Ex-CEO da Stellantis acredita que a legislação europeia não ajudou o setor, mas o antigo ministro das Infraestruturas diz que são homens como Carlos Tavares que ajudaram a aumentar o problema
“Cegueira” e “falhanço dos líderes da indústria automóvel europeia”. João Galamba entrou ao ataque esta terça-feira, numa reação à entrevista concedida por Carlos Tavares, ex-CEO da Stellantis, à CNN Portugal.
O antigo ministro das Infraestruturas critica, através da sua conta na rede social Linkedin, as palavras do gestor, que deixou vários reparos à gestão do mercado de automóveis elétricos na União Europeia.
“Carlos Tavares parece acreditar na tese de que a incapacidade de inovação e competitividade da indústria automóvel europeia se deve (alegadamente) a um momento menos feliz do Parlamento Europeu”, começa por dizer João Galamba, referindo-se às críticas do gestor, que apontou o dedo à legislação criada pelos 27 em 2018 e à ausência de um estudo sobre o impacto que as medidas iam ter no setor.
Essa mesma legislação obrigava os Estados-membros e os fabricantes de automóveis a implementarem regras mais agressivas no mercado, nomeadamente uma produção mínima de 20% de veículos elétricos, algo que ainda não é cumprido.
Não é cumprido e, afirmou Carlos Tavares, não pode vir a ser aplicado, já que não há mercado na União Europeia para toda essa produção, até porque os automóveis elétricos são caros e os europeus não os conseguem pagar, de acordo com o gestor.
Mas João Galamba entende que é “difícil” entender o argumento de Carlos Tavares, mesmo sabendo que as marcas europeias estão com dificuldades - veja-se o caso da Volkswagen, que já anunciou milhares de despedimentos.
E a razão para que seja difícil entender o argumento de Carlos Tavares é, segundo João Galamba, a seguinte: “É que o argumento de Carlos Tavares é ilógico e soa mais a uma desresponsabilização do que uma análise do que quer que seja”.
“Se o Parlamento Europeu não tivesse apostado na promoção da mobilidade elétrica, as marcas europeias estavam melhores? Inovavam mais? Teriam produzido mais carros que os consumidores europeus (e os outros) quisessem comprar? Teriam mantido a sua vantagem e liderança no setor automóvel?”, questiona João Galamba, ele que trabalhou de perto, enquanto ministro das Infraestruturas, que já tinha legislado o setor como secretário de Estado da Energia.
“A lógica de Carlos Tavares é difícil de acompanhar. O setor precisava de clareza estratégica, visão de futuro e inovação, e não de líderes que enfiam a cabeça na areia e procuram bodes expiatórios para mascarar a sua própria incapacidade de competir e liderar a transformação de um setor”, continua o antigo ministro, deixando no ar que Carlos Tavares, que recentemente deixou a Stellantis, não teve capacidade para liderar um dos maiores grupos do mercado.
João Galamba até admite que se pudessem ter feito coisas diferentes, mas nunca pela “’neutralidade tecnológica’ de que fala Carlos Tavares”.
“Uma das últimas coisas que Carlos Tavares fez como CEO da Stellantis foi reconhecer a incapacidade do grupo que liderava na mobilidade elétrica, celebrando uma parceria estratégica com a Leapmotor, um fabricante chinês, para criar uma parceria global para uma indústria automóvel altamente competitiva na mobilidade elétrica. Segundo a lógica de Carlos Tavares, se o Parlamento Europeu não tivesse votado como votou, esta parceria não teria acontecido, a Stellantis e os outros produtores europeus teriam continuado a produzir os carros que produziam e, presumo, tudo estaria bem”, termina o antigo ministro, que não vê “nenhum” sentido nestes argumentos, ainda que Carlos Tavares pareça “achar que sim”.