Britânicos garantem: há um genocídio em Xinjiang

10 dez 2021, 06:22
Xinjiang

Mais de um milhão de prisões arbitrárias, abusos sexuais extremos, mulheres esterilizadas contra a sua vontade, bebés mortos à nascença - é o retrato do genocídio dos uigur na China, feito por um “tribunal” independente formado no Reino Unido

Sim, o que se passa na província chinesa de Xinjiang é um genocídio. A conclusão é de um painel independente formado no Reino Unido, juntando juristas, académicos e investigadores. O chamado Tribunal Uigur, criado em Londres e liderado por um reconhecido advogado de direitos humanos, ouviu testemunhos do que se passa na região autónoma uigur de Xinjiang, recolheu informação independente considerada credível, e considerou provado que estão em curso graves crimes contra a humanidade perpetrados com a anuência das autoridades centrais da China.

A extensão e a gravidade desses crimes, que aparentemente visam suprimir a etnia uigur, maioritariamente muçulmana, levou este painel independente a classificar a situação como “genocídio”.

Em causa estão centenas de milhar - muito provavelmente mais de um milhão - de vítimas, encarceradas de forma arbitrária, apenas por serem da etnia uigur, e sujeitas a níveis terríveis de violência em campos ditos de “reeducação”. Sir Geoffrey Nice, que presidiu aos trabalhos do “tribunal” e apresentou as suas conclusões, afirmou que “este vasto aparato de repressão estatal não poderia existir se não houvesse um plano autorizado ao nível mais alto”, ou seja, pela direção do Partido Comunista da China e do governo do país.

Após meses de audiências, o Tribunal Uigur considerou provadas ações do governo chinês para reduzir a população uigur em Xinjiang, por meio de esterilizações forçadas, abortos provocados, assassinato de recém-nascidos e retirada de crianças às suas famílias. 

O “tribunal” considerou provada a prática de abortos forçados, remoção do útero contra a vontade das mulheres, a morte de bebês imediatamente após o nascimento e a esterilização em massa por meio de dispositivos DIU colocados à revelia das mulheres, e só removíveis por meios cirúrgicos.

Estas práticas agressivas de controlo da natalidade tiveram consequências imediatas. “Nos 29 condados com populações de maioria indígena [uigur] para os quais temos dados de 2019 ou 2020, a taxa de natalidade caiu 58,5% em relação à média de base de 2011-15”, diz o relatório final, divulgado esta quinta-feira. “Nos condados com mais de 90% de indígenas [uigur], a taxa de natalidade caiu a um ritmo ainda maior, mostrando uma queda de 66,3% em 2019-20.”

Para além destas práticas, o objetivo de exterminar esta população e diluí-la na maioria han (a maior etnia da China) levou as autoridades a retirar centenas de milhares de crianças uigures às suas famílias, colocando-as em internatos han. 

O painel independente também considerou provado um esforço orquestrado para aumentar as populações de chineses han, o maior grupo étnico da China, na província de Xinjiang, bem como a emigração forçada de uigures, muitos para campos de trabalho escravo noutras regiões do país. 

Tudo somado, o painel independente considerou não haver dúvidas de que em Xinjiang está a acontecer aquilo que a Convenção de Genebra classifica como crime de genocídio, ou seja, a intenção de destruir totalmente ou parte de um grupo étnico, religioso ou cultural. 

Dedo apontado a Xi Jinping

Sir Geoffrey Nice, que se celebrizou quando apresentou a acusação de crimes de guerra no julgamento do ex-líder sérvio Slobodan Milosevic, aponta agora o dedo aos mais altos responsáveis do aparelho político chinês, incluindo o presidente Xi Jinping, o líder do Partido Comunista em Xinjiang, Chen Quanguo, e outros altos responsáveis do PCC e do governo da China. É deles “a principal responsabilidade pelos acontecimentos em Xinjiang”, afirmou o proeminente advogado de direitos humanos, e presidente deste “tribunal”.

As práticas de supressão de nascimentos são a peça essencial na acusação de genocídio, mas os crimes contra a humanidade ocorridos na província de maioria uigur vão muito além disso. 

Homens de etnia uigur trabalham em campos de "reeducação" na província de Xinjiang

“Centenas de milhares de uigures - com algumas estimativas bem superiores a um milhão - foram detidos pelas autoridades da República Popular da China sem qualquer razão, ou qualquer razão remotamente suficiente, e sujeitos a atos de crueldade, depravação e desumanidade sem escrúpulos", lê-se no relatório final do “tribunal” independente, que dá conta de até 50 pessoas detidas numa cela de 22 metros quadrados.

A violência sexual extrema foi outra arma usada contra os detidos uigures - há relatos de violações coletivas, penetração com barras de ferro e choques elétricos, e mulheres violadas por homens que pagaram para poder entrar na prisão com esse objetivo.

Foram ainda recolhidas provas de detidos com água fria até o pescoço, presos com pesadas correntes de metal e outros imobilizados por meses a fio. 

Muitos uigures acabaram por ser mortos na prisão, mas Geoffrey Nice ressalvou que não há evidências de um plano de assassinato em massa, considerando despropositadas as comparações com o Holocausto nazi.

Há, isso sim, evidências suficientes sobre o propósito de destruir uma etnia, uma cultura e uma religião que estavam fortemente enraizados na província de Xinjiang. As práticas religiosas muçulmanas foram proibidas, cemitérios e mesquitas foram destruídas. 

Os detidos, quando são libertados após a “redoutrinação”, são muitas vezes enviados para outras províncias, onde acabam como mão de obra escrava.

As autoridades chinesas têm constantemente negado a existência de crimes contra a humanidade e violações dos direitos humanos, considerando que o que se passa em Xinjiang é uma matéria de política interna, e alegando que têm apenas suprimido correntes “extremistas” que põem em causa a ordem e a prosperidade naquela região.

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