O homem escolhido por Luís Montenegro para liderar a equipa que no terreno lidou com os fogos foi nos últimos dias elogiado pelos autarcas por ter sempre o telemóvel ligado e criticado nas redes sociais por ter dito que a mulher lhe tinha feito a mala. Quem o conhece conta como é o ministro que em tempos chegou a ter a ideia de substituir o "Ministério Público por uma espécie de agentes infiltrados"
Da mala feita pela mulher à admissão que não sabia se havia militares no terreno, Manuel Castro Almeida tem sido a cara do Governo no combate aos incêndios que devastaram o país nos últimos dias. Pelo meio, recebeu um elogio da autarca socialista de Arouca, zona que se debatia com um dos graves fogos, por ter sempre o telemóvel ligado. O ministro da Coesão Territorial foi para o norte do país na terça-feira, dia em que a situação dos fogos se agravou, onde ficou a liderar a equipa governamental que esteve em contacto com os autarcas.
Mal chegou a Aveiro, Castro Almeida protagonizou um episódio que não tardou a agitar as redes sociais. "Tomara que seja pouco. Tomara que seja pouco. A minha mulher preparou-me a mala para três dias”, disse quando os jornalistas lhe perguntaram quanto tempo iria ficar. Se uns lançaram de imediato críticas de machismo outros desvalorizaram perante o que diziam ser uma catástrofe nacional.
Desde esse momento, o governante tem estado no terreno com autarcas, tem sido o mensageiro do Executivo para passar algumas informações e promessas às empresas e populações, como a de que haverá rigor nos apoios para a habitação e para o emprego, e tem-se desdobrado em declarações e entrevistas. Tem sido o mais mediático membro do Executivo nesta crise de incêndios, aparecendo mais do que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, que apenas falou ao país dias depois do início da tragédia. A ação de Castro Almeida valeu-lhe já elogios públicos. “Na primeira noite senti falta nomeadamente de quem lidera estas matérias, a ministra tinha o telemóvel desligado e não tínhamos a quem recorrer. Devo dizer que foi o ministro da Coesão quem eu contactei também na primeira hora para pedir ajuda e devo reconhecer que o ministro foi quem teve sempre o telemóvel ligado para me atender”, afirmou na quinta-feira, 19 de setembro, Margarida Belém, presidente da Câmara Municipal de Arouca, onde as chamas chegaram a algumas aldeias e destruíram parte dos Passadiços do Paiva. Também o presidente da Câmara de Aveiro, o social-democrata Ribau Esteves, decidiu esta sexta-feira, comparar a atuação de Blasco e de Castro Almeida. "Enquanto em 2017, no Governo de António Costa, quem liderou a comunicação foi a MAI, o Governo de Luís Montenegro escolheu uma estratégia diferente. A ministra da Administração Interna não apareceu. A primeira diligência que tive foi com o ministro da Coesão Territorial", observou.
"É um fazedor"
"Manuel castro Almeida foi autarca durante muitos anos e por isso é um político que gosta de estar próximo das populações", nota à CNN Portugal Luís Marques Mendes, um dos amigos mais próximos do atual ministro da Coesão Territorial. Os dois tiraram juntos o curso de Direito na Universidade de Coimbra de 1975 a 1980. Foram ambos mais tarde para a política, tendo escolhido o mesmo partido. Castro Almeida foi eleito, pela primeira vez, presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira em 2002, tendo sido reeleito mais duas vezes. A sua liderança na autarquia durou 11 anos e pelo meio chegou a derrotar, nas autárquicas de 2009, o secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos.
Antes, Castro Almeida, hoje com 66 anos. já tinha passado por outros cargos políticos. Estreou-se como deputado na Assembleia da República em 1991, onde coordenou os deputados do PSD em comissões parlamentares de Economia, Finanças, Educação, Cultura e Obras Públicas, Transportes e Comunicações, e chegou a ser vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, de onde saiu, aliás, para ocupar o cargo na Câmara de São João da Madeira. Dentro do partido tem desempenhado vários cargos, como o de secretário-geral adjunto e vice-presidente do PSD, sob a liderança de Rui Rio.
Foi também várias vezes escolhido para integrar Executivos social-democratas. E os ministros que tutelaram as secretarias de Estado que assumiu garantem que Castro Almeida é um "fazedor". Com Cavaco Silva esteve, entre 1993 e 1995, como secretário de Estado da Educação e do Desporto.
Manuela Ferreira Leite era nessa altura a Ministra da Educação. "É um indivíduo muito sério, trabalhador e de poucos discursos - gosta mais de fazer", detalha a antiga governante à CNN Portugal, lembrando um episódio particular. "Na época mais complicada em que implementámos a obrigatoriedade do 12.º ano, havia a necessidade de criar mais salas de aula. Castro Almeida conseguiu esta adaptação nas escolas em menos de um ano." Há ainda outro momento que ficou na memória da antiga ministra por, diz, traduzir a forma como o atual ministro trabalha. Dizia respeito à área do desporto, que também tutelavam. "Para reduzirmos os custos das instalações desportivas que tinham de ser construídas, Castro Almeida teve a ideia de apresentar às escolas apenas três opções. Até então, eram as escolas que propunham os seus próprios projetos, chegando alguns a ser caros. Isso, não só acelerou o processo, como ficou mais barato."
Além de se cruzarem no Ministério, os dois acabaram por se encontrar nos cargos partidários. "Não só foi meu secretário de Estado no Governo, como meu vice-presidente do partido", recorda Ferreira Leite, notando que durante esse tempo percebeu que o homem que hoje assumiu no terreno a liderança da crise dos incêndios "tinha grandes ideias e consegui executá-las bem".
Depois de ter estado no Governo de Cavaco Silva, Castro Almeida voltou às funções governativas em 2011 como secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, no executivo de Pedro Passos Coelho. "Fiquei impressionado com as suas qualidades. Se houvesse alguma questão a resolver, nunca era um problema, pois sabia sempre o que fazer", afirma Miguel Poiares Maduro, então ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional.
"Ele tinha uma grande vontade de combater a corrupção e houve uma altura que me perguntou porque não substituíamos o Ministério Público por uma espécie de agentes infiltrados", conta à CNN Portugal o antigo governante, acrescentando: "Percebemos imediatamente que não seria possível, ainda que nessa altura tenhamos criado a primeira ação preventiva de acompanhamento dos fundos, que teve início em 2020."
"Não é um político tradicional"
A gestão de fundos que hoje Castro Almeida tem sob a sua tutela como ministro da Coesão, tendo entre mãos o Plano de Recuperação e Resiliência, é, garante quem o conhece, uma das suas melhores competências. "É muito competente nessa área", considera Marques Mendes. Já Ferreira Leite diz que Castro Almeida "conhece bem todas as burocracias pela experiência que adquiriu no Governo de Passos Coelho". "Acredito que tenha sido uma das melhores escolhas de Luís Montenegro, sobretudo na pasta que lida com a execução do PRR", defende Manuela Ferreira Leite.
Na sua carreira política, Castro Almeida tem sido, considera Marques Mendes, sempre "genuíno", nomeadamente na forma de comunicar. "Não é um político tradicional, mas muito genuíno, não sendo adepto de grandes formalismos como muito outros."
Terá sido essa a razão que o levou a assumir, durante estes dias em que falou sobre os incêndios aos jornalistas, que não sabia se havia militares no terreno. Numa entrevista à rádio TSF, quando questionado sobre se "o Exército já tinha sido chamado a servir", o ministro confessou: "Isso é uma coisa que não sei responder. Não estou na fase do combate às chamas. Estou concentrado no terreno".
Tem sido ele, dentro do Executivo, o que mais falou sobre os acontecimentos e as medidas para lidar com os fogos. Foi a escolha de Luís Montenegro para coordenar a equipa que esteve a lidar com a crise dos incêndios no terreno - que ao longo de vários dias atingiram diversas zonas país, consumiram mais de 120 mil hectares e causaram a morte a cinco pessoas.
Castro Almeida nasceu em outubro de 1957, em São João da Madeira, no distrito de Aveiro. Ainda era adolescente quando aos 16 anos começou a trabalhar como auxiliar administrativo na Câmara Municipal de São João da Madeira. Por isso, fez o curso em Direito como trabalhador estudante. Ainda antes de entrar na política, em 1982, foi Técnico Superior e mais tarde administrador da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, como indica o portal do Governo. Pelo meio da sua carreira política trabalhou no privado e na área dos negócios, tendo-se tornado, entre outros, em 2016, sócio e presidente do Conselho de Administração da Mistura Singular - Capital.
E se nos últimos dias muitos o elogiaram pela atuação, outros criticaram algumas declarações. A frase sobre a mala feita pela mulher foi o momento que o colocou sob os holofotes nas redes sociais. "Este senhor é ministro mas é a mulher quem lhe faz a mala. Incompetência ou machismo, o que acham?”, escreveu de imediato na rede social X a deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, gerando uma onda de respostas e comentários, alguns a acusar o governante de ser machista. A economista e colunista Susana Peralta também reagiu na rede social X, colocando uma imagem de uma sopa com a frase: "O meu marido preparou-me agora mesmo esta sopa para três dias". Foi Ana Abrunhosa, a antecessora de Castro Almeida no Ministério da Coesão Territorial, que saiu em sua defesa: "Sei bem que não é machista."