opinião
Investigador universitário doutorado. Estuda a crise da democracia liberal, com foco nas guerras culturais, polarização e impactos nos direitos fundamentais

André Ventura foi a todas as "capelinhas"

3 nov, 14:54

A entrevista de André Ventura à CNN foi uma excelente montra não apenas do seu pensamento, mas, sobretudo, da sua estratégia de comunicação política. Comecemos por esta. André Ventura é um comunicador político nato, o que se convencionou chamar de “animal político”. Mas é, também, alguém que percebe a lógica comunicacional atual, que vai muito além do impacto televisivo imediato – as frases preparadas (soundbites) são um bem transacional valioso, as quais permitem alimentar as redes sociais e esse animal faminto de polarização e engagement que é o algoritmo.

Em segundo lugar, Ventura – tendo por manual o sucesso do populismo internacional (aqui independentemente da ideologia) – compreendeu que a política é mais um espetáculo do que substância, é mais uma performance do que um debate de ideias. Nesse sentido, vai atuando permanentemente para o seu eleitorado, explorando emoções além da racionalidade dos assuntos.

Sigamos, agora, para a substância da comunicação. André Ventura começou por definir o debate como uma “armadilha” e o moderador como ativista, recorrendo ao argumentário, por exemplo, do bolsonarismo, do “jornalixo”, ou seja, à ideia de que a comunicação social – onde paradoxalmente os partidos de direita nativista têm representação desproporcional – integra uma “cabala” do “sistema” para silenciar os eleitos pelo povo de bem para acabar com “a bandalheira” (no Brasil, a “baderna”).

Porém, à margem do recurso habitual da conspiração mediática, que alimenta a divisão social, André Ventura situou-se estrategicamente para além do radicalismo trumpista ou bolsonarista, sendo capaz de escapar a muitos dos lugares-comuns da direita radical em que outros membros do seu partido teriam caído. Assim, procurou situar-se como social-democrata e voltou a invocar Sá Carneiro como referência, numa releitura extensiva da social-democracia pensada pelo fundador do PSD; defendeu o direito de imigração e de asilo, em especial das mulheres que fogem de regimes opressores; situou a imigração como um direito, porém defendendo a importância de um Estado mais securitário, capaz de controlar os fluxos migratórios, quase caso a caso. E quando confrontado com a questão de outros imigrantes além dos indostânicos, afirmou que não toleraria ver Portugal ser uma “favela” brasileira.

Foi, assim, hábil em fazer uma espécie de caminho inverso face ao PSD: enquanto o PSD, através de figuras como Leitão Amaro, entre outras, tem procurado adotar a teoria da grande substituição para seduzir o eleitorado do Chega, André Ventura, sabendo ter o seu eleitorado conquistado, optou por seguir em direção ao eleitorado conservador da Aliança Democrática (AD), competindo, igualmente e direitamente, com Marques Mendes e Gouveia e Melo.

Em relação a Salazar, não podendo rejeitar todo o imaginário que tem profunda ressonância eleitoral, atenuou-o como recurso linguístico e metafórico, considerando-se democrata. Ou seja, articulou-se na linha entre o saudosismo salazarento e quem preferindo a democracia, a queria com um aroma ao “tempo da outra senhora”.

Foi, ainda, à “capelinha” dos funcionários públicos situados nos quadros mais baixos, nos polícias e profissionais de saúde, apelando às bases da nação.

Terminou, por fim, a intervenção com uma rábula ensaiada – abandonou o programa, mesmo a terminar, para ter o seu momento triunfal para o TikTok, como o homem que não teme o “sistema”. 

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