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Economista e Professor Universitário

A descida da taxa de juro dos certificados de aforro? Protege os contribuintes, favorece a banca e prejudica os subscritores

4 jun 2023, 21:34

O que é que isto quer dizer?

Ao contrário do que é suposto por muitos portugueses, a subscrição de certificados de aforro não é equivalente à abertura de uma conta poupança num banco. Um certificado de aforro é um produto de investimento. Ainda assim, a garantia de recebimento do capital investido e do rendimento é dada pelo Estado. Por essa razão, o risco é próximo de nulo.

Ao subscrever certificados de aforro, o investidor está a aceitar financiar a atividade do Estado contra o recebimento de um determinado rendimento.

No caso da série “E” dos certificados de aforro, uma família portuguesa aceitava emprestar dinheiro ao Estado mediante uma rentabilidade variável, indexada à Euribor a três meses. No ato da subscrição a rentabilidade estipulada era igual à taxa Euribor a três meses acrescida de um prémio de 1%, não podendo exceder os 3,5%. Nesta fase, com as taxas Euribor a subir acentuadamente há cerca de um ano, a rentabilidade dos certificados de aforro estava fixada no patamar máximo.

Para o Estado português, a figura do certificado de aforro não é mais do que um instrumento de endividamento utilizado para financiar a sua atividade, tal como a “obrigação do tesouro”, que é comercializada nos mercados de dívida internacionais.

E como é que o Estado salda a sua dívida, decorra ela de certificados de aforro ou de obrigações do tesouro? Pode sempre endividar-se mais. Mas, em última linha, será sempre com receita fiscal. Com os impostos pagos por todos os portugueses.

Se a descida da rentabilidade máxima de 3,5% para 2,5% associada aos certificados de aforro favorece a banca? Sim, com certeza. Diminuindo o estímulo e a concorrência, serão levantados menos depósitos. Consequências: inevitavelmente, mais lucro para a banca, e também mais estabilidade (recorde-se as recentes falências nos EUA).

Mas a diminuição da taxa de juro máxima subjacente aos certificados de aforro também protege mais os contribuintes no seu todo, que terão assim uma dívida menor para pagar. É que o Estado português, ao dia de hoje, paga menos juros ao endividar-se através de obrigações do tesouro nos mercados internacionais de dívida do que através de certificados de aforro. Portanto, restava ao Estado harmonizar os juros dos certificados de aforro em função do custo suportado com os demais instrumentos de endividamento soberano disponíveis. De outro modo, seria uma irracionalidade financeira Portugal continuar a endividar-se através da emissão de certificados de aforro.

E agora? E quanto à remuneração das poupanças depositadas na banca? Até o Presidente da República reclamou um "esforçozinho" aos bancos. Também tem sido este um dos pedidos mais recorrentes de Christine Lagarde. E porquê, na perspetiva da presidente do BCE? Porque garantirá menos liquidez a circular na economia e menos pressão nos preços de bens e serviços. Isto ajudará a inflação a alcançar a meta obstinada dos 2%.

Nesta fase, é certo que os juros dos depósitos bancários estão muito baixos face às taxas de juro do BCE. E esta desarmonia contribui para que os bancos aumentem os seus lucros.

Agora, na verdade, esta é uma equação sem solução para Portugal. A economia portuguesa cresce pouco, muito pouco. Quanto ao desemprego, não restam dúvidas: está mesmo a querer ressuscitar. Ocorre o mesmo com a precariedade laboral. Outro dado preocupante é o desemprego jovem, que ronda os 20% em Portugal.

Estimular a poupança será sempre positivo. Mas, no atual quadro, um estímulo “excessivo” pode remeter o país para o famoso “paradoxo da poupança”. Em tempos de crise, o aumento muito acentuado da propensão para poupar conduz à redução da procura agregada. Este cenário resulta na diminuição do Produto Interno Bruto. É o fluxo circular da economia a ditar as regras. Mais poupança leva a menos procura, fazendo cair a produção. O desemprego acaba por aumentar e o rendimento das famílias por diminuir. Em última instância, a poupança encolherá em termos absolutos.

Estimular “excessivamente” a poupança e registar crescimento económico. Combater a inflação e criar emprego. O país parece querer tudo isto em tempo de crise. É impossível.

Possível é baixar globalmente a carga fiscal e sobre o trabalho em particular. É isso que deve ser feito, e sem mais tempo a perder.

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