Estado paga milhões a privados por radioterapia, mas doentes com cancro continuam à espera

5 nov, 20:54

Apesar de gastar milhões com clínicas privadas, o Estado não consegue garantir radioterapia atempada a todos os doentes oncológicos. Há quem espere meses para iniciar os tratamentos

O Estado português não tem capacidade para garantir radioterapia a todos os doentes com cancro. Em vez disso, encaminha milhares de pacientes para o privado, como é o caso das clínicas Joaquim Chaves e o Hospital SAMS, pagando milhões de euros. Ainda assim, há doentes que esperam semanas ou meses por um tratamento que pode fazer a diferença entre viver e morrer.

Patrícia Martins e Aline Cristófaro são duas dessas doentes. Ambas foram diagnosticadas com cancro da mama no Hospital de Cascais, que não dispõe de unidade de radioterapia. Os seus processos foram encaminhados para o Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO), que, por estar sobrelotado, sem capacidade para receber mais doentes nesta área de tratamento, as reencaminhou para clínicas privadas. Mas o tempo passou e o tratamento não chegou.

“Recebo uma chamada da Clínica Joaquim Chaves a dizer que iria então começar as sessões de radioterapia”, contou Patrícia, após quatro meses de espera. Aline, por sua vez, esperou três meses. “Cada dia que passa sem tratamento é uma oportunidade perdida de lutar. O tempo vale ouro”, desabafou.

Em 2024, o IPO tratou 4.311 doentes, dos quais 1.371 foram enviados para entidades privadas. Com esses encaminhamentos, o Estado gastou quase quatro milhões de euros. Em 2025, até julho, já foram tratados 2.555 doentes, 777 dos quais em clínicas externas, com um custo de cerca de 2,7 milhões de euros.

O IPO admite que sete aceleradores lineares estão a funcionar abaixo da capacidade por falta de médicos radioncologistas e físicos médicos. Para responder à procura, seriam necessários mais dois aparelhos e mais profissionais.

A presidente da Sociedade Portuguesa de Radioterapeutas, Isabel Lobato, reconheceu o esforço dos técnicos. “Tratar doentes oncológicos é quase um sacerdócio”, afirmou, alertando ao mesmo tempo para a falta de atratividade da profissão: “As pessoas pensam, e bem, que vão ganhar pouco para o trabalho que fazem.”

O IPO garante que os casos foram triados em cinco e treze dias, respetivamente, e que não se tratavam de situações clinicamente urgentes.

O Hospital de Cascais acrescenta que não tem registo de reclamações formais sobre atrasos imputáveis aos seus processos internos.

Já a Clínica Joaquim Chaves remeteu todas as questões para o IPO e o Hospital SAMS afirmou que agenda a primeira consulta no prazo de uma semana para avaliar o doente e definir o plano de tratamento.

“É uma multidão de pessoas, há centenas de casos, eu sou mais um. É preciso falar sobre isso, é preciso que nós sejamos vistos”, apelou Aline.

O Exclusivo contactou a Direção Executiva do SNS, que não respondeu. Já fonte próxima da Ministra da Saúde diz que é preciso melhorar o circuito das convenções com os privados, uma vez que no SNS não há, de facto, recursos humanos para tudo.

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