Há uma euforia em curso com os certificados de aforro. Por isso: atenção às regras (e como podem ou não mudar)

11 mai 2023, 18:07
Dinheiro (Pexels)

O Estado pode estar a pagar demasiado caro por algo que lhe podia ficar a um preço mais baixo. Portanto: do ponto de vista do Estado faz sentido ponderar a hipótese de mudar algumas regras? "Uma possível mudança ao montante máximo por titular é uma discussão que nunca vi e acho que pode existir"

A corrida aos Certificados de Aforro (CA) já obrigou o Estado a rever o teto máximo de endividamento através desta ferramenta. Por um lado, foi aumentado o limite máximo de endividamento através dos CA, enquanto o limite máximo relativo à emissão de Obrigações e Bilhetes do Tesouro foi reduzido.

Desde que a Euribor a 3 meses - a taxa à qual os CA estão indexados - começou a subir no final do ano passado que o interesse dos particulares tem “vindo a exceder amplamente as previsões”, justifica o despacho assinado por Fernando Medina. O stock de CA já atingiu no final do mês passado os 28,6 mil milhões de euros e desde março que estes títulos de dívida já estão a pagar a taxa máxima permitida de 3,5%, um valor superior ao que os bancos estão a oferecer pelos depósitos das famílias.

No entanto, os CA não são a única forma que o Estado tem de se financiar e, estando esta solução a ganhar peso, pode haver alterações à vista? Há quem defenda que tal não é impossível, mas que para isso o cenário económico teria de se alterar muito.

Faz sentido mexer nas regras dos CA?

Filipe Garcia, economista e presidente da IMF, empresa especializada em mercados financeiros, explica que o facto de ter sido captado um montante elevado em CA permite ao IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) não emitir outras formas de dívida. Para o economista, o que torna os CA atrativos é que as suas atuais regras fazem sentido para os aforradores pois incentivam a poupança e garantem melhores condições que as disponibilizadas atualmente pela banca.

Contudo, o economista admite que os CA podem pagar mais do que aquilo que o Estado pode financiar, estando assim o Estado a pagar demasiado caro por algo que podia ficar a um preço mais baixo. Ainda assim, Filipe Garcia esclarece que a filosofia dos CA é precisamente a de incentivar a poupança das famílias e de alocar uma parte da dívida pública para "termos nacionais", isto é, domesticamente, pelo que isto é desejável.

“As regras dos CA foram desde sempre remunerar um bocadinho acima da taxa de mercado”, continua o economista, pelo que “alterar isso significaria desincentivar a poupança”. Além disto, o presidente da IMF é da opinião que tal cenário iria beneficiar os bancos em detrimento dos aforradores, pois é sabido que os bancos têm perdido um montante importante de depósitos.

Ainda que Filipe Garcia considere contraproducente uma possível alteração à remuneração dos CA, não descarta uma possível mudança ao montante máximo por titular - “é uma discussão que nunca vi e acho que pode existir”.

Por outro lado também se pode falar de um cenário de melhoria das regras de acesso aos CA, mas este é um cenário que Filipe Garcia considera não fazer muito sentido. “A única coisa que podia melhorar as regras seria retirar o limite superior” (atualmente nas 250.000 unidades para a série E dos CA).

No entanto, uma possível melhoria da remuneração oferecida pelos CA não seria “materialmente importante”, considera Filipe Garcia, pois este defende que as taxas de juro Euribor dificilmente vão subir muito mais.

O Estado tem outras formas de se financiar?

Para Henrique Tomé, analista da XTB, nos mercados internacionais o Estado acaba por pagar mais. “Se nós olharmos para as dívidas a dois, ou até mesmo a dez anos, elas têm vindo a aumentar devido ao facto do BCE estar a aumentar as taxas de juro”, esclarece, pelo que o financiamento nestes mercados financeiros acaba por se tornar ainda mais caro.

O analista partilha que Portugal até é um caso um pouco particular, pois, “como nós temos uma qualidade de dívida relativamente baixa”, algo que pode mesmo ser considerado “um bocado grave”, o país acaba por ser penalizado quando vai procurar financiamento aos mercados internacionais. Neste sentido, o analista da XTB considera que, se a atual conjuntura se mantiver, não haverá motivos para esperar uma alteração às regras dos CA - só o admite se a conjuntura se alterar muito.

Mesmo que a corrida aos CA continue, Henrique Tomé considera que este tipo de dívida não vai substituir os outros tipos de dívida do IGCP, pois aí já entramos na parte da gestão do risco. Filipe Garcia explica que, apesar do Estado se endividar com prazos mais longos e outros mais curtos (e, por consequência, haver dívidas mais ‘caras’ que outras), isto não está errado.

“O mix de endividamento é precisamente isso, é misturar várias maturidades e misturar vários provedores desse financiamento. O país deve diversificar quem lhe empresta dinheiro”, explica Filipe Garcia.

Além disto, continua o economista, os CA são um instrumento que não está à disposição das empresas, só das famílias, ajudando-as a mitigar os efeitos da inflação. Como tal, se as famílias perderem esta “arma”, menos ferramentas têm para manter o poder de compra, já que os bancos não estão a adequar a sua oferta. “Há aqui também um certo mecanismo regulador de mercado neste instrumento. Não acho que se deve mexer numa coisa que está bem.”

Já Henrique Tomé relembra que a remuneração dos depósitos a prazo depende muito das taxas de juro do BCE. Apesar de o analista sublinhar que a banca portuguesa é a que menos paga neste aspeto, a expectativa é de que o BCE continue a aumentar as taxas de juro, o que levará os bancos a atualizar a remuneração dos seus depósitos a prazo.

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