O secretário-geral do PCP junta-se à campanha eleitoral depois de recuperado de uma intervenção cirúrgica, para impedir uma maioria da direita, chamar António Costa à realidade e mostrar a disponibilidade da CDU para uma convergência à esquerda
Maria de Fátima segura a neta de um ano num braço e no outro um molho de cravos vermelhos, que ergue ao alto enquanto grita pela CDU. Está ali porque quer dar os cravos ao “camarada Jerónimo” e desejar-lhe as melhoras mas, ao perceber que o secretário-geral do PCP só se irá juntar à arruada mais lá abaixo, distribui os cravos pelos camaradas na frente do desfile. Onde é que já vimos isto? Qual Celeste Caeiro que no dia 25 de abril distribuiu os cravos pelos militares nas ruas de Lisboa, Maria de Fátima, lojista de 60 anos, fura por entre a multidão na rua 1º de Maio, na Baixa da Banheira, e entrega os cravos à comitiva do PCP, que logo os coloca à lapela: “Sei que eles vão chegar ao seu destino”, diz, satisfeita. É comunista desde que se lembra, desde pequenina quando, “tinha a idade da neta, no tempo do fascismo”, percebeu logo o que queria para a sua vida e quais as batalhas a travar. Agora, com as mãos livres, já pode erguer o punho e continuar a gritar pela CDU enquanto vê o desfile descer a rua.
Na frente da arruada, de vistosas camisolas amarelas, vão os dez músicos da Charanga Huga. Sopros e percussão que chamam a multidão com os seus êxitos populares, vem toda a gente à janela para ouvir o “Cheira a Lisboa”. “Somos um grupo que faz parte da banda musical do Rosário, concelho da Moita”, explica José Fernando Castro, desempregado de 55 anos. “Juntámo-nos para fazer animação de festas.” E animam. Hoje estão aqui com o PCP, amanhã têm encontro marcado na arruada do PS. “Nós não temos partido, vamos aonde nos pagarem. Não andámos a aprender música para vir passear os instrumentos ao frio.”
Siga a marcha que Jerónimo de Sousa já os espera, uns metros mais à frente, no cruzamento, com a rua 26 de janeiro. Rodeado por uma multidão, assim que sai do carro, o secretário-geral procura o seu lugar na frente da arruada, naquela que é a sua primeira ação de campanha, depois do afastamento forçado pela intervenção cirúrgica do passado dia 13. Não grita nem esbraceja, está mais magro e ainda não recuperou totalmente a energia, isso é visível. Mas quis estar presente nesta fase final da campanha: “Aqui estou, convosco, de novo e sempre”, garantirá no seu discurso. E, aos jornalistas, admite: “Estes dias não foram fáceis e não foi só por causa da intervenção cirúrgica. O mais difícil foi ver uma campanha a decorrer e estar longe. A maior dificuldade foi estar ali, no hospital, com o mundo a pulsar por aí afora”. Estar doente e afastado também lhe permitiu ter uma perspetiva diferente: “Percebi que na vida tudo é relativo, tudo é precário”, diz. Percebeu que a vida não se resume a batalhas eleitorais. “Aprendi a gostar mais da vida”.
Jerónimo junta-se à campanha para impedir maioria da direita
“A CDU avança com toda a confiança” pela rua 1º de maio e para, no sítio onde para sempre, entre a Retrosaria Italiana e a Pak Phone House, com o microfone instalado em frente à esplanada do Café Avigdor. Depois de João Figueiredo, da concelhia da Moita, e de Paula Santos, cabeça de lista da CDU em Setúbal, Jerónimo de Sousa tira finalmente a máscara para fazer a sua voz ouvir-se pela primeira vez nesta campanha, dirigindo-se a todos os “camaradas e amigos” e começando por agradecer “as palavras de apoio” que lhe chegaram neste período” e que o sensibilizaram, a nível pessoal mas também por “representarem o reconhecimento daquilo que coletivamente” o partido significa. O agradecimento seguinte foi para os camaradas que, na sua ausência, “tomaram a responsabilidade” de fazer prosseguir a campanha da CDU.
Jerónimo volta, “pronto” a dar a sua contribuição e com “redobrada confiança”, nesta “fase derradeira da campanha” para dizer que “é imperioso convocar todas as energias e todas as disponibilidades” para evitar uma maioria da direita. “Há quem use todos os truques e artimanhas para fazer crer que tudo se resume a PS e PSD, que nada mais conta. Mas conta!”, diz, recordando que todos os partidos contam para “as maiorias que se fazem na Assembleia da República”.
António Costa e Rui Rio “querem condenar o país ao jogo da alternância, sem alternativa, que PS e PSD, juntos ou à vez, têm jogado nestas últimas décadas”, acusa Jerónimo de Sousa. “Foi com esse objetivo que engendraram estas eleições. Veja-se como Rio e Costa falam. Rio a oferecer-se para dar uma mão ao PS e Costa a mostrar disponibilidade para negociar o orçamento com o PSD.”
É por tudo isto que Jerónimo diz aos eleitores que “estas eleições são muito importantes para o país”: “Cada deputado a mais na CDU é um deputado a menos na direita”, diz, deixando bem claro o objetivo do partido para as eleições do próximo domingo. “Não é uma afirmação de comício, é uma afirmação de compromisso que a CDU tem com todos os trabalhadores”.
A CDU está disponível para a convergência mas “não em função de cálculos eleitorais”
No entanto, quanto questionado pelos jornalistas, o líder da CDU sublinha que está disponível mas não está disposto a tudo para garantir entendimentos à esquerda. “António Costa caiu um pouco na realidade. Queria uma maioria absoluta para ficar de mãos livres, mas percebeu que esse objetivo estava longínquo”, comenta. “Cabe-nos agora a nós mostrar a inutilidade desse objetivo [a maioria absoluta]”.
Quanto à CDU, a sua posição mantém-se inalterável, diz: “A convergência não é um bem nem um mal em si mesma, mas permite encontrar soluções que a cada um pareçam mais adequadas”, explica. “Nós somos promotores dessa convergência, mas convergência em torno de coisas concretas, na procura de soluções para os problemas da população, não em torno de declarações mais ou menos etéreas. O PCP está sempre disponível para tudo o que é melhorias para o país”, mas não para fazer “convergências sem conteúdos”, “não em função de cálculos eleitorais”.
Do balcão do café Diamond, enquanto tiras cafés e compõe meias-de-leite, Rita ouve o discurso de Jerónimo de Sousa. “Já há muitos anos que o ouço, que ele fala sempre nesta rua. Já os outros nunca os vi. Andam aí os outros dos partidos, e até deram lápis e canetas, mas não foram os líderes. Só o Jerónimo é que vem à Baixa da Banheira.” Mas tem pena que ele não tenha falado dos problemas que a afligem: das rendas “caríssimas” das casas, do posto médico que nunca mais está pronto, dos preços que não param de aumentar. A campanha segue o seu rumo. Logo à tarde, Jerónimo de Sousa estará em Évora. Foi-se embora a banda, já não há bandeiras a esvoaçar e Rita lava o chão do café. “Eles passam, a gente está sempre aqui.”