"Estamos a assistir a uma mudança". Mulheres jovens têm quase o dobro da probabilidade de terem cancro do que homens jovens

CNN , Jacqueline Howard
2 fev, 16:00
Cancro nas mulheres (CNN)

Charmella Roark lembra-se do choque que a fez parar quando soube do diagnóstico de cancro da sua irmã mais nova.

Em 2018, Kiki Roark escreveu no chat de grupo da família que lhe tinha sido diagnosticado cancro da mama em fase I - a mesma doença com que a tia tinha morrido apenas alguns anos antes.

“Fiquei incrédula”, conta Charmella, recordando o dia em que soube o diagnóstico da irmã. “É a minha melhor amiga.”

As irmãs de Nova Jersey nunca teriam imaginado que, quatro anos mais tarde, Charmella receberia o mesmo diagnóstico.

As irmãs Roark representam uma tendência que está a surgir nos Estados Unidos: cada vez mais mulheres jovens são diagnosticadas com cancro.

Um novo estudo sugere que as taxas de incidência de cancro estão a aumentar entre as gerações mais jovens em 17 dos 34 tipos de cancro, incluindo os cancros do cólon, da mama, do pâncreas e gástrico.

No início deste século, as taxas de cancro diminuíram entre os homens nos EUA, antes de estabilizarem, mas parecem estar a aumentar entre as mulheres, especialmente entre as jovens. Os diagnósticos de cancro estão a passar dos adultos mais velhos para os mais jovens e dos homens para as mulheres, de acordo com um estudo divulgado pela American Cancer Society.

As mulheres de meia-idade têm agora um risco de cancro ligeiramente mais elevado do que os homens de meia idade e as mulheres jovens têm quase o dobro da probabilidade de serem diagnosticadas com a doença, em comparação com os homens jovens, de acordo com o estudo, publicado no CA: A Cancer Journal for Clinicians. Aparentemente, os cancros da mama e da tiroide nas mulheres estão a impulsionar esta tendência crescente.

“Os cancros da mama e da tiroide representam quase metade de todos os diagnósticos de cancro em mulheres com menos de 50 anos”, afirmou Rebecca Siegel, principal autora do estudo e diretora sénior de investigação de vigilância da American Cancer Society.

"Estamos a assistir a algumas mudanças”

Kiki tinha 37 anos quando lhe foi diagnosticado um cancro da mama em agosto de 2018.

Uma dor aguda na axila tinha-se propagado para o peito e ela pediu a três médicos que lhe fizessem uma mamografia para verificar se tinha cancro. Mas todos eles lhe disseram que a mamografia era desnecessária na sua idade.

“Só porque eu era mais nova, sinto que não me levaram a sério”, afirma Kiki. “Mas eu continuei a insistir no assunto, a dizer: 'Não, algo não está bem'.”

Após vários meses de insistência, acabou por fazer uma mamografia. Os resultados revelaram sinais de cancro e uma biopsia confirmou o diagnóstico.

“Estava numa fase inicial”, afirma Kiki, mãe de três filhos que trabalha a partir de casa.

Para o tratamento, retirou os dois seios numa mastectomia dupla e recebeu o medicamento de terapia hormonal tamoxifeno.

Charmella apoiou a irmã durante todo o processo. E, nos anos que se seguiram, Charmella disse que se inspirou para manter os seus exames de rotina ao cancro da mama, realizando mamografias.

No verão de 2022, uma dessas mamografias revelou que Charmella, professora do ensino secundário e mãe de dois filhos, tinha cancro da mama em fase I. Tinha 44 anos na altura. 

Depois de receber o seu próprio diagnóstico, Charmella telefonou imediatamente a Kiki.

“Fiquei destroçada”, recorda Kiki. “A primeira coisa que pensei foi: outra vez não.”

Charmella começou rapidamente o tratamento: seis ciclos de quimioterapia e um mês de radioterapia.

Charmella e Kiki estavam entre as cerca de 1 em cada 3 mulheres nos EUA a quem será diagnosticado cancro em algum momento da sua vida.

Historicamente, os homens têm tido uma incidência global de cancro mais elevada do que as mulheres mas, em 2021, as mulheres com menos de 50 anos nos Estados Unidos tinham uma taxa de incidência de cancro 82% mais elevada do que os seus pares masculinos, de acordo com o novo estudo da American Cancer Society, que recorreu a dados do Instituto Nacional do Cancro, dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA e da Associação Norte-Americana de Registos Centrais de Cancro.

“Pela primeira vez, verificamos que as mulheres com menos de 65 anos têm mais probabilidades de desenvolver cancro do que os homens da mesma faixa etária”, observa William Dahut, diretor científico da American Cancer Society.

“Por outro lado, estamos a assistir a uma mudança - na altura do diagnóstico do cancro - na idade em que os doentes desenvolvem o cancro”, acrescenta Dahut.

“A idade continua a ser o fator de risco número um para o cancro em geral, e isso não mudou. Mas estamos a assistir a algumas mudanças”, afirmou. No conjunto dos homens e das mulheres, acrescenta, “o único grupo etário em que se verifica um aumento do risco de cancro, uma subida da incidência, é abaixo dos 50 anos.”

Um apelo a “defender-se a si própria”

Charmella, agora com 47 anos, e Kiki, com 44 anos, não têm cancro e estão bem, mas sabem que, como mulheres negras nos Estados Unidos, fazem parte de uma comunidade que enfrenta disparidades significativas nos resultados do cancro.

Embora as mulheres negras nos EUA tenham uma taxa de incidência de cancro da mama cerca de 4% inferior à das mulheres brancas, têm 41% mais probabilidades de morrer da doença, segundo dados anteriores da American Cancer Society.

O novo estudo mostra que estas grandes disparidades persistem.

“É mais provável que uma mulher branca desenvolva cancro da mama. As probabilidades de morrer de cancro da mama são maiores para as mulheres negras, sobretudo quando se olha para as populações mais jovens, onde as disparidades são maiores”, afirma Dahut.

De acordo com o estudo, a taxa de mortalidade de pessoas negras é duas vezes superior à das pessoas brancas no que se refere aos cancros da próstata, do estômago e do corpo do útero. Do mesmo modo, as taxas de mortalidade por cancros do rim, do fígado, do estômago e do colo do útero entre os nativos americanos são duas a três vezes superiores às registadas entre as pessoas brancas.

Também existem diferenças geográficas na ocorrência e nos resultados do cancro.

Em todo o país, as taxas de pessoas que morrem de cancro variam entre menos de 150 mortes por 100 mil pessoas no Utah, Havai e Nova Iorque e mais de 210 por 100 mil na Virgínia Ocidental, Kentucky e Mississippi.

Mas o novo estudo também revela alguns dados animadores.

As taxas globais de sobrevivência ao cancro estão a aumentar e a taxa de mortalidade por cancro nos Estados Unidos continua a diminuir, evitando quase 4,5 milhões de mortes entre 1991 e 2022 - o que resulta numa queda global de 34%, segundo o novo estudo.

“Ano após ano, observamos uma diminuição contínua na mortalidade relacionada com o cancro, e isso é muito importante”, assinala Mariana Chavez-MacGregor, professora do Centro de Cancro MD Anderson da Universidade do Texas em Houston, que não esteve envolvida no novo estudo.

Esta diminuição nas mortes por cancro deve-se em grande parte à redução do número de pessoas que fumam cigarros, à deteção precoce de alguns casos de cancro e aos avanços nas opções de tratamento, incluindo o desenvolvimento de novos medicamentos de imunoterapia e terapias específicas.

As irmãs Roark querem que as outras mulheres saibam que é importante defender o acesso a estes avanços médicos no que diz respeito ao rastreio e ao tratamento. As mamografias de rastreio são recomendadas para as mulheres de dois em dois anos, a partir dos 40 anos, exceto se a doente preencher outros critérios.

Digo sempre: “Defende-te a ti própria”, diz Kiki.

“Tive um especialista em mamas, um [ginecologista] e um médico de família que me disseram que não era nada”, afirma. “Se lhes tivesse dado ouvidos, não saberíamos onde estaria agora.”

O estudo da American Cancer Society prevê que, este ano, haverá mais de 2 milhões de diagnósticos de cancro - ou cerca de 5.600 novos casos por dia - e mais de 618 mil mortes por cancro nos EUA, o que corresponde a cerca de 1.700 vidas perdidas por dia.

O que justifica esta tendência?

À medida que a incidência de cancro entre os adultos mais jovens continua a aumentar, os médicos questionam-se sobre o que poderá estar por detrás desta tendência. Será apenas o facto de termos melhorado o rastreio e o diagnóstico de cancros, ou haverá factores do mundo real que colocam as pessoas em risco?

“Na minha opinião profissional, este fenómeno é multifatorial. Não podemos apontar um fator específico, mas é possível que as mudanças nos padrões de fertilidade desempenhem um papel”, afirma Chavez-MacGregor, referindo-se à forma como a gravidez e a amamentação têm sido associadas a um risco reduzido de cancro da mama mais tarde na vida.

“A obesidade e o consumo de álcool são fatores que provavelmente contribuem para isso, tal como a potencial falta de atividade física. Outras variáveis desconhecidas podem também estar em jogo”, como os fatores de risco ambientais, acrescenta.

Descobrir estas variáveis pode ajudar a chegar a formas de reduzir o risco entre os adultos mais jovens, diz  Neil Iyengar, um oncologista médico do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova Iorque, que não esteve envolvido no novo estudo.

“Existe, e é necessário que exista, uma maior mudança na investigação científica e nos recursos disponíveis para que a comunidade científica compreenda melhor como podemos ser mais eficazes na prevenção do cancro ou, pelo menos, na redução do risco de cancro”, afirma Iyengar.

“Precisamos certamente de compreender a biologia individual e a forma como podemos prevenir o cancro com base na biologia individual. Mas precisamos de alargar esse conhecimento para compreender o estilo de vida de uma pessoa, os seus riscos ambientais”, argumenta. “As exposições e os riscos de uma pessoa mais jovem são provavelmente muito diferentes dos de uma pessoa tradicionalmente mais velha com risco de cancro.”

O aumento da incidência do cancro nas faixas etárias mais jovens também pode ter implicações importantes para o futuro dos cuidados oncológicos, uma vez que alguns tipos de cancro em pessoas mais jovens podem necessitar de terapias mais agressivas, ressalva Iyengar.

“Temos de estar preparados para apoiar os nossos homens e mulheres mais jovens que estão a ser submetidos a terapias contra o cancro, porventura mais agressivas, ao mesmo tempo que têm famílias jovens e carreiras profissionais”, defende. “Isto vai desde considerações práticas - como a forma como programamos os tratamentos de quimioterapia, por exemplo, de modo a perturbar o menos possível a vida das pessoas, as suas carreiras e famílias - até aos tipos de tratamentos que estamos a utilizar.”

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