Cavaco atribui mais coragem política a Medina do que a Costa e depois escreve isto: "A retórica e a mentira não produzem riqueza”

CNN Portugal , com Lusa
11 abr 2022, 09:18
Cavaco Silva

Para o ex-chefe de Estado, a economia portuguesa precisa "de um poder político liberto de preconceitos ideológicos" de forma a poder crescer

O ex-presidente da República Cavaco Silva diz que o primeiro-ministro tem “um grau de coragem política muito baixo”, com exceção da área do mercado de trabalho, em que “revelou resistência às pressões da extrema-esquerda quanto à legislação laboral”.

Num artigo de opinião publicado no jornal Público, Cavaco Silva escreve que traça este perfil político de António Costa com base na análise da atuação do primeiro-ministro nos seis anos de chefe do Governo, “em que sobressaiu a aversão a políticas de cariz estrutural”.

Elege as áreas da administração pública, sistema fiscal, justiça e mercado de trabalho como as principais em que o Governo tem poder para tomar medidas com forte impacto positivo no crescimento da economia e diz que o perfil dos ministros por elas responsáveis “é ainda desconhecido”, à exceção do ministro das Finanças, Fernando Medina, a quem reconhece “um grau médio de coragem política” - ou seja, acima do grau "baixo" que atribui a Costa

Cavaco Silva defende que no programa do Governo apresentado à Assembleia da República, que considera "o único indicador objetivo sobre a política futura disponível", “não se detetam sinais de um ímpeto reformista nas áreas em questão, com a exceção da Administração Pública”.

No entanto, insiste, “o facto de o Governo dispor de apoio maioritário no Parlamento faz com que a atuação do primeiro-ministro no passado e o próprio conteúdo do programa sejam indicadores da avaliação do grau de coragem política de relevância limitada”.

Governo pode adotar "perfil mais favorável ao crescimento económico"

“Com efeito, na prática, o Governo, confrontado com o empobrecimento relativo do país, pode ir além das medidas constantes do programa aprovado pelo Parlamento e o primeiro-ministro pode adotar um perfil mais favorável ao crescimento económico”, acrescenta.

Diz que as medidas necessárias para colocar a economia portuguesa a crescer a uma taxa superior ao grupo dos países concorrentes da Europa comunitária “exige um poder político liberto de preconceitos ideológicos, com visão de futuro, preparado para enfrentar os obstáculos das forças defensoras do ‘statu quo’ e determinado a realizar reformas estruturais profundas, sem medo de impopularidade no curto prazo”.

“Sem isso, continuaremos a ser um país de salários mínimos, de emigração dos jovens mais qualificados com ambição de subir na vida, uma classe média empobrecida, pensões de reforma que não permitem uma vida digna, elevado risco de pobreza e exclusão social e serviços públicos de baixa qualidade”, escreve, sublinhando: “Será assim, independentemente das promessas e ilusões criadas pelos governos e partidos políticos”.

“A retórica e a mentira não produzem riqueza”, insiste.

No artigo, Cavaco Silva escreve que o objetivo deve ser o de, dentro de 10 anos, “trazer Portugal de volta à 15.ª posição entre os 27 países da UE, em termos de rendimento per capita, em que se encontrava em 2002” e que “um nível de exportações de bens e serviços de 60% do PIB deve ser assumido como objetivo a alcançar até 2030”.

No mercado de trabalho, defende que é preciso “resistir às pressões para reversões da legislação vigente no sentido da sua rigidez, valorizar a concertação social e reforçar as políticas ativas de qualificação digital dos trabalhadores, em particular das pequenas empresas”.

As quatro áreas em que é necessário um um "choque reformista"

A administração pública, o sistema fiscal, a justiça e mercado de trabalho são, para Cavaco Silva, as quatro áreas prioritárias em que é necessário um “choque reformista”. Começando pela administração pública, "está em causa a sua independência em relação aos partidos políticos, a simplificação administrativa e a redução da burocracia, a descentralização para os níveis municipais e intermunicipais, a transparência, a celeridade na aprovação de projetos, a qualificação e capacitação digital dos servidores do Estado, o contributo para a redução da despesa pública corrente primária, o pagamento a horas das aquisições de bens e serviços ao sector privado", escreve o ex-presidente da República.

Em relação ao sistema fiscal, "está em causa a simplificação, a equidade, a transparência e a redução da carga fiscal, substituindo a autêntica manta de retalhos de impostos em vigor." "Para o nosso nível de desenvolvimento e poder de compra, Portugal tem, indiscutivelmente, uma das cargas fiscais mais altas da UE, mais inequitativa e de maior ineficiência económica", acrescenta.

Na Justiça, Cavaco Silva diz estar em causa "a reforma do funcionamento dos tribunais, a digitalização dos serviços, a simplificação dos processos e a reorganização e modernização da administração judiciária", pelo que, defende, "importa fazer de Portugal um país dotado de um sistema de justiça eficiente, previsível e credível, em que os problemas dos cidadãos sejam resolvidos em tempo útil".

Já no mercado de trabalho, o ex-presidente da República salienta a necessidade de "resistir às pressões para reversões da legislação vigente no sentido da sua rigidez, de valorizar a concertação social e reforçar as políticas ativas de qualificação digital dos trabalhadores, em particular das pequenas empresas".

“A redução da carga burocrática e dos impostos sobre as empresas, a eficiência da justiça económica e fiscal e a flexibilidade da legislação laboral têm uma influência significativa sobre o dinamismo do investimento produtivo e inovador nos setores abertos à concorrência externa e sobre as exportações de elevado valor acrescentado”, variáveis que considera “decisivas para a modernização do sistema produtivo e para a aceleração do crescimento da economia”.

O ex-presidente da República defende ainda que a regionalização – “que alguns políticos insistem em levar a cabo apesar da pesada derrota no referendo de 1998” – “traria uma nova burocracia e mais despesa pública”.

“Como escreveu António Barreto, em 22 de janeiro: ‘A regionalização é, em Portugal, nos tempos atuais, o maior embuste político que se possa imaginar’”, escreve Cavaco Silva, acrescentando: “precisamos de menos Estado e mais sociedade civil, melhor Estado e uma sociedade civil livre, democrática e dinâmica”.

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