Caso das gémeas: um dia após pedir ajuda ao pai, Nuno Rebelo de Sousa disse que teve de "escalar o problema"

10 jan, 20:40

Documentação arquivada em Belém, a que o Exclusivo da TVI também teve acesso, revela diferenças na resposta dada pela Presidência da República ao caso das gémeas, em comparação com os casos de outras crianças com a mesma doença

Um dia depois de enviar um e-mail ao pai e Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a pedir ajuda para o caso das gémeas, Nuno Rebelo de Sousa escreveu que perante a falta de resposta dos médicos estava a "escalar" o problema.

A afirmação está numa mensagem por Whatsapp a que a TVI teve agora acesso, numa altura em que a Presidência da República também não é clara a esclarecer diferenças na resposta que deu ao caso das gémeas.

Ao todo, a Presidência foi contactada com pedidos de ajuda para quatro casos de crianças com atrofia muscular espinhal, mas apenas para a situação das gémeas existiu um contacto feito diretamente com um hospital e uma troca de e-mails com o autor do pedido de ajuda - ou seja, com o filho do Presidente.  

Médicos "só conseguem complicar". "Clássico português"

Como o próprio Marcelo Rebelo de Sousa acabou por confirmar em dezembro de 2023 - mais de um mês após a primeira reportagem da TVI sobre o caso -, a situação das gémeas chegou a Belém em outubro de 2019 através de uma mensagem enviada pelo filho para o seu e-mail pessoal a pedir ajuda.

Agora, as mensagens por Whatsapp ajudam a perceber melhor o contexto desse pedido.

As mensagens foram trocadas com José Magro, um consultor empresarial a quem Nuno Rebelo de Sousa tinha pedido ajuda para chegar ao contacto de uma médica do hospital privado Lusíadas, em Lisboa, que já tinha tratado, num hospital público, outro caso semelhante (o da bebé Matilde) com aquele que na altura era o medicamento mais caro do mundo (cerca de 2 milhões de euros por doente).  

Uma semana após o primeiro contacto, feito através de um empresário que costumava organizar viagens de empresários brasileiros para participar na Web Summit, Nuno Rebelo de Sousa revela a José Magro as dificuldades da família das crianças.

A 15 de outubro de 2019, o filho do Presidente escreve que “a mãe ainda não conseguiu falar com nenhum dos médicos”.

Nuno Rebelo de Sousa acrescenta: “Pedi ajuda a vários médicos amigos mas só conseguem complicar e fazer comentários sobre se têm ou não direito ao tratamento em vez de ajudarem com os contatos dos médicos. Clássico português”, referia o filho do Presidente da República que vive em São Paulo, a mesma cidade das gémeas.

Mãe garantiu não conhecer filho de Marcelo

Recorde-se que, quando esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso, a mãe das crianças garantiu não conhecer, à época dos factos, Nuno Rebelo de Sousa, nem a sua esposa, deixando os deputados de várias bancadas cheios de dúvidas tendo em conta que tinham tido acesso a um e-mail da própria enviado à mulher do filho de Marcelo.

Na continuação das mensagens de Nuno Rebelo de Sousa para José Magro, o filho de Marcelo vai mais longe sobre a falta de resposta dos médicos: "Só arrumam problemas em vez de soluções. A mãe está a tratar dos CC [cartões de cidadão] etc para as levar asap [o mais cedo possível] para Portugal e estamos a trabalhar nisso também com urgência".

“Os pais das crianças ainda tentam conseguir falar com os médicos”, conclui Nuno Rebelo de Sousa nas mensagens enviadas a 15 de outubro de 2019 a José Magro, que no mesmo dia responde ao filho do Presidente da República dizendo-lhe para pedir “à mãe para escrever dois parágrafos ao diretor” dos Lusíadas, “mencionando o caso das filhas e o interesse em contatar a dra Teresa Moreno dos Lusíadas Lisboa”.

"Já estamos a tentar escalar o problema"

A 22 de outubro José Magro escreve de novo a Nuno Rebelo de Sousa e diz que tem “a informação que a médica já está em contato com a mãe das duas bebés”. Na resposta, Nuno Rebelo de Sousa escreve:

"Obrigado Zé!!!! Não tenho a certeza disso mas já estamos a tentar escalar o problema. Tema difícil”.

A afirmação anterior, onde se menciona a tentativa de “escalar o problema”, foi feita um dia depois do e-mail que Nuno Rebelo de Sousa escreveu ao pai a pedir ajuda para o caso das gémeas.

Nesse mesmo e-mail para Marcelo, revelado há um ano pelo Exclusivo da TVI, Nuno Rebelo de Sousa afirmava que "os pais destas gémeas luso-brasileiras de 9 meses com atrofia muscular espinhal são muito amigos de uns amigos nossos e nas últimas semanas temos estado 100% focados tentando ajudar as gémeas a conseguir os cartões de cidadão portugueses, o que já está".

Nuno Rebelo de Sousa acrescentava que "agora precisamos de uma ajuda maior para que elas consigam o único tratamento no mundo que as pode salvar. O pai pode ajudar? A burocracia em Portugal é grande".

Assessora de Marcelo contactou hospital

Recorde-se que após o contacto de Nuno com Marcelo Rebelo de Sousa este pediu ao chefe da sua Casa Civil para que a assessora dos assuntos sociais, Maria João Ruela, tentasse perceber do que se tratava.

Na sequência, a assessora contactou Nuno Rebelo de Sousa para esclarecer algumas dúvidas e saber como contactar os pais, bem como o Hospital Dona Estefânia.

Um dia depois, após os contactos de Maria João Ruela, o chefe da Casa Civil enviou uma explicação sobre o caso para Marcelo Rebelo de Sousa que também foi encaminhada para Nuno Rebelo de Sousa.

O filho do Presidente não ficou satisfeito com a resposta e insistiu numa troca de e-mails que se prolongou por vários dias, com o chefe da Casa Civil a responder, num outro email, que “o SNS cobre em primeiro lugar as situações das pessoas que residem ou se encontram em Portugal”.

A 31 de outubro desse mesmo ano a Presidência da República decide enviar o caso formalmente para o primeiro-ministro, mas omitindo a origem do pedido inicial, num facto que Belém já confirmou ter sido propositado para que a situação não tivesse um tratamento diferenciado do lado do Governo.

Outras crianças com atrofia muscular espinhal

Nas audições de julho na Assembleia da República, o chefe da Casa Civil e a assessora para os assuntos sociais revelaram que na altura da situação das gémeas a Presidência também foi contactada por familiares de uma bebé luso-canadiana e de outra bebé luso-francesa, além dos contactos que receberam relacionados com o caso da bebé Matilde - todas crianças com atrofia muscular espinhal.

A Presidência da República e os seus responsáveis têm dito sempre que trataram o caso das gémeas luso-brasileiras como qualquer outro.

O Exclusivo da TVI pediu a Belém as trocas de e-mails ou outra forma de troca de mensagens sobre todos estes casos e encontrou diferenças.

Só no caso das gémeas a Presidência falou com um hospital

Em primeiro lugar, todos os casos foram de facto encaminhados formalmente em ofícios para o Governo, como milhares de pedidos de ajuda que chegam à Presidência da República, exceto na situação da criança do Canadá por já ser público, através dos jornais, que o Governo estaria a acompanhá-la.

Porém, existem diferenças pois apenas no caso das gémeas (ao contrário de todos os outros) existiram contactos de um responsável da Presidência da República (a assessora para os assuntos sociais) com um hospital para perceber o que se passava, após um pedido de Marcelo Rebelo de Sousa.  

Nos outros casos não se encontra, na documentação fornecida por Belém, qualquer interferência de Marcelo, sendo que no caso da bebé Matilde foram cerca de 15 os portugueses, entre 25 de junho e 2 de julho de 2019, que escreveram para a Presidência a pedir ajuda para a criança com atrofia muscular espinhal - a primeira a ser tratada com o referido medicamento.

Questionada pela TVI sobre qual a razão para na situação das gémeas a Presidência da República ter contactado com um hospital para saber o que se passava, Belém respondeu com a evolução de dois dos outros três casos.  

Sobre a bebé do Canadá, a Presidência diz que este caso já estaria a ser seguido antes pelo governo; enquanto que sobre a bebé Matilde refere que o Ministério da Saúde, entretanto, decidiu que esta deveria ser tratada no Serviço Nacional de Saúde - decisão que, recorde-se, aconteceu vários dias depois dos pedidos que chegaram a Belém.

Troca de e-mails apenas com Nuno Rebelo de Sousa

Finalmente, segundo a documentação fornecida por Belém, somente no caso das gémeas se encontra uma intensa troca de e-mails com a pessoa que escreveu a pedir ajuda, ou seja, com Nuno Rebelo de Sousa que tinha contactado diretamente o e-mail pessoal do pai para expor o problema - ao contrário dos outros casos em que os pedidos surgiram através dos contactos oficiais (online) da Presidência da República.

Nessas outras situações a resposta de Belém foi totalmente formal, dando-se apenas nota aos remetentes iniciais dos pedidos que estes tinham sido encaminhados para o governo.

Questionada pela TVI sobre qual a razão para ter existido uma intensa troca de e-mails com a pessoa que escreveu para Belém - Nuno Rebelo de Sousa - sobre o caso das gémeas, ao contrário do que aconteceu nos outros casos, ao fim de um mês à espera de resposta, a Presidência da República não apresentou qualquer justificação.

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