Depois de uma primeira entrevista emitida no início de novembro, Daniela Martins não voltou a aceitar ser entrevistada pela TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal). Estas são as perguntas que gostaríamos de lhe colocar
Daniela Martins, a mãe das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com um medicamento de vários milhões de euros para a atrofia muscular espinhal, será esta sexta-feira ouvida na Comissão Parlamentar de Inquérito iniciada após uma investigação da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal) que teve inúmeros desenvolvimentos ao longo dos últimos sete meses.
O trabalho jornalístico realizado desde setembro foi revelando novos factos, mas também questões, sendo que várias nunca foram respondidas pelo advogado da família. Depois de uma primeira entrevista emitida no início de novembro, Daniela Martins não voltou a aceitar ser entrevistada pela TVI.
A intervenção do filho do Presidente
O correspondente da TVI/CNN Portugal no Brasil já explicou que a mãe das gémeas lhe relatou que recorreu à ajuda da Presidência da República para conseguir o tratamento das filhas, desmentido algo que tinha dito antes a uma jornalista da TVI, à distância, em Lisboa.
O relato do correspondente da TVI, Nelson Garrone, pode ser visto no Jornal Nacional de 6 de dezembro de 2023 e a primeira reportagem da TVI sobre o caso, de 3 de novembro de 2023, tem mais detalhes sobre as palavras de Daniela Martins em vários momentos
Nas declarações captadas pela TVI sobre o tratamento em Portugal, Daniela Martins disse ainda: "aí eu fui lá e dei de cara com a médica que disse que não ia dar [o medicamento], que não mandou a gente ir lá" e “aí a gente usou os nossos contactos": "Foi então que entrou o pistolão que você falou, eu tinha o contacto lá... conhecia a nora do presidente, que conhecia o ministro da saúde, que mandou um email para o hospital e falou ‘e o caso das meninas’? Começaram a receber ordem de cima".
Mais tarde, numa extensa entrevista à RTP, em dezembro, Daniela Martins disse que as declarações anteriores foram descontextualizadas pela TVI.
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Como é que se descontextualizaram estas declarações?
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Daniela Martins estava, afinal, a referir-se a quê quando admitiu um “pistolão” (sinónimo de cunha, no Brasil) e o uso dos “contactos” da família?
Na referida entrevista à RTP, Daniela Martins garantiu ainda que não conhece Nuno Rebelo de Sousa e mesmo a esposa apenas conheceu mais tarde, após o tratamento. Porém, no email que este escreveu ao pai - assinado por ele e pela nora -, Nuno Rebelo de Sousa descreve que ele e um grupo de amigos ajudaram as crianças a obter os cartões de cidadão.
Nuno Rebelo de Sousa escreve a Marcelo que "nas últimas semanas temos estado 100% focados tentando ajudar a conseguir os cartões de cidadão portugueses, o que já está", não se percebendo ao certo que ajuda foi dada.
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Se a família não conhecia Nuno Rebelo de Sousa, como é que este ajudou as crianças a obter os cartões de cidadão?
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Que ajuda deu Nuno Rebelo de Sousa e os amigos na obtenção dos cartões de cidadão?
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E como é que enviou para Belém os relatórios clínicos das crianças, contactos dos pais e os cartões de cidadão das gémeas?
Além da documentação anexada, os e-mails enviados por Nuno Rebelo de Sousa ao pai e a responsáveis da Presidência da República indiciam existir alguma forma de contacto com a família.
Nuno Rebelo de Sousa diz por duas vezes que sabe que ainda não contactaram os pais e pergunta por outras duas vezes o que lhes deve dizer. Numa mensagem, o filho do Presidente da República acrescenta que "o pai das crianças está na disposição de ir a Portugal saber se tem alguma chance de conseguir o tratamento caso as crianças se mudem agora para Portugal".
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Se Daniela Martins não sabia que Nuno Rebelo de Sousa fez contactos para ajudar no caso, como é que este tinha tanta informação e detalhes?
Na mesma entrevista à RTP, a mãe diz ainda que nem sabe como é que Nuno Rebelo de Sousa teve conhecimento do caso.
No entanto, na resposta que enviou ao Ministério Público (agora citada pela Sábado), apesar de dizer não conhecer pessoalmente os pais das crianças, o próprio Nuno Rebelo de Sousa dá de novo a entender que mantinha contactos com a família.
Segundo a Sábado, que cita o advogado do filho de Marcelo, o casal soube que havia um novo e mais eficaz tratamento a ser administrado em Portugal e, por isso, "perguntaram a Nuno Rebelo de Sousa sobre qual a melhor maneira para conseguir contactar o médico especialista que já havia atendido uma outra criança com a mesma doença, e com sucesso no respetivo tratamento, procurando ainda confirmar qual o hospital em que aquele atuaria".
Por outro lado, o filho de Marcelo diz que enviou para o antigo secretário de Estado, Lacerda Sales, “diretamente a informação e os documentos que Daniela Martins lhe havia remetido”.
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Como é possível que a mãe das gémeas não saiba como é que o caso chegou a Nuno Rebelo de Sousa e tenha dito que não pediu ajuda à Presidência da República pois só tinha o contacto do hospital, tendo em conta, inclusive, por exemplo, aquilo que o filho do Presidente agora diz ao Ministério Público?
Foi entretanto notícia, com base num email entregue pelo advogado da família à IGAS, que o consulado de São Paulo foi ao hospital onde as gémeas estavam internadas para iniciar os trâmites para o cartão de cidadão.
Nuno Rebelo de Sousa, como é público, tinha múltiplos contactos com este consulado pela sua posição de presidente da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, cargo que deixou de exercer na altura em que o pai admitiu que cortou relações com o filho na sequência do caso das gémeas.
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Como é que a família marcou esta visita do consulado ao hospital?
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Nuno Rebelo de Sousa, que escreveu ao pai dizendo que ele e um grupo de amigos ajudaram as crianças a obterem os cartões de cidadão, deu alguma ajuda?
A resistência dos médicos
Numa entrevista a um canal no Youtube, apresentada pelas reportagens da TVI, Daniela Martins disse que "teve várias situações... em que a médica me disse, na minha cara: ‘não falei para vir aqui, eu não vou dar medicação’".
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Afinal o que disse a médica a Daniela Martins?
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Que resistência a família encontrou no Hospital D. Estefânia e no Hospital de Santa Maria para marcar a primeira consulta?
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E depois, que resistência encontrou no Santa Maria quando chegou a Portugal?
A médica Teresa Morena, que tratou as crianças no Hospital de Santa Maria, escreveu, em 2020, muito antes da polémica, num e-mail enviado às suas chefias e entregue à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que a mãe das gémeas lhe disse que bastava a assinatura da médica para avançar com o medicamento pois teria todas as assinaturas garantidas até à ministra da saúde.
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Daniela Martins disse ou não disse esta frase à médica Teresa Morena?
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Se não disse, qual a motivação da médica para a escrever num e-mail às suas chefias, muito antes da polémica?
Nos argumentos que chegaram por exemplo ao Presidente da República através de Nuno Rebelo de Sousa, é dito que o medicamento Zolgensma seria a única esperança de cura, ao contrário do medicamento (Spinraza) que as gémeas já estavam a tomar no Brasil.
Contudo, vários médicos, incluindo os dois com quem a família falou em Portugal para conseguir a primeira consulta (José Pedro Vieira do Hospital Dona Estefânia e Teresa Morena do Hospital de Santa Maria) já disseram (incluindo à IGAS) que o medicamento que as crianças estavam a tomar no Brasil, também muito caro, já lhes salvava a vida e por isso mesmo resistiram a marcar a primeira consulta, pois nenhum medicamento para a atrofia muscular reverte a doença e cura os sintomas já desenvolvidos pelas crianças.
Além disso, há um relatório posterior do Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento que comparou os dois medicamentos e que diz que "não se observaram diferenças com significado estatístico em relação a sobrevivência global ou aquisição de etapas motoras", sendo "a evidência insuficiente para demonstrar valor terapêutico acrescentado do onasemnogene abeparvovec [Zolgensma] em relação a nusinersen [Spinraza]", apesar do Zolgensma ter um efeito “benéfico” tal como o Spinraza.
A maior diferença é que o medicamento tomado no Brasil pelas gémeas seria dado de 4 em 4 meses com uma injeção na medula, ao contrário do Zolgensma que seria tomado apenas uma vez na vida.
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Que resposta é que a mãe das gémeas dá a estes médicos e ao Infarmed?
Nas poucas respostas que deu à comissão parlamentar de inquérito, o antigo secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, levantou várias vezes a dúvida sobre as razões que levaram a família a marcar uma consulta no hospital privado Lusíadas com a mesma médica que depois receberia as crianças no Hospital de Santa Maria do Serviço Nacional de Saúde.
A consulta no Lusíadas foi marcada e desmarcada no mesmo dia por uma razão que nunca foi explicada.
A marcação da consulta no Santa Maria, segundo a IGAS, só terá acontecido por ordem do referido governante, algo que o próprio desmente.
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Porque é que a família das gémeas marcou uma consulta nos Lusíadas com a médica Teresa Morena?
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Quem e quando desmarcou a consulta no Lusíadas e porquê? Foi antes ou depois de ser marcada a consulta no Santa Maria?
Diagnóstico, nacionalidade e cadeiras
Depois das primeiras questões levantadas por especialistas em processos da nacionalidade, o anterior governo refez os passos seguidos pelas gémeas e concluiu que tudo decorreu de forma normal, sem qualquer rapidez especial.
Segundo as datas posteriormente avançadas em dezembro, a pedido da TVI, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o processo de nacionalidade terá seguido as seguintes datas:
16 de abril de 2019 - Agendamento para pedir a nacionalidade no consulado devido à nacionalidade portuguesa da mãe atribuída vários anos antes por ser neta de portugueses.
23 de julho de 2019 - Ida ao consulado de São Paulo na sequência do agendamento para pagamento dos emolumentos, algo que segundo o MNE dá início ao processo.
2 e 3 de setembro de 2019 - Os processos de nacionalidade das gémeas foram concluídos no consulado e enviados para os registos centrais em Lisboa.
16 de setembro de 2019 - A nacionalidade foi confirmada nos registos centrais de Lisboa.
27 de setembro de 2019 - Data de obtenção do cartão de cidadão.
Entretanto, no início de dezembro de 2023, o advogado da família enviou à comunicação social um documento onde dizia que as crianças obtiveram o cartão de cidadão cerca de um mês antes do diagnóstico. No entanto, o cartão de cidadão tem data de 27 de setembro de 2019 e o diagnóstico da doença revelado pela resposta da família à IGAS tem data de 9 de setembro.
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O advogado da família enganou-se?
Nas respostas à IGAS, a família disse que as filhas tiveram o diagnóstico formal da doença a 9 de setembro de 2019, ou seja, cruzando com as datas anteriores, enquanto esperavam pela confirmação da nacionalidade portuguesa nos registos centrais em Lisboa. No entanto, pelo que se percebe de entrevistas que Daniela Martins deu muito antes da polémica a outros órgãos de comunicação social os sintomas e suspeita da doença terão começado bastante antes.
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Em que mês começaram as crianças a ter sintomas da doença?
Muito antes da polémica, Daniela Martins disse ainda em entrevistas à SIC e a um canal do Youtube que as suas filhas tiveram o diagnóstico aos 9 meses de idade. Fazendo as contas, como as gémeas nasceram a 26 de outubro de 2018, os 9 meses das crianças a que se refere a mãe terão ocorrido algures entre julho ou agosto de 2019 e não a 9 de setembro.
O medicamento Zolgensma para a bebé Matilde, em Portugal, foi aprovado em julho pelo Governo português e administrado em agosto, algo pioneiro no Mundo, com forte repercussão nos meios de comunicação social.
Segundo os dados enviados à TVI pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o agendamento para tratar da nacionalidade das gémeas aconteceu em abril desse ano, ou seja, bastante antes do diagnóstico, e a ida ao consulado na sequência do agendamento aconteceu a 23 de julho para pagamento dos emolumentos, algo que segundo o MNE dá início ao processo.
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Foi uma coincidência de datas as gémeas terem ido ao consulado numa altura em que já se sabia que Portugal iria administrar o medicamento mais caro do mundo à bebé Matilde que tinha a mesma doença?
Apesar do diagnóstico da doença, avançado pela família, ter data de 9 de setembro, numa entrevista a um canal de Youtube a mãe voltou a indicar o diagnóstico aos 9 meses de idade e acrescentou que o médico diagnosticou a doença "antes do exame" e que o exame foi "só para ter a documentação", pois "diagnosticou sem o exame".
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Quando é que a família teve suspeitas de atrofia muscular espinhal?
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Quando é que a família teve a certeza da doença? A 9 de setembro ou muito antes?
Antes de conseguir o tratamento em Portugal, os pais das gémeas passaram muito tempo em campanhas nas redes sociais para reunir os 4 milhões de euros para pagar o tratamento das suas filhas com Zolgensma. No entanto, só depois de receberem o medicamento em Portugal, onde tinham chegado há vários meses, é que a mãe explicou (nessas mesmas redes sociais) que tinham recebido o tratamento em Portugal porque as crianças tinham cidadania portuguesa.
Apesar de longas pesquisas na Internet, a TVI não encontrou qualquer referência a essa nacionalidade portuguesa e à hipótese "Portugal" nas redes sociais da família antes do tratamento, apesar das dezenas de publicações sobre o caso das crianças.
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Antes de serem tratadas em Portugal, a família revelou alguma vez nas suas muitas publicações nas redes sociais que as crianças tinham nacionalidade portuguesa e podiam receber o Zolgensma por este facto?
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Se não o revelou antes do tratamento, porquê?
Ao contrário do que aconteceu em Portugal com o Zolgensma pago pelo Estado, no Brasil o medicamento antes administrado às gémeas (também ele muito caro) era pago por um seguro de saúde e não pelo Estado. Numa conversa com a TVI, Daniela Martins disse que fez um acordo com essa seguradora para que esta suportasse financeiramente a vinda para Portugal de forma a que esta seguradora poupasse o valor das sucessivas doses que as crianças teriam de tomar de 4 em 4 meses, numa poupança de 22 milhões de reais para a seguradora.
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Que acordo fez ao certo a família das gémeas com a seguradora antes de vir para Portugal?
Além dos cerca de 4 milhões de euros gastos pelo SNS com a administração do Zolgensma às gémeas, somam-se perto de 58 mil euros em quatro cadeiras de rodas elétricas disponibilizadas pelo Centro de Reabilitação de Alcoitão e pelo Hospital de Santa Maria sem que os dois tivessem conhecimento da solicitação feita pela mãe a ambas as instituições de saúde.
Apenas através da investigação da TVI/CNN Portugal é que os responsáveis do Santa Maria (SNS) tiveram conhecimento que as crianças já tinham cadeiras através da Segurança Social via Centro de Reabilitação de Alcoitão.
- O que motivou a mãe das gémeas a não avisar o Santa Maria que já tinha cadeiras elétricas atribuídas pelo Centro de Reabilitação de Alcoitão?