à China do que a qualquer outro assunto, o que reflete a seriedade que esta missão tem para nós”.

Moore falava numa rara aparição pública fora do Reino Unido, no Fórum de Segurança de Aspen, no Colorado. E não hesitou em comprar a ameaça global colocada pela emergência da China enquanto superpotência económica e militar com outras ameaças bem conhecidas dos cidadãos ocidentais - a “principal ameaça” às sociedades livres e democráticas, disse Moore, é a China, ultrapassando mesmo o contra-terrorismo.

Superpotência económica e militar

A China ultrapassou o Japão e tornou-se a segunda maior economia do mundo em 2010, e desde então tem feito acompanhar esse estatuto de uma atitude cada vez mais afirmativa do ponto de vista diplomático, e intimidatória do ponto de vista militar. É o país que mais tem aumentado o investimento na sua capacidade militar, sendo atualmente o segundo país do mundo que mais gasta com a sua defesa, a seguir aos Estados Unidos. Há 28 anos consecutivos que a China aumenta de forma significativa, de ano para ano, o seu orçamento de defesa, e nem mesmo a travagem económica provocada pela Covid abrandou esse esforço - em 2021, as despesas militares da China cresceram quase 5%.

As pretensões territoriais da China nas águas do Pacífico, desde o Mar do Sul da China ao Mar da China Oriental, e a sua tentativa de estabelecer uma presença mesmo no Pacífico Sul, através do recente acordo de segurança com as Ilhas Salomão, têm perturbado as relações com muitos dos países da região, do Japão à Austrália, das Filipinas ao Vietname, passando pela Indonésia e a Malásia. Isto, nas disputas marítimas.

Em terra, a situação não é muito mais pacífica - a China reivindica territórios de quase todos os vizinhos com os quais tem fronteiras terrestres: Índia, Butão, Nepal e Laos. Na maioria dos casos são disputas que se arrastam sem confrontos diretos, mas a cada vez maior assertividade da China é vista como uma ameaça mais presente, e há dois anos houve mesmo confronto armado direto com as tropas indianas na fronteira dos Himalaias.

Tudo isto tem provocado uma corrida ao armamento em toda a região do Indo-Pacífico, com países como Japão, Austrália, Coreia do Sul ou Austrália a decidirem aumentos significativos nos seus gastos com segurança e defesa.

Taiwan, perigo claro e presente

E há, claro, o elefante no meio da sala que é Taiwan, território que historicamente era da China, mas tem autogoverno desde 1949, após a guerra civil chinesa. O governo de Taipé começou por ser reconhecido como o legítimo governo chinês, de tal modo que era Taiwan quem ocupava o lugar da China na ONU, com o nome de República da China. Acabou por ser substituído pelas autoridades de Pequim e da recém criada República Popular da China, então liderada por Mao Tse Tung. Mas muitos países continuam a reconhecer Taiwan como território autónomo, e é incontestável que se trata de um território com governo e leis próprias, totalmente independente do que se passa na China continental. 

Uma situação que a China nunca aceitou, e que Xi Jinping já assumiu que quer reverter. A “reunificação” de Taiwan é um objetivo assumido pelo atual presidente chinês - de preferência de forma pacífica, mas se preciso por via militar. A China já o tentou no passado, sem sucesso, devido ao apoio dos EUA na defesa da autonomia de Taiwan. Voltará a tentar tomar Taiwan pela força no futuro?

William Burns, o diretor da CIA, os serviços de inteligência internacional dos EUA, tem a certeza de que isso irá acontecer, mais tarde ou mais cedo. A questão é “quando e como, não é ‘se’”, disse Burns esta quarta-feira, falando no mesmo fórum de Aspen, no Colorado.

Xi “determinado” a reconquistar Taiwan

O chefe máximo dos serviços de espionagem norte-americanos expressou a mesma preocupação com a China, e considera que, no caso de Taiwan, Xi está mesmo “determinado” a usar a força para recuperar a ilha rebelde. 

“Eu não subestimaria a determinação do Presidente Xi para garantir o controlo da China [sobre Taiwan]”, afirmou Burns, embora tenha admitido que a experiência de Vladimir Putin com a invasão da Ucrânia pode estar a obrigar Pequim a rever os seus planos e calendários.

Segundo Burns, as dificuldades das tropas de Moscovo, a feroz resistência dos ucranianos, e o apoio firme dos aliados ocidentais à Ucrânia estarão a mostrar aos chineses que “não se conseguem vitórias rápidas e decisivas” se a força militar não for muito superior - o que pode obrigar a China a um compasso de espera até garantir uma capacidade operacional esmagadora. Não apenas do ponto de vista dos números, mas também da sofisticação tecnológica do seu equipamento.

O diretor da CIA não acredita das especulações que apontam para uma eventual invasão da ilha no final do ano, depois do congresso do Partido Comunista Chinês em que Xi deverá receber um imprevisto terceiro mandato de cinco anos. Mas será mesmo uma questão de tempo: “Parece-me que [os riscos] aumentam conforme avançarmos por esta década.”

 

É possível travar a invasão de Taiwan? Sim

A invasão de Taiwan será, então, inevitável? O chefe dos espiões britânicos acha que não. Segundo Richard Moore, será possível travar um conflito armado entre o Ocidente e a China por causa de Taiwan desde que as democracias liberais deixem bem claro quais serão as consequências desse passo. “É importante que o Presidente Xi, quando faz cálculos sobre o que poderá ou não fazer em relação a Taiwan, olhe para o que pode correr mal se ordenar uma invasão mal calculada.” Mais: “É importante que o lembremos desses riscos”.

Ou seja, para o diretor do MI6, é essencial que o Ocidente não deixe margem de dúvida sobre o seu empenhamento na defesa da democracia e da liberdade de Taiwan, para que Xi não cometa o mesmo erro de cálculo que Putin cometeu ao invadir a Ucrânia. O líder do Kremlin sonhou com uma operação militar rápida e fulminante, que controlasse Kiev em poucos dias, e envolveu-se numa guerra que já leva mais de quatro meses, com milhares de baixas do lado russo (para além das inúmeras vítimas do lado ucraniano), e com as democracias ocidentais unidades no apoio político e militar à Ucrânia.

Viagem de Pelosi faz disparar alarmes

Precisamente para sinalizar o empenhamento dos EUA na defesa da autonomia de Taiwan, diversos representantes norte-americanos têm passado pela ilha nos últimos meses, sobretudo congressistas e antigos governantes ou responsáveis da administração. Mas a notícia de que Nancy Pelosi poderá visitar Taipé no próximo mês, para reforçar o compromisso entre os dois aliados, fez disparar as campainhas de alarme em Pequim.

Enquanto líder da Câmara dos Representantes, Pelosi é a terceira figura do Estado nos EUA, após o presidente e a vice-presidente.

As notícias sobre a viagem - que não foi oficialmente anunciada - mereceram uma reação violenta da China, que prometeu “medidas enérgicas”, caso se confirme a viagem, que o governo de Xi Jinping diz que "comprometeria seriamente a soberania e a integridade territorial da China".

Joe Biden tentou pôr água na fervura, dizendo ontem que “os militares” - ou seja, o Pentágono - "acham que não é uma boa ideia neste momento”. Uma declaração que parece suficiente para travar a viagem, embora ainda não tenha havido desenvolvimentos do lado de Pelosi. 

Mesmo depois da intervenção de Biden, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês afirmou que uma visita de Pelosi a Taiwan irá “abalar as bases políticas das relações China-EUA”. “Se os Estados Unidos insistirem em ir pelo seu caminho, a China tomará medidas de força para responder de forma resoluta e os contrariar. E faremos o que estamos a dizer”, avisou Wang Wenbin.

Xi olha para a Ucrânia “como um falcão”

Poderá um cenário semelhante ocorrer em caso de uma ação militar contra Taiwan? Joe Biden, na sua recente viagem ao Japão, garantiu que sim: os EUA estão dispostos a defender militarmente Taiwan em caso de agressão chinesa. 

Mas Richard Moore acredita que o líder chinês não está a levar a sério essa predisposição. A China olha para o Ocidente em geral, e para os EUA em particular, e vê países em decadência, com as suas sociedades profundamente divididas, focadas apenas no seu bem estar material, e com líderes manietados pelos ciclos eleitorais. Talvez por isso, Xi, diz Moore, "subestima a determinação e o poder dos EUA”. Ora, “isso poderia levá-lo a calcular mal as questões de que temos vindo a falar nos últimos dias, particularmente em Taiwan", alerta o diretor do MI6.

Entretanto, segundo Moore, e de acordo com as informações recolhidas pela agência de espionagem britânica, Xi está a olhar aos acontecimentos na Ucrânia "como um falcão". Se vir o mesmo que o MI6 vê, o presidente chinês encontrará este cenário descrito por Moore: as forças armadas russas estão a "perder força" na Ucrânia, enfrentando escassez de homens e de material, o que poderá determinar uma "pausa operacional", que daria aos ucranianos uma oportunidade de contra-atacar e recuperar terreno perdido.

“Uma ameaça mais séria do que imaginam”

As declarações dos responsáveis máximos das agências de espionagem norte-americana e inglesa surgem na linha do que foi dito há poucos dias pelos seus homólogos dos serviços secretos internos dos dois países, o FBI e o MI5. Numa rara iniciativa conjunta, o americano Christopher Wray e o britânico Ken McCallum avisaram para os riscos que os empresários ocidentais enfrentam quando fazem negócios com empresas chinesas. 

“Quando lidam com uma companhia chinesa, saibam que também estão a lidar com o governo chinês”, alertou Wray, acrescentando: “O governo chinês representa uma ameaça mais séria para as empresas ocidentais do que imaginam até os homens de negócios mais sofisticados.”

Falando diretamente para os empresários britânicos, McCallum, diretor do MI5, que lida com ameaças à segurança interna do Reino Unido, afirmou: “Os riscos mais importantes de agressão por parte do Partido Comunista Chinês não são, digamos, um assunto meu. É vosso.”

Japão reforça grau de ameaça da China

Entretanto, o governo do Japão divulgou esta sexta-feira o Livro Branco da Defesa, que todos os anos sistematiza e sintetiza as ameaças externas à segurança nacional - e na versão deste ano, a China ganha ainda mais destaque como ameaça ao Japão.

A China, a Rússia e a Coreia do Norte são identificadas pelo governo nipónico como as principais ameaças externas, e a aliança entre Pequim e Moscovo, que se tem visto de forma dissimulada ao longo do conflito na Ucrânia, é o facto novo que levanta maiores preocupações.

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