A presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém foi exonerada a dias de completar um ano de mandato. A ministra da Cultura anunciou na sexta-feira que quer dar "uma nova orientação" à instituição e para isso nomeou Nuno Vassallo e Silva. Mas os trabalhadores têm outra versão da história: "Houve, pela primeira vez em muitos anos, uma clarificação da missão e estratégia", dizem. "Trabalhámos afincadamente para ter resultados e, de repente, esse trabalho é interrompido"
"Achávamos que estávamos a trabalhar bem, que finalmente estávamos no bom caminho". Por isso "foi um choque" receber, na sexta-feira, a notícia da exoneração de Francisca Carneiro Fernandes, presidente do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém (FCCB), menos de um ano depois de ter sido nomeada. "Trabalhámos afincadamente para ter resultados e, de repente, esse trabalho é interrompido. Sentimos que não vale a pena", desabafa à CNN Portugal, Tito Bouças, presidente da Comissão de Trabalhadores (CT).
"E porquê?", pergunta Tito Bouças. "Não entendemos. Que avaliação foi feita deste trabalho? O que é que estava a ser mal feito?" É por isso que os trabalhadores acreditam que a exoneração aconteceu por motivos políticos. "Não encontramos outros motivos", diz. "Só podem ser razões políticas. Porque não há outras razões. O Ministério da Cultura diz que quer seguir um novo rumo, mas que novo rumo? Não sabemos mais nada."
A notícia caiu como uma bomba no geralmente pacato meio cultural português. Francisca Carneiro Fernandes, que tinha sido designada para um mandato de três anos pelo anterior governo, mostrou-se "surpreendida com a decisão" da qual foi informada na sexta-feira à tarde. "Tenho pena, acho que estávamos a fazer um bom trabalho que lamento não conseguir continuar", disse à Lusa.
Num movimento pouco comum, a Comissão de Trabalhadores da FCCB emitiu nesse mesmo dia um comunicando lamentando a exoneração, elogiando o trabalho desenvolvido pela presidente e questionando os motivos da decisão. "As constantes mudanças nas administrações, por razões meramente políticas, são altamente prejudiciais para o funcionamento e estabilidade da instituição", dizem os trabalhadores.
Com Francisca Carneiro Fernandes "houve, pela primeira vez em muitos anos, uma clarificação da missão e estratégia da Fundação, no sentido de trabalhar para todos os públicos, democratizando o acesso à cultura e melhorando as condições de trabalho", lê-se no comunicado da CT. "Com a presidente, as equipas passaram a ser ouvidas, participando de forma expressiva na organização e desenvolvimento dos projetos". "Esta mudança abrupta [...], depois de o Gabinete da Ministra da Cultura, a 12 de novembro 2024, ter afirmado publicamente que não haveria mudanças na administração do CCB, revela um desconhecimento do trabalho desenvolvido em apenas um ano, e do crédito" que a CT depositou em Francisca Carneiro Fernandes.
"Sentimos que tínhamos que falar", justifica à CNN Portugal o presidente da CT. Ao longo dos anos, no CCB, "os problemas foram-se acumulando e não foi feita nenhuma correção séria que visasse a melhoria das condições de trabalho destas equipas". "Quando entra a dra. Francisca, as coisas mudam radicalmente. É uma pessoa ética e com um grande know-how. Ficou desde logo claro que queria desenvolver um trabalho conjunto, ouvir as equipas e o que todos pensamos. Isso é muito raro e deve ser valorizado. Muitos administradores dizem o mesmo mas ficam-se pelas palavras. Ela não, ela ouve as pessoas e fala diretamente com elas, manteve um diáogo aberto com a comissão de trabalhadores e, assim, foi possível chegar a acordo sobre a gestão do tempo de trabalho e a organização do trabalho, acordar melhores condições de trabalho para todos. E isso trouxe um ânimo novo às equipas."
Em maio de 2024, recorda o comunicado da CT, "a estreia do Festival FeLiCidade, um projeto conseguido num curto espaço de tempo, foi a prova inicial do desempenho destas equipas motivadas e confiantes neste novo ciclo cultural que se anunciava. Houve reuniões com as equipas e um raro planeamento sério e rigoroso que resultou num festival feliz, pluridisciplinar, inclusivo".
"Foi um ano muito difícil, a equipa do museu tinha acabado de ser integrada, teve de haver uma adaptação, integrar diferentes maneiras de trabalhar, havia vários desafios", diz Tito Bouças. Foram 12 meses a trabalhar permanentemente, a trabalhar muitas horas, a acrescentar valor. Mas as pessoas estavam motivadas", explica, sublinhando ainda o papel da diretora artística, Aida Tavares. "Foi a primeira vez que tivemos uma direção artística e isso fez toda a diferença na organização, na aproximação das equipas. O know how que ela trouxe foi muito importante. Ela responsabilizou as equipas, as pessoas sentiram-se valorizadas", afirma. "São as equipas que fazem as instituições, não são as paredes." Segundo Tito Bouças, uma das equipas onde havia mais problemas era a da área performativa e Aida Tavares teve um papel essencial na resolução na procura de uma solução para as "falhas sistémicas várias vezes reportadas à anterior administração", como se lê no comunicado.
Essas mesmas perguntas são colocadas por uma petição em forma de carta aberta dirigida ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, que entretanto foi colocada online e que tem já mais de 1.500 assinaturas, entre as quais as de Aida Tavares, diretora artística para as artes performativas do CCB, e Nuria Enguita, diretora artística do MAC/CCB - Museu de Arte Contemporânea. Os peticionários querem perceber os motivos da substituição e que avaliação foi feita do trabalho desenvolvido pela administração no último ano.
Demitida a dias de completar um ano - e de poder receber indemnização
Contactado pela CNN Portugal, o Ministério da Cultura não comenta a posição da CT e remete todas as explicações para o comunicado em que anuncia o nome do historiador de arte Nuno Vassallo e Silva para presidente da administração da Fundação CCB e no qual a ministra Dalila Rodrigues justifica a mudança com a "necessidade de imprimir nova orientação à gestão da Fundação Centro Cultural de Belém, para garantir que a fundação assegura um serviço de âmbito nacional, participando num novo ciclo da vida cultural portuguesa".
A CT, na carta divulgada, recorda etapas do mandato de quase um ano de Francisca Carneiro Fernandes, sublinhando a existência de "um raro planeamento sério e rigoroso" das atividades, a otimização de recursos e a correção de falhas na execução de procedimentos públicos, nomeadamente nas áreas administrativas e financeiras, e o modo como "contribuiu para uma reestruturação fundamental e urgente através de uma gestão eficaz e integrada das equipas".
Antes de assumir a presidência do CCB, em 1 de dezembro de 2023, Francisca Carneiro Fernandes presidiu a Performart, foi diretora executiva de Novos Projetos da empresa municipal do Porto Ágora e esteve à frente do Teatro Nacional São João, no Porto.
O estatuto do gestor público prevê a "demissão por mera conveniência", por decisão da tutela. De acordo com este estatuto, o gestor público apenas "tem direito a uma indemnização desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções". Francisca Carneiro Fernandes foi exonerada dois dias antes desse prazo.
Outras mudanças na Cultura
Assim que chegou ao Ministério da Cultura, Dalila Rodrigues anunciou que iria proceder a uma "revisão profunda" da gestão de museus e monumentos que tinha sido implementada pelo seu antecessor, Pedro Adão e Silva. Assim, Pedro Sobrado foi afastado da Museus e Monumentos de Portugal, menos de um ano de ter tomado posse, e foi substituído pelo ex-diretor do Museu do Azulejo, Alexandre Nobre Pais. À frente do Património Cultural ficou João Soalheiro.
Entrentanto, Joaquim Caetano, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, anunciou a decisão de não se recandidatar ao cargo, por não concordar com as diretrizes do MInistério e considerar que não tem meios suficientes para trabalhar. E, de acordo com o Público, preparam-se mudanças também na Direção-Geral das Artes.