Violência no namoro. Como saber se a minha relação é saudável ou abusiva?

14 fev 2022, 15:31

Uma relação abusiva não começa sempre com uma bofetada ou com ameaças. Aliás, uma relação pode ser abusiva sem que haja agressões físicas. O grande problema entre os jovens é verem como normal o controlo de roupas, redes sociais, os ciúmes excessivos ou o impedimento de uma vida social fora do namoro

Esta segunda-feira assinala-se aquele que pode ser apelidado como o dia mais romântico do ano - Dia dos Namorados -, mas nem tudo são rosas. Se há quem tenha relações saudáveis, também há quem viva numa relação abusiva e tóxica. É normal que existam discussões e discordâncias entre um casal, mas o namoro não é uma guerra e há limites que jamais devem ser ultrapassados. 

A violência no namoro é um problema real e vai muito para além da barreira física. As agressões também podem ser verbais, emocionais, sexuais, económicas ou até sociais. Nunca é demais lembrar que a violência, seja de que nível for, não é tolerável, nem desculpável. Ainda assim, tanto as vítimas como os agressores precisam de ser ajudados. O problema está quando os jovens - os mais afetados por este fenómeno - vêem certos gestos abusivos como algo normal e que já faz parte do seu quotidiano. 

O que é que pode ser considerado como um ato de violência no namoro?

A violência no namoro ocorre sempre num contexto de uma relação de intimidade e pode apresentar-se de diversas formas:

  • Comportamentos de natureza psicológica: como o insulto, a humilhação, a diminuição ou anulação do outro e o desprezo;
  • Agressões físicas: empurrões, pontapés ou bofetadas;
  • Agressões sexuais: forçar à prática de relações ou carícias, divulgar fotos e/ou vídeos de situações de intimidade nas redes sociais
  • Controlo relacional: controlar o que o outro faz nos tempos livres, proibi-lo de estar com familiares e amigos;

Estes são os principais indicadores de uma relação abusiva. Mas para Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense, existem ainda outros que são descritos como "microviolências". Não por serem menos graves, mas porque muitas vezes os jovens não os vêem como agressões. Controlar ou impedir a comunicação com outras pessoas através do telefone e redes sociais, controlar o vestuário e a maquilhagem, exigir passwords pessoais, exigir que “contem tudo um ao outro” são muitas vezes "entendidos como sinais de amor e de cuidado", quando na verdade são sinais de fumo. 

Como não são interpretados como agressões, a vítima não percebe que está perante uma escalada de violência, submete-se a estes pedidos e acaba por surgir espaço para que surjam comportamentos progressivamente mais abusivos e lesivos", explicou à CNN Portugal. 

Madalena Sofia Oliveira, professora universitária e investigadora de vitimologia, explicou no programa CNN Hoje que, com a pandemia de covid-19, grande parte do controlo, ciúmes, ameaças e abusos foram feitos através das redes sociais. "Nos últimos anos, e com a pandemia, a verdade é que tem vindo a aumentar o número de comportamentos abusivos perpetuados através das redes sociais, que passam, sobretudo, pelo controlo, pelas ameaças, pela exposição de vídeos ou de fotografias que foram partilhadas num determinado momento de intimidade e que depois, estas vítimas, acabam por ser expostas".

A normalização dos comportamentos

A legitimação de atitudes como esta contribuem para a normalização das mesmas ou, quiçá, para a sua adoção. "Se eu perceciono aquele comportamento como sendo um comportamento normativo, eu vou permitir que este comportamento seja perpetrado na minha relação de intimidade. Se, pelo contrário, tenho uma baixa tolerância, o que vai acontecer é que, perante uma situação abusiva, eu irei mais facilmente pedir ajuda", esclareceu a especialista. 

Madalena Sofia Oliveira considerou ainda que a prevenção nas escolas, levada a cabo por ações da PSP e da GNR, deve ser "feita de forma consertada" e não de forma "pontual". "É preciso capacitar o pessoal docente e não docente para identificar estas situações, mas também trabalhar isto na unidade curricular de Cidadania, que tem um papel super importante, principalmente nas primeiras fases destas faixas etárias". 

"É preciso educar para a prevenção. Educar para o consentimento. Educar para os limites daquilo que é o seu corpo e a sua intimidade", acrescentou. 

Uma relação amorosa é uma aposta que duas pessoas fazem ainda que, numa fase inicial, não existam planos de um projeto em comum. Mas quando se começa a namorar com alguém, parte-se para essa aventura acreditando que se vai construir uma relação sentimental, afetiva, saudável, íntima, estável e duradoura.

O não controlo de gestos abusivos durante a fase de namoro, pode facilmente contribuir para um agravamento da situação numa vida a dois e dar origem a um caso de violência doméstica.

Um dos casos mais polémicos dos últimos dias tem sido o da relação entre Bruno de Carvalho e Liliana Almeida no programa da TVI "Big Brother Famosos". Em causa estava o comportamento alegadamente manipulador, agressivo e controlador do ex-presidente do Sporting para com a concorrente e que chegou mesmo a motivar uma queixa ao Ministério Público por violência doméstica, por parte da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

Na gala do último domingo, a TVI decidiu manter o concorrente em jogo. Uma decisão anunciada pela apresentadora e diretora de programas Cristina Ferreira: "Tento ser imparcial e não julgar qualquer tipo de comportamento de uma pessoa, neste caso jogador, dentro da situação em que está exposto." No entanto, Bruno de Carvalho acabou por ser expulso do reality show graças aos votos dos portugueses. 

3.320 queixas de violência no namoro junto das autoridades

A maioria dos relatos de violência no namoro apresentados à PSP no ano passado envolvem tanto violência psicológica como violência física. No total, foram registadas mais de 2.215 denúncias de violência no namoro, sendo a grande maioria das vítimas mulheres. Nesse mesmo período, a GNR registou 1.105 crimes de violência no namoro, em todas as faixas etárias, registando-se 332 vítimas com idade até aos 24 anos.

Comparando com anos anteriores, não se tem registado um aumento do número de casos de violência no namoro, mas são cada vez mais as pessoas que pedem ajuda através das entidades competentes. 

Uma vez que se trata de um crime público e de responsabilidade coletiva, as vítimas, ou qualquer outra pessoa que tenha conhecimento de uma situação de violência ou abuso, devem apresentar queixa nas esquadras ou procurar ajuda junto das Equipas da Escola Segura (contexto escolar) ou das Equipas de Proteção e Apoio à Vítima. Podem ainda pedir apoio ou sinalizar situações através de escolasegura@psp.pt ou violenciadomestica@psp.pt.

53,1% dos estudantes universitários já foram vítimas de violência no namoro

Um estudo divulgado esta segunda-feira, sobre violência no namoro em contexto universitário, revelou que mais de metade dos participantes já tinha sido sujeito a pelo menos um ato violento, quase em igual proporção de homens e mulheres.

O Estudo Nacional da Violência no Namoro em Contexto Universitário (2020/2021) é apresentado pelo UNI+, um programa promovido pela Associação Plano i, com financiamento comunitário e destinado a prevenir a violência no namoro no contexto universitário.

De acordo com os responsáveis pelo mesmo, "não é possível afirmar que a proporção da violência no namoro praticada por homens seja significativamente superior em comparação com a praticada por mulheres, porém a proporção da violência sofrida é superior nas mulheres comparativamente com os homens".

Em comunicado, a direção do programa UNI+ precisa que, dos que responderam ao estudo, 53,1% disseram que já tinham sido sujeitos a pelo menos um ato de violência, em concreto 53,2% das mulheres e 53,6% dos homens.

Segundo os dados, 32,4% dos participantes já praticaram pelo menos um ato de violência no namoro, desdobrando-se em 32,2% das mulheres e 34,6% dos homens.

O estudo teve a participação de 1.322 pessoas, a maioria, 87,7%, do sexo feminino, com uma média de idades de 22 anos. Os dados foram recolhidos entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, o que, notam os responsáveis pelo trabalho, não implica que os casos de violência tenham ocorrido nesse período.

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