Com a reabertura da catedral ao público prevista para este domingo, 8 de dezembro, a causa do incêndio catastrófico que devastou o monumento a 15 de abril de 2019 continua, até hoje, um mistério, embora os investigadores acreditem que tenha sido acidental
Respeitosamente escondida atrás de tapumes, arame farpado e andaimes, a “Nossa Senhora de Paris” tem estado em reconstrução.
Cinco anos depois das chamas que devastaram a catedral e prenderam a atenção do mundo, Notre Dame está finalmente de volta.
"É um verdadeiro milagre. Mesmo para nós, que estamos frequentemente na catedral, nunca deixa de impressionar – fica mais bonita a cada dia", afirmou, em novembro, Philippe Jost, responsável pelo esforço de reconstrução da Notre Dame.
"Há um efeito semelhante ao da Capela Sistina", disse sobre o regresso a este marco histórico, com algo novo para ver e descobrir a cada olhar.
Com a reabertura da catedral ao público prevista para este domingo, 8 de dezembro, a causa do incêndio catastrófico que devastou o monumento a 15 de abril de 2019 continua, até hoje, um mistério, embora os investigadores acreditem que tenha sido acidental.
Independentemente disso, os números por detrás dos esforços de reconstrução são impressionantes. Restaurar o icónico monumento histórico ao seu estado original teve um custo aproximado de 700 milhões de euros, segundo o Rebuilding Notre Dame de Paris, o organismo público liderado por Philippe Jost e responsável pelos trabalhos. No total, foram angariados 846 milhões de euros em donativos de 340.000 doadores de 150 países, com os fundos adicionais a serem usados na restauração de outros monumentos.
Para além disso, há os materiais utilizados na sua reconstrução: o carvalho mais alto abatido tinha 27 metros de altura, foram substituídos 1.300 metros cúbicos de pedra, limpos e afinados 8000 tubos de órgão (pertencentes ao maior instrumento de França) e cortados 1500 bancos de carvalho maciço - todo este trabalho foi realizado por 2.000 artesãos dedicados.
O resultado do seu trabalho é ainda mais impressionante.
Da escuridão à luz
Alguns passos abaixo das estátuas em cascata da magnífica fachada da catedral, a escuridão dá lugar à luz.
As colunas despidas da catedral erguem-se até ao teto; as paredes, despojadas de séculos de pó e sujidade, parecem novas em folha.
O custo do incêndio não foi apenas financeiro - a cuidadosa limpeza e a restauração roubaram parte da atmosfera mística e sombria que os visitantes recordarão. Mas os responsáveis esperam que isso garanta a saúde do edifício nos séculos vindouros.
O presidente francês, Emmanuel Macron, estabeleceu, há cinco anos, um objetivo ambicioso para a reconstrução e, com a sua visita a 29 de novembro, regressou para agradecer às centenas de pessoas que combateram as chamas e ajudaram nas obras de restauração.
Durante grande parte dos 2.055 dias anteriores, o local foi um verdadeiro centro de trabalho, com equipas a limpar mosaicos de mármore, a retocar frescos e a escalar a imensa colmeia de andaimes que preenchia o centro do monumento.
Equipas da CNN visitaram Notre Dame várias vezes desde o incêndio, mesmo quando os trabalhos continuavam durante as restrições impostas pela covid-19 em França.
Para o operador de câmara da CNN Mark Esplin, houve uma mudança mais marcante. Recorda como ainda havia um "enorme buraco no teto" quando lhe foi concedida autorização para visitar o local em 2019, acrescentando: "Podia-se ver até ao céu."
Como muitos em 2019, uma equipa da CNN assistiu horrorizada, a poucos metros de distância, enquanto a cúpula da catedral era consumida pelas chamas antes de desabar. Ao fim da tarde, ouviram centenas de pessoas reunidas à volta do monumento erguerem as suas vozes em cântico.
“Recordo-me do cheiro... O Mark e eu chegámos tão perto que o meu casaco ficou com o cheiro do fumo durante dias”, lembra a produtora Saskya Vandoorne.
Hoje, a base octogonal da cúpula de 96 metros - quase idêntica à concebida no século XIX pelo arquiteto Eugène Viollet-le-Duc – preenche o vazio no teto. Vista por muitos como um símbolo de força e dedicação aos esforços de reconstrução, a cúpula de madeira livrou-se finalmente dos andaimes e voltou a integrar a linha do horizonte de Paris no início do ano passado.
Ouvir os sinos tocarem no mês passado, pela primeira vez desde o incêndio, foi outro marco importante.
Os oito sinos restaurados do campanário da catedral, parcialmente destruídos no incêndio, tocaram no início de novembro como parte de um teste técnico antes do fim de semana de reabertura de Notre Dame - este sábado para as elites mundiais e outros convidados, domingo para o público.
Também em novembro, alguns parisienses aclamaram como "milagroso" o regresso da estátua da Virgem Maria, quase em tamanho real, à Notre Dame. Considerada o coração simbólico da catedral, foi, de certa forma, poupada no incêndio.
O seu regresso no mês passado - durante uma procissão noturna que contou com a presença de centenas de pessoas - foi mais um sinal da profunda emoção que esta recuperação despertou no coração de tantos em França.
Para o Monseigneur Patrick Chauvet, que era reitor de Notre Dame de Paris na altura do incêndio, as memórias ainda permanecem frescas.
“Foi uma visão apocalíptica, a catedral estava virada do avesso”, contou sobre o seu primeiro olhar para o interior de Notre Dame após o incêndio.
“Ainda não recuperei totalmente; está gravado nas profundezas do meu ser.”
Uma obra de paixão
Na noite do incêndio, com o ar ainda impregnado de fumo, Macron fez uma promessa solene.
"Vamos reconstruir Notre Dame. Porque é isso que os franceses esperam e porque é o que a nossa história merece", prometeu em frente às ruínas da catedral.
Foi então que estabeleceu o audacioso prazo de cinco anos para a sua reconstrução, o que, para muitos, parecia uma tarefa impossível.
Poucos, para além dos diretamente envolvidos, foram autorizados a ver como os trabalhadores especializados e os artesãos replicaram as técnicas e materiais da construção original da catedral.
Mas, para aqueles que estão prestes a visitar Notre Dame, esta vitória improvável é ainda melhor quando se olha para cima.
O teto é uma treliça de cerca de 1200 troncos de carvalho - a “floresta”, como lhe chamam os trabalhadores - abatidos numa antiga floresta real, tal como as vigas que sustentavam o telhado original.
Colhidos no oeste de França e transformados em estruturas imponentes no nordeste do país, os carvalhos do novo teto de Notre Dame foram levados para Paris ao longo do rio Sena.
No topo está a cúpula, agora com uma fénix dourada no seu cume, substituindo simbolicamente o galo que foi encontrado entre os escombros do incêndio.
Surpreendentemente, a maioria das vigas originais da catedral datava de antes de 1226, sendo a mais antiga proveniente de uma árvore abatida em 1156.
Ainda hoje, o país possui a maior reserva mundial de carvalhos maduros, o que constitui uma vantagem única para os esforços de reconstrução. Três dos carvalhos utilizados no restauro tinham 230 anos, segundo o Serviço Nacional de Florestas de França.
Os carpinteiros, com o "savoir-faire" necessário para moldar as árvores em estruturas de estilo medieval, foram recrutados em França e no resto do mundo, uma estratégia semelhante à adotada para todas as competências altamente específicas exigidas para o restauro: pedreiros, metalúrgicos, construtores de órgãos e outros especialistas.
Estes artesãos, trabalhando em colaboração com empresas de maior dimensão, conseguiram reaproveitar práticas de construção antigas em grande escala, em vez de recorrer a técnicas de construção modernas, mais rápidas e mais económicas.
Para o homem responsável por supervisionar a reconstrução da catedral, a utilização desses métodos tradicionais era fundamental. "É a autenticidade, é o cuidado de respeitar o monumento", disse Jost à CNN. "Usámos os mesmos materiais, carvalho e pedra, e as mesmas técnicas."
Um tesouro a redescobrir
Despojada dos seus ornamentos habituais - os bancos, os livros de cânticos e as velas do culto quotidiano, os turistas da nossa época e os peregrinos dos séculos passados - a preciosa catedral de Paris nunca mais foi a mesma.
Mas, apesar do indigno processo de restauração - o ruído, as lonas de plástico e as barras de metal - a grandeza de Notre Dame é inegável.
Talvez os elementos mais reconhecíveis de Notre Dame sejam os seus famosos vitrais – verdadeiras obras-primas da arte gótica francesa – e, em particular, as três rosáceas situadas nas fachadas norte, sul e oeste.
Embora os vitrais tenham, extraordinariamente, sobrevivido ao incêndio, foi necessário um restauro meticuloso para reparar os danos causados pelo fumo e pelo chumbo, bem como uma limpeza exaustiva após décadas de exposição às intempéries e ao desgaste.
Anos de sujidade foram removidos, restaurando as cores vibrantes, de modo que, uma vez mais, os vermelhos intensos e os azuis lápis-lazúli inundem o interior da catedral quando a luz do dia atravessa as janelas.
Nos dias, meses e anos que virão, a Notre Dame – considerada um dos maiores exemplos da arquitetura gótica francesa – voltará a ocupar o seu lugar no panteão cultural de Paris.
Muitos estarão ansiosos pela sua primeira visita a este marco recém-restaurado. E as cores vibrantes dos famosos vitrais serão, certamente, a prova de que a Notre Dame – marcada e ferida, mas renovada – continua viva.