Cancros em pessoas com menos de 50 anos são cada vez mais comuns. Estudo revela que podemos estar perante uma epidemia

CNN , Por Brenda Goodman
17 out 2022, 08:00
Estudo considera que aumento de cancros em idades mais jovens pode ser início de epidemia (Imagem Getty)

Iana dos Reis Nunes tinha 43 anos quando disse ao marido que estava a sentir uma espécie de bolha no abdómen quando se deitava de lado. Uma ecografia detetou manchas no fígado, o que a levou a fazer análises ao sangue e uma colonoscopia.

"Tinha um tumor do tamanho do punho, mas não tinha dores nem problemas a nível de trânsito intestinal", recordou Brendan Higgins, marido de Iana, que trabalha como artista na cidade de Nova Iorque.

Quando os médicos detetaram o cancro do colorretal de Iana, este já se tinha propagado. Estava em estádio 4, o que significava que tinha alastrado para outros órgãos.

A família foi apanhada de surpresa.

"Ela tinha tido um bebé 15 meses antes deste diagnóstico, por isso tinha feito várias análises ao sangue, era seguida pelos médicos, fez ecografias... e não havia indicação de nada".

Quando o cancro surge num adulto com menos de 50 anos, os médicos consideram-no um caso precoce. Mas, os cancros em idades mais jovens estão a ser cada vez mais comuns.

Foto: Iana dos Reis Nunes tinha 43 anos quando lhe diagnosticaram cancro do colorretal.

Um novo estudo aos registos oncológicos de 44 países revelou que a incidência de cancros precoces está a aumentar rapidamente no cancro colorretal e noutros 13 tipos de cancros, muitos dos quais afetam o sistema digestivo, e este aumento está a ocorrer em muitos países de rendimentos médios-altos.

Os autores do estudo dizem que este aumento de casos em jovens adultos deve-se, em parte, aos testes mais sensíveis para alguns tipos de cancro,  como o da tiroide. Mas os testes não explicam completamente esta tendência, diz o coautor do estudo, Shuji Ogino, professor de patologia na Escola de Saúde Pública T.H. Chan, em Harvard.

Ogino diz que este pico se deve a uma mistura insalubre de fatores de risco que provavelmente trabalham em conjunto, uns que já são conhecidos, mas outros ainda têm de ser investigados. Salienta que muitos destes riscos já têm uma relação comprovada com o cancro, como a obesidade, o sedentarismo, a diabetes, o consumo de álcool, de tabaco, a poluição ambiental e as dietas ocidentais ricas em carnes vermelhas e em açúcares adicionados, já para não falar no trabalho por turnos e na falta de sono.

"E há também muitos fatores de risco desconhecidos, como um poluente ou os aditivos alimentares. Ninguém sabe", disse.

Ogino pensa que o facto de muitos destes cancros, oito em 14 estudados, envolverem o sistema digestivo, indica um papel preponderante da dieta e das bactérias que vivem no nosso intestino, o chamado microbioma.

"Penso que este é um dado realmente importante, porque indica uma alteração na prevalência de exposição em idades precoces, o que leva aos cancros  precoces", diz Elizabeth Platz, epidemiologista da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, que é também editora da revista Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, que não participou neste estudo.

Veja-se o caso da obesidade. Outrora, era rara. Não só se tornou mais comum ter um índice de massa corporal perigosamente elevado, como as pessoas estão a ficar obesas cada vez mais cedo, mesmo ainda na infância, o que leva a uma acumulação destes riscos oncológicos várias décadas mais cedo do que nas gerações anteriores.

Uma explosão do cancro colorretal nos adultos mais jovens

Este pico de cancro colorretal precoce, o mesmo que Iana dos Reis Nunes tinha, tem sido particularmente elevado.

O estudo de Ogino revelou que, ao longo dos anos do estudo, a subida média anual do cancro colorretal em adultos jovens foi de cerca de 2% nos EUA, Austrália, Canadá, França e Japão. No Reino Unido, foi de quase 3% por ano na Inglaterra, Escócia e País de Gales. Na Coreia e no Equador, foi de cerca de 5% por ano.

"Não parece muito, mas pensem na inflação: se for de 2% por ano, vai ser uma grande mudança daqui a 10 anos ou 20 anos", disse Ogino, acrescentando: "Não é de desvalorizar".

Entre 1988 e 2015, os aumentos anuais fizeram subir a taxa de cancro colorretal precoce de quase 8 por cada 100 mil pessoas para quase 13 por cada 100 mil pessoas, um aumento de 63%, segundo outro estudo recente publicado no The New England Journal of Medicine.

Estudos mostram que cerca de 1 em cada 10 cancros colorretais nos EUA é diagnosticado em alguém com uma idade compreendida entre os 20 e os 50 anos.

Quanto mais jovem, maior o risco

O estudo de Ogino encontrou o chamado efeito cumulativo, o que significa que o risco de um cancro precoce aumentou para cada grupo sucessivo de pessoas nascidas em anos seguintes. As pessoas nascidas nos anos 90 têm um risco mais elevado de desenvolver um cancro precoce durante a sua vida do que as pessoas nascidas na década de 80, por exemplo.

Outras neoplasias malignas que se manifestam nos jovens americanos incluem as do peito, endométrio, vesícula e ducto biliar, rim, pâncreas, tiroide, estômago e o das células plasmáticas no sangue, um cancro chamado mieloma.

Karen Knudson, diretora executiva da Sociedade Americana de Oncologia, chama a este estudo "um apelo às armas".

O cancro é um diagnóstico grave em qualquer idade, mas quando aparece em adultos mais jovens, os tumores são tipicamente mais agressivos e muitas vezes estão mais tempo sem serem detetados, porque o rastreio de rotina do cancro não é recomendado para alguns dos tipos mais comuns de cancro, como o da mama e da próstata, antes dos 50 anos de idade.

"Não só estes tipos de cancros precoces eram mais suscetíveis de serem diagnosticados quando o tumor já se encontrava numa fase mais avançada, como alguns dos relatórios aqui mencionados, associam estes tumores a uma menor taxa de sobrevivência", disse Knudson.

"Já não é uma doença de velhos"

Iana dos Reis Nunes iniciou o tratamento em 2017, nos centros oncológicos de Sloan Kettering e Mount Sinai, em Nova Iorque.

O marido recorda que os médicos disseram que era uma das pacientes mais jovens que estavam a tratar.

"Lembro-me de ser um ponto de debate em ambos os hospitais, o facto de os doentes com cancro do cólon serem cada vez mais jovens, algo que os médicos não conseguiam explicar", disse Higgins.

Higgins diz ter passado muito tempo em grupos de apoio na Internet, à procura de respostas e conforto.

"E havia muitos jovens nesses grupos", disse. "Não eram grupos frequentados por pessoas na casa dos 50 e 60 anos. Tinham 30, 40, 50 anos. Por isso, tive a noção de que esta já não era uma doença de velhos", disse ele.

De facto, o rastreio de rotina, com colonoscopias e análises que verificam a presença de sangue oculto nas fezes, fez diminuir os casos de cancro colorretal e tornou-o menos fatal nos adultos mais velhos, mesmo com os casos a dispararem naqueles com menos de 50 anos.

Knudson diz que três coisas deveriam acontecer na sequência de grandes estudos definitivos como este.

"Uma é um apelo à investigação, para que compreendamos verdadeiramente algumas das tendências específicas que estamos a ver", refere.

Em segundo lugar, Knudson quer ver uma maior consciência dos riscos, o que poderá ajudar as pessoas a modificarem o seu comportamento, de modo a controlarem os riscos que podem controlar.

Em terceiro lugar, na sua perspetiva, os grupos que fazem recomendações para os rastreios do cancro devem reavaliar a idade de início desses rastreios. É possível que alguns devessem começar em idades mais precoces.

Na verdade, isso já está a acontecer.

No ano passado, a crescente incidência de cancro do cólon em adultos mais jovens levou a força-tarefa dos Serviços de Prevenção em Saúde dos EUA a baixar para 45 anos a idade recomendada para o rastreio inicial do cancro do cólon.

"Se tem cerca de 45 anos, devia realmente pensar em fazer este rastreio e não esperar até aos 50 ou 55 anos", disse Higgins.

Ele disse que os primeiros 12 meses de tratamento oncológico da sua esposa foram quase milagrosos, "com reações notáveis à quimioterapia".

"E depois, por acaso até li sobre isto, tudo pode descambar muito rapidamente", disse ele. "E assim que isso aconteceu, ela piorou muito depressa".

A sua esposa morreu em 2019, deixando três filhos, um de 11, outro de 20 anos e a mais nova, Maeve, ainda nem tinha 4 anos.

"Vivemos uma grande história de amor", disse ele. "Ainda estou amargurado. Ainda estou zangado. A vida não é má. Todos estamos bem. Mas eu, no fundo, ressinto-me por isto lhe ter acontecido. Ela era uma pessoa muito boa".

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