ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA || Num dia que o Chega teve um comportamento designado "delinquente", um ministro que não tem nem a pasta das polícias nem a pasta da Justiça prometeu a captura de três delinquentes em fuga. Entretanto: o OE 2025 foi aprovado
O Chega colocou cartazes nas janelas dos gabinetes que ocupa no Parlamento e conseguiu tornar-se o foco das notícias e da indignação - foi acusado de "vandalismo político" pelo presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco. Num dia que devia ter sido marcado pela aprovação do Orçamento - que foi mesmo aprovado -, o Chega conseguiu dominar o início da agenda.
Antes de o debate sobre o Orçamento arrancar, houve mais de meia hora de discussão em torno das tarjas - os demais partidos, sem exceção, condenaram a forma de protesto adotada. O Partido Socialista (PS) e o Livre pediram mesmo a suspensão dos trabalhos até os cartazes serem retirados - foi feito um requerimento nesse sentido mas teve apenas os votos a favor dos próprios socialistas (à exceção de Marcos Perestrello, Sérgio Sousa Pinto, Neto Brandão e Manuel Pizarro, que votaram contra), do Livre e do PAN. Por isso: não houve suspensão.
No final do debate e da aprovação do OE2025, os deputados da bancada parlamentar do Chega ergueram papéis que diziam “este Parlamento perdeu a vergonha”.
“Bando de delinquentes”
Já depois da aprovação do OE2025, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, chamou “bando de delinquentes” aos deputados do Chega, os quais acusou de terem trazido a anarquia para o parlamento - além de desrespeitarem a democracia. “Não é só o bando de delinquentes que nós temos aqui e que despeitaram a Assembleia da República, desrespeitaram a democracia e desrespeitaram os portugueses”, disse.
O PS, segundo o seu líder, não tem “medo destes delinquentes nem da anarquia que trouxeram à Assembleia da República”. “Nós vamos combater porque isto é um desrespeito para com os portugueses. O Chega está sempre a falar da lei e da ordem, mas o que tivemos aqui foi desrespeito pela lei e pela ordem, pelas regras.”
Pedro Nuno Santos fez ainda referência à polémica em torno dos números dos alunos sem aulas - o ministro da Educação assumiu que deu dados errados ao país e que "hoje não o teria feito - e acusou o ministro de “manipulação de números” sobre o número de alunos sem professor e o primeiro-ministro de “propaganda” - não estão “a fazer bem à nossa democracia”.
O ministro da Habitação a fazer de ministro das polícias (e não só)
O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, encerrou o debate em nome do Governo e acusou o PS de se contradizer sobre a confiança nas contas públicas do Governo e defendeu que os populismos se combatem “não com proclamações retóricas mas com obras”.
“Durante sete meses ouvimos a oposição, em particular o Partido Socialista, afirmar que esta política levaria ao descontrolo das contas públicas em 2025. Ouvimos o PS dizer que o Governo não conseguiria entregar em Bruxelas o Plano Orçamental de Médio Prazo. Enganaram-se. Enganaram-se todos”, afirmou Miguel Pinto Luz.
O ministro considerou que o debate do OE2025 “mostra um PS que passou de prever o descontrolo das contas públicas, para agora dizer que em 2025 há folgas orçamentais para subir ainda mais as pensões”. “Não tinham razão antes. Continuam sem ter razão agora”, acusou.
Na intervenção, o ministro falou em união no Governo, com elogios ao “parceiro solidário” - CDS-PP - e argumentou que “a moderação é a matriz” deste Executivo.
Pinto Luz lembrou os “lamentáveis tumultos em concelhos da cintura de Lisboa”, que foram “contidos e neutralizados ao fim de três dias” - e sublinhou que os responsáveis pela agressão a um motorista da Carris nessa ocasião “já foram identificados e apresentados à Justiça”. “Registou-se uma aparatosa evasão de cinco presos em Vale de Judeus, mas dois já foram capturados e o mesmo sucederá aos restantes”, prometeu. Dois dos cinco fugitivos - ambos portugueses - já foram capturados, três estrangeiros continuam em fuga. “O Governo em momento algum vacilará no dever de garantir a segurança e a tranquilidade dos portugueses”.
Numa intervenção com elogios a Camões e referências ao Padre António Vieira, Pinto Luz lembrou a decisão tomada pelo executivo PSD/CDS-PP sobre a localização do futuro aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a valorização das carreiras de professores, forças de segurança ou Forças Armadas, o reforço dos rendimentos dos mais idosos, as medidas de urgência na saúde e a regularização da “imigração descontrolada”.
Oito meses melhores que oito anos?
O vice-presidente da bancada social-democrata Hugo Carneiro usou da palavra para um discurso com fortes ataques ao partido de André Ventura, que associou ao PCP e ao Bloco de Esquerda.
“Os portugueses vão ter um Orçamento que tem a marca da AD, apesar da negociação e das coligações negativas no parlamento entre o PS e o Chega. Conseguimos que o parlamento aprovasse as verbas necessárias para cumprirmos os acordos que o Governo firmou com os professores, com as forças de segurança e forças armadas, com os enfermeiros, com os guardas prisionais, com os oficiais de justiça e com os sindicatos da administração pública”, defendeu.
Hugo Carneiro disse que, “em menos de oito meses de Governo, fizemos o que o PS não fez em oito anos”. “São acordos que ultrapassam os 1.500 milhões de euros e são um compromisso do Governo com a reabilitação dos serviços públicos e o contrato de confiança com todas estas pessoas abandonadas pelo PS”, afirmou.
“Mau Orçamento de um mau Governo”
Antes, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, tinha falado de um “mau orçamento de um mau Governo”, cuja aprovação acaba com as “desculpas, manobras de diversão e vitimização”. Apesar de ser um "mau orçamento", o PS não votou contra.
“Apesar de este ser um mau Orçamento do Estado de um mau Governo, o PS privilegiou a estabilidade e fê-lo com sentido de estado e responsabilidade, honrando o seu compromisso com os portugueses”, justificou.
Com a aprovação do Orçamento, que será possível graças à abstenção do PS, “acabou a dramatização a que o Governo votou todo este processo”, defendeu Alexandra Leitão.
O PS, de acordo com a líder parlamentar do PS, “continuará a fiscalizar a atuação do Governo” e a apresentar propostas para resolver os problemas das pessoas. “A ser a alternativa em que os portugueses podem confiar: construtiva e responsável, mas também rigorosa, atenta, firme e assertiva”, comprometeu-se.
Ventura vê um "mérito" neste OE
André Ventura considerou que o OE2025 “é mau" e representa "a continuidade do PS" e concluiu que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, "não serve" ao país.
"Este é um mau Orçamento do Estado, que quer dar com uma e vai tirar com várias. Pretende fingir que vai baixar impostos mas vai manter a carga fiscal precisamente no mesmo ponto em que o PS a deixou. É um Orçamento que vai ser a continuidade do PS."
O líder do Chega considerou que o PS, ao anunciar a viabilização do documento, é uma "muleta deste Governo". "Já tínhamos o CDS muleta do Governo, agora temos o CDS e o PS a ser muletas deste Governo", acusou.
Reiterando que “este é o primeiro Orçamento do bloco central em muitas décadas”, o líder do Chega afirmou que “ao menos teve o mérito de deixar claro que PS e PSD estão agora juntos na governação do país, escolhem e definem os temas que os devem mobilizar e até definem a estrutura do orçamento”.
Um abraço
Com duras críticas ao texto da proposta orçamental do executivo minoritário PSD/CDS-PP, Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, ressalvou que "todo o texto tem o seu contexto" e criticou o PS. "Neste orçamento, o PS não escreveu o texto, mas o PS forneceu o contexto. E é talvez por isso que é obrigado a viabilizá-lo, mesmo dizendo que é mau para o país."
Já o secretário-geral do PCP acusou os socialistas de serem cúmplices do Governo ao viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 e permitir que Chega e Iniciativa Liberal votem contra uma proposta “com a qual estão profundamente de acordo”. Paulo Raimundo defendeu que a proposta apresentada pelo Governo devia “responder aos que criam a riqueza [os trabalhadores]” e “garantir a dignidade a quem trabalhou uma vida inteira”.
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, manteve a posição contra a proposta de Orçamento do Estado para 2025, por considerar que representa "um retrocesso" e tem as "prioridades todas ao contrário". "O Livre deixa muito claro: este Orçamento não serve, não traz progresso na ecologia."
João Almeida, que usou da palavra em nome do grupo parlamentar do CDS-PP, fez uma “nota simbólica e de relevo”, sublinhando que o documento “avança no combate à ditadura do gosto e aos complexos urbano-depressivos” por “devolver a tauromaquia à taxa de IVA aplicada às outras manifestações culturais”.
Já a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, frisou que a proposta orçamental não é aquilo que “os animais, o ambiente ou as famílias portuguesas esperavam” e “falhou em refletir as prioridades de um país que se quer mais justo, sustentável e moderno”.
Após a aprovação, e declarações aos jornalistas, o primeiro-ministro defendeu que o OE2025 é um documento do Governo, mas também corresponsabiliza PS e Chega por integrar “propostas importantes” dos dois maiores partidos da oposição.
A aprovação do Orçamento já estava anunciada, a partir do momento em que o PS se tinha comprometido a abster-se. Confirmaram-se os votos a favor dos dois partidos que apoiam o Governo, PSD e CDS-PP, a abstenção do PS e os votos contra dos restantes partidos da oposição – Chega, IL, BE, PCP, Livre e PAN.
Foi o primeiro Orçamento do Estado apresentado pelo XXIV Governo Constitucional, liderado por Luís Montenegro, e a aprovação na votação final global foi aplaudida de pé no parlamento pelas bancadas do PSD e do CDS-PP, enquanto o primeiro-ministro deu um abraço ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.