"Pensei que era mais um partido fascista e racista", mas afinal "também se pode ver em Salazar coisas boas". O que pensam os jovens do Chega (que têm medo de o assumir nas redes sociais)

Rafaela Laja , em Santarém
28 jan 2023, 17:27
V Convenção Nacional do Chega (Lusa)

Militantes há relativamente pouco tempo, afirmam serem abertos ao diálogo, mas admitem uma timidez - e até algum receio - em assumir publicamente: "Eu sou do Chega", sobretudo na faculdade ou nas redes sociais. Então, afinal, o que pensam os jovens do Chega?

Numa mesa à entrada do Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, em Santarém, um grupo de jovens recebe os militantes e faz as inscrições dos delegados que vão participar na V Convenção Nacional. É cedo, está frio, mas isso não os demove de se voluntariarem a um sábado de manhã. Entre eles está Bruna Carvalho, de 18 anos. Tornou-se militante do Chega há poucos meses por considerar que é "o único partido que pode trazer alguma mudança": "Sempre me vi mais como de direita e acho que o PSD está muito colado ao PS. Além disso, o meu padrinho é militante e comecei a ir mais a jantares e a ver o que o partido defendia e tinha uma ideia bastante errada".

"Pensei que era mais um partido fascista, racista e comecei a desconstruir aquilo que pensava", afirma a jovem, considerando que encara agora o Chega como "um partido que defende os portugueses, os trabalhadores e que se foca em alguns problemas que são preocupantes para as pessoas".

Já dentro do auditório, lamenta-se a pouca afluência das camadas mais jovens do partido: "Não vejo nesta sala a juventude que queria ver". O que o vice-presidente António Tânger queria ver, afinal, era a "a juventude do Chega, como eu e o João Galveia, ele no PPD e eu no CDS, a correr o país", relembrava, num apelo a que os militantes mais velhos apoiem os jovens - filhos, netos, elenca - "contra o bullying".

"Existe um pouco de receio por toda a visão que os outros partidos criam deste partido", afirma Bruna, enquanto recebe as inscrições dos delegados.

"E mesmo as outras pessoas", interrompe André Rebelo, de 27 anos, arregaçando a manga do casaco e mostrando a pulseira que usa diariamente, prosseguindo: "Eu ando com esta pulseira - que diz Deus, Pátria, Família, Trabalho - e diz aqui Chega - ah, o tal 'é fascista'". "A frase é de Homero, para começar - ele só acrescentou trabalho", justifica o estudante universitário. Ele é André Ventura, mas já lá vamos. "Mas reconhece que é um slogan de Salazar?", questionamos. "Sim, era um slogan de Salazar, que tenho as minhas dúvidas se era possível classificá-lo como fascista. Era claramente ditador, autoritário, e isso é obviamente indefensável em certos aspetos. Mas assim como há coisas boas em regimes autoritários e pessoas com as quais eu não concordo politicamente, também se pode ver em Salazar coisas boas", retorquiu.

A pulseira que André Rebelo mostrou à CNN Portugal em Santarém

André é militante do Chega há cerca de um ano, revelando que se inscreveu no partido "no dia das eleições legislativas". Os pais já eram militantes - "vínhamos todos do CDS", aponta, mas mesmo assim revela que estava "um pouco a medo" pelas mesmas razões de Bruna. "Fui conhecendo pessoas normais, com ideias normais, e a perceber no Chega uma alternativa à direita viável e equilibrada, com uma lista infindável de bandeiras - como a defesa da vida com pés e cabeça, que é muito importante para mim", conta, assumindo-se contra a liberalização do aborto, defendendo a prática apenas em casos de violação ou malformação do feto.

"Achei surpreendente porque, quando comecei a usar a pulseira, às tantas o pessoal da minha turma disse: 'Tens uma grande coragem em andar com isso, não tens medo?'", relata, acrescentado que respondeu: "Eu percebo, mas não: estamos aqui em engenharia, se fosse Ciência Política seria diferente". 

É o caso de Bruna, que estuda precisamente Ciência Política no ISCSP, que volta a entrar na conversa: "A minha universidade é mais de Direita, no entanto, vejo nos estudantes uma maioria de Esquerda, portanto não falo muito sobre aquilo que defendo para também não ser criticada. No entanto, quando começam a falar de touradas e noutros assuntos vou dando a minha opinião", afirma, revelando que, ao contrário do Chega, é contra a realização de corridas de toiros. 

"A política é como no futebol: as pessoas não respeitam as opiniões. É muito difícil darmos as nossas opiniões e serem respeitadas e não serem criticadas pelos outros. Tanto que nas redes sociais não faço publicações", afirma a jovem.

"Agora vejo também muito receio - e eu próprio acabo por ter - tanto nos Stories (do Instagram) ou no BeReal, eu não ponho explicitamente Chega - ou se ponho é nos Amigos Chegados, por exemplo", completa André.

"Eu compreendo a imagem que passa do Chega na sociedade em geral e o pé no travão que é para muita gente e tento que aprendam a dialogar", afirma André Rebelo.

"Na minha opinião não faz sentido absolutamente nenhum dizer que o Chega é extrema-direita", prossegue André, apesar de admitir haver "pessoas mais extremistas no partido": "Não me incomoda se elas não estiverem à frente e não é isso que vejo, vejo um equilíbrio". "Por enquanto estou aqui, mas não estou atado, a partir do momento em que deixar de me identificar, saio".

"Claro que se pode fazer as ligações que se quiser com a extrema-direita. Posso fazer ligações com a extrema-direita até com o PAN, inclusivamente. Eu lembro-me de ler sobre o III Reich e eles prezavam quase mais os direitos dos animais do que provavelmente os direitos das pessoas. "Eu lembro-me que o Hitler adorava os animais".

Porquê o Chega?

Nuno Santos também passou pela mesa, mas para se inscrever para fazer uma intervenção a apelar a que os jovens que emigraram regressem a Portugal. Aliás, à CNN Portugal, o chefe de cozinha de 28 anos afirma que esteve emigrado em França até há relativamente pouco tempo.

"O meu regresso a Portugal está muito relacionado com o Chega. Eu encontro no André Ventura a única voz capaz de mover o nosso país. Até então não acreditava na política e hoje estou aqui como delegado do Porto e tenho um enorme orgulho neste partido", declara.

A licenciar-se em Criminologia, Nuno aponta o combate à corrupção como uma bandeira essencial que pretende ver defendida, bem como o "sentido de patriotismo". Também por isso defende que a gestão da TAP deve ser fiscalizada: "Todos os contribuintes devem saber onde o nosso dinheiro está".

"Falta muito isto aos jovens - o interesse pela política. E a forma tão clara como André Ventura fala é a única forma de vermos hoje a política", afirma.

O jornal Público noticiou esta sexta-feira um novo estudo, baseado num inquérito realizado a cerca de três mil militantes do Chega, que ajuda a perceber como são e o que pensam os apoiantes deste partido populista. E, se por um lado são maioritariamente democratas e europeístas, por outro têm visões racistas e xenófobas: 73% estão convencidos de que “existem raças mais trabalhadoras”, 31% de que “existem raças menos inteligentes” e 63% consideram que “os imigrantes aumentam a taxa de criminalidade em Portugal”. 

"O termo raça é excessivo. Falei com um teólogo e é verdade: povos que habitem em climas mais quentes é normal - e isto é genético, está provado - que têm menos propensão a trabalhar. Usamos muito em Portugal o termo "os alentejanos" devido a isso mesmo. Não acredito que exista uma raça superior, estamos todos em pé de igualdade", afirma, acrescentando: "Não me revejo nesses 31% até porque nós não somos um partido racista, xenófobo".

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