Da falta de protagonista à indefinição ideológica: como vai sobreviver o CDS sem representação parlamentar?

2 fev 2022, 22:00
Francisco Rodrigues dos Santos

Depois da derrota de domingo, alguns históricos garantem que o partido morreu. No entanto, Nuno Melo já assumiu que quer ser o próximo líder. A CNN Portugal foi ouvir especialistas para perceber se mesmo sem deputados o CDS tem possibilidades políticas de sobreviver e voltar a reerguer-se ou se vai acabar diluído entre PSD, Chega e Iniciativa Liberal

Foi o pior resultado da história do CDS. Figuras históricas do partido como António Pires de Lima e Diogo Feio chegaram mesmo a dizer que o CDS “morreu” e que, sem viabilidade “deve procurar a sua extinção”. Mas como pode o CDS reerguer-se sem assento parlamentar?

Questionados pela CNN Portugal, os politólogos são unânimes ao apontar que, embora a sobrevivência do CDS não seja certa, a estrutura do partido tem características que podem jogar a seu favor no momento da sua reconstrução. O seu grande trunfo? A implementação autárquica.

“Não é certo que o CDS sobreviva. No entanto, o partido tem uma sólida implementação autárquica. Em muitos casos em coligação, mas há um conjunto de militantes que estão em dezenas de autarquias e que ocupam várias posições. E isso, do ponto de vista operacional, pode dar uma base de sobrevivência”, explica André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Os centristas lideram seis câmaras municipais, todas elas conquistadas nas eleições autárquicas de 2021 com maioria absoluta. As autarquias chefiadas pelos democratas cristãos são as de Ponte de Lima, Vale de Cambra, Oliveira do Hospital, Albergaria-a-Velha, Velas, nos Açores e Santana, na Madeira. Além disso, o partido de Francisco Rodrigues dos Santos apoiou as candidaturas vencedoras dos maiores pólos urbanos, com Rui Moreira, no Porto, e Carlos Moedas, em Lisboa.

A consolidação destas do trabalho nestas autarquias deve mesmo ser a prioridade dos centristas, referem os especialistas  Segundo a politóloga Paula Espírito Santo, o partido tem de se “adaptar rapidamente às novas circunstâncias” e “não chorar pelo leite derramado”. “O grande desafio é encontrar um líder dentro do CDS, que não só consolide o trabalho autárquico, como também projete o partido para os próximos quatro anos. Devem trabalhar em várias frentes, mas a prioridade é o trabalho autárquico”, sublinha a professora universitária.

O facto de ser um dos partidos fundadores da Democracia também poderá ajudar a uma reanimação do partido, uma vez que os especialistas acreditam que a marca do CDS “ainda é forte”. “Hoje vale menos do que já valeu, mas acredito que ainda tenha algum valor. Conjugando a implementação autárquica e o facto de a marca ser fundadora da Democracia pode levar a alguma reanimação”, destaca Azevedo Alves.

O vazio de liderança

Para que tenha hipóteses de reerguer, os politólogos consideram ser essencial o CDS encontrar um líder “com credibilidade”, que consiga congregar os militantes e evite “deixar um espaço vazio”, criado pela liderança de Francisco Rodrigues dos Santos.

“O CDS-PP precisa de um protagonista. A meu ver, Francisco Rodrigues dos Santos falhou, como Assunção Cristas já tinha falhado, apesar de Rodrigues do Santos ter falhado de uma forma ainda mais clamorosa. Esse novo protagonista precisa de ter credibilidade junto do eleitorado”, explica Azevedo Alves.

Nuno Melo, eurodeputado do CDS, anunciou a sua candidatura após aquilo que considerou ser uma noite eleitoral “trágica”. Numa publicação feita nas suas redes sociais,  afirma que o seu partido “está ferido, mas não de morte”, e deixa uma garantia: no que depender de si, o “CDS não acaba aqui”.

(In)definição ideológica

Independentemente do líder escolhido pelos centristas, um dos principais desafios apontados pelos analistas é a necessidade de o partido criar uma “oferta política substancialmente diferente” capaz de persuadir uma “fatia significativa do eleitorado de direita” a votar no partido, numa altura em que nunca houve tanta oferta política à direita.

“O CDS tem de encontrar uma razão para existir, num contexto em que existe Iniciativa Liberal e Chega. Têm de dizer o que oferecem de substancialmente diferente que possa persuadir uma fatia significativa do eleitorado à direita para votar no CDS”, diz o o politólogo.

Essa era uma questão que não se colocava quando à direita só existia o PSD, nessa altura, os centristas eram “apenas” o partido “à direita dos sociais-democratas”. “Têm de se diferenciar de um partido liberal e de um partido direita radical populista. Não é uma receita fácil. Não é impossível, mas não é fácil”, alerta.

Nas últimas eleições legislativas, o CDS ficou em sétimo lugar, conseguindo apenas 1,51% das preferências dos eleitores, o que corresponde a apenas 86.578 mil votos, uma queda abrupta em relação às legislativas de 2019, quando os centristas, então liderados por Assunção Cristas ficaram em 5.º lugar, com 4,22% dos votos, elegendo cinco deputados, com 221.774 votos.

O Chega, de André Ventura, e a Iniciativa Liberal, de João Cotrim de Figueiredo, que ficaram em terceiro e quarto lugar, respetivamente, retiraram militantes ao CDS-PP. Diogo Pacheco de Amorim, agora eleito como deputado pelo Chega, é o caso de um militante do CDS que abandonou o partido para apoiar uma solução mais populista. Adolfo Mesquita Nunes foi um exemplo de militantes do CDS que saíram em apoio à Iniciativa Liberal nestas eleições legislativas, apesar de não se ter filiado ao partido.

Por isso, os analistas insistem ao CDS resta apostar numa “matriz diferenciadora”, que não se sobreponha “nem à Iniciativa Liberal, nem ao Chega”, de forma a recuperar parte do eleitorado que perdeu. André Azevedo Alves frisa ainda que esse futuro líder não vai conseguir captar eleitorado da abstenção: “Não faz sentido estarmos a pensar que, num contexto em que temos PSD, Iniciativa Liberal e Chega, o CDS vai recuperar eleitores à abstenção”.

Outro dado que pode representar alguma esperança para as futuras lideranças do CDS é o facto de ter tido uma votação superior a alguns partidos que acabaram por ter representação eleitoral, como é o caso do Livre e do PAN, refere Paula Espírito Santo.

“O CDS não conseguiu eleger deputados, mas em termos do número de votos é superior ao Livre e ao PAN. No fundo os votos ficaram dispersos. São votos desperdiçados, na medida em que não conseguiram o efeito de criar representação parlamentar, mas este eleitorado poderá ser o princípio do trabalho que tem de ser feito”, afirma Paula Espírito Santo.

A estrutura do partido deve “trabalhar com as bases locais do partido” para perceber onde se encontram estes eleitores e de que forma podem aumentar este eleitorado.

E se o CDS morrer?

Caso os democratas cristãos não consigam recuperar já nas próximas eleições, então os danos  podem ser “irreparáveis”. E o partido terá de seguir o caminho proposto pelo antigo líder parlamentar Diogo Feio e “ponderar a sua extinção”, considera André Azevedo Alves. Mas para onde migram os eleitores do partido, que se mantiveram fiéis aos princípios fundadores, até nos momentos mais difíceis?

Para o politólogo, é provável que esses eleitores “migrem” para o PSD, uma vez que “aqueles mais marcados ideologicamente” já abandonaram o partido, juntando-se à Iniciativa Liberal e ao Chega. E explica:“Aqueles ideologicamente mais marcados, seja os conservadores que foram para o Chega, seja os mais liberais que foram para a IL, uma boa parte já migrou ou, pelo menos, já saiu do CDS e mostrou a sua inclinação. Eu esperaria que a migração futura, com o fim do CDS, tivesse como destino o PSD”, 

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