Queiroz: «Futebol internacional de seleções e clubes corre graves riscos»

1 mar 2023, 10:47
Carlos Queiroz no Costa do Marfim-Egito (Themba Hadebe/AP)

Treinador português deixa alerta no dia em que comemora 70 anos. «No princípio treinavam-se heróis e ingénuos e românticos. (...) Hoje treinamos autênticas empresas com interesses por vezes até antagónicos na mesma equipa»

No dia em que completa 70 anos, Carlos Queiroz refletiu sobre a evolução do futebol ao longo das últimas décadas.

Numa entrevista à Federação de Futebol do Qatar, que serviu também para assinalar a chegada às quatro décadas de carreira, o homem que revolucionou o futebol português ao construir, ainda na década de 80, bases importantes sobretudo ao nível do futebol de formação, manifestou preocupação com a transformação do chamado desporto-rei.

«Não tenho a certeza se ainda podemos falar do mesmo jogo de futebol. Olho para o futebol contemporâneo e por vezes não sei bem do que estamos a tratar. Sim, este jogo ainda tem os vestígios da ética do futebol original, do seu romantismo, mas eu preferia chamar-lhe o jogo do "winning business", ou de uma outra coisa qualquer.»

Para Queiroz, as motivações financeiras estão hoje acima da competição e isso, adverte, acarreta perigos. «Hoje criam-se e calculam-se mais-valias financeiras, e logo lhe atribuímos o nome de um troféu qualquer. Daí, o futebol internacional de seleções e de clubes correr graves riscos.»

O técnico português, que treina seleções estrangeiras de forma sucessiva há mais de uma década considera que o papel do jogador mudou muito com o passar do tempo. E, com isso, também o do treinador, que hoje, numa posição de disse ser mais frágil, enfrenta desafios cada vez mais exigentes para a garantir um ecossistema saudável numa equipa. «No princípio treinavam-se heróis e ingénuos e românticos. Depois começámos a chamar-lhes profissionais. Mais adiante começámos a treinar milionários. Hoje treinamos autênticas empresas, verdadeiras companhias, com interesses diferenciados e por vezes até antagónicos na mesma equipa. Ao mesmo tempo, o treinador baixou na escala de valor e de importância - e algumas vezes por culpa própria. Cedemos espaço de importância e território de intervenção aos chamados agentes do futebol e aos media em geral, que se impõem numa postura e posição perversamente confortável: agentes que curiosamente nunca perdem jogos, mas que também nunca ganharam nenhum. E no entanto, aos treinadores cabe sempre, por responsabilidade e exigência própria, cuidar da génese do jogo e da sua única verdade aceitável: os três pontos E por isso a eles compete trabalhar o progresso, defendendo e promovendo ao mesmo tempo esse conceito sublime de triunfar em equipa e ao mesmo tempo zelar pela ética fundamental do jogo», assinalou.

Carlos Queiroz abordou também a evolução do treino em futebol, considerando que hoje em dia o que mais faz a diferença, da formação à alta competição, é o cérebro, vincando ainda o «potencial inovador do treino virtual».

Atualmente a iniciar um período à frente da seleção do Qatar, o treinador de 70 anos garantiu manter o desejo, inquietação e inconformismo do primeiro dia e passou em revista marcos importantes de uma longa carreira: o Mundial de 66, no qual Portugal ficou no terceiro lugar com a ajuda vital de jogadores moçambicanos (país onde nasceu), a conquista do primeiro Mundial sub-20 com Portugal (1989) e o Mundial de 82, no qual colaborou com a seleção brasileira na análise dos adversários. «Mas de todos, o marco mais importante da minha vida é o meu pai, também ele jogador e treinador de futebol. Não tendo sido capaz de ter sido melhor jogador do que ele, sobrou-me tentar ser melhor treinador. Não consegui nem uma coisa nem outra. A ele devo tudo e a ele dedico tudo», rematou.

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