"Que dia bom", o pembrolizumab chegou ao SNS (Vera tinha hipotecado a casa para ter acesso a este medicamento inovador)

13 abr 2023, 17:18
Cancro da mama (Pexels)

Decisão do Infarmed dá esperança a muitas famílias a lutar contra o cancro da mama triplo negativo, que é raro e resistente. Mas também lhes dá receios quanto ao acesso e à continuidade dos tratamentos que já estão a fazer no privado

Portugal autorizou a utilização no Serviço Nacional de Saúde de um medicamento inovador - o pembrolizumab - para o tratamento do cancro da mama triplo negativo. É permitida a utilização como “tratamento adjuvante pós-cirurgia” para doentes com este cancro localmente avançado ou “em estado precoce com elevado risco de recorrência”.

A autorização para um Programa de Acesso Precoce (PAP) consta já no site oficial do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, com data de 5 de abril. E foi também confirmada às famílias que foram ao longo dos últimos meses contactando esta entidade no sentido de obter a aprovação.

“É fantástico. Para nós é um dia muito bom. Ainda esta semana falei com uma doente que estava desesperada porque não sabia como ia ter acesso a este tratamento”, reage Vera Almeida, médica e autora de uma petição a exigir o acesso precoce ao pembrolizumab, que reuniu praticamente 30 mil assinaturas.

Vera Almeida foi diagnosticada em setembro de 2022 com cancro da mama triplo negativo. Ao saber deste tratamento inovador, entrou logo em contacto com o Infarmed. Com a demora de resposta, iniciou o tratamento no privado, pagando todos os custos.

No caso de Vera, as 17 sessões de tratamento na Fundação Champalimaud vão ter um custo na ordem dos 100 mil euros. Mas, consoante o plano de tratamento e a duração, este valor pode ser facilmente ultrapassado. “Tínhamos uma estabilidade financeira que permitiu reservas e fizemos uma hipoteca secundária da casa”, conta à CNN Portugal.

Tal como Vera Almeida, muitas outras famílias têm-se visto desesperadas com o diagnóstico de cancro da mama triplo negativo, que é raro e muito resistente aos tratamentos. Viam na combinação do pembrolizumab com a quimioterapia uma esperança adicional na cura - mas os custos são muito elevados.

A resposta do Infarmed traz essa alegria mas também preocupações, uma vez que é indicado que são 50 os doentes incluídos no Programa de Acesso Precoce. “E doentes com metástases não podem ainda receber o fármaco, apesar de terem tumores mais avançados e graves, porque o PAP para estes não foi ainda autorizado”, lembra Vera Almeida.

Por isso, assegura esta médica, a luta vai continuar “na busca por igualdade de cuidados para todos”. A CNN Portugal contactou o Infarmed no sentido de obter esclarecimentos adicionais mas não obteve resposta até ao momento.

Receios de bloqueios no acesso

Nuno Oliveira, marido de uma doente com cancro da mama triplo negativo, recebeu a notícia com cautela, lembrando que o acesso a este medicamento está sempre sujeito a uma autorização prévia e assente no número que consta no site do Infarmed, limitado.

A mulher de Nuno, Cláudia, está também a ser seguida na Fundação Champalimaud, tendo um seguro de saúde privado com cláusula para doenças oncológicas que lhe permite cobrir as despesas. Mas a preocupação deste assistente social é que quem já está a ser seguido nesta instituição não tenha acesso à comparticipação pública, por exemplo, através da ADSE. E que só seja possível ter esse apoio passando o processo de tratamento para o serviço público.

O pembrolizumab já era utilizado em Portugal para o tratamento de outros cancros, como o do pulmão. Vários estudos internacionais têm destacado a efetividade do uso deste medicamento no tratamento do cancro da mama triplo negativo. Mas o Infarmed, até este momento, não tinha autorizado o seu uso no Serviço Nacional de Saúde para este tipo de cancro.

Isto porque o Infarmed considerava que faltavam dados que comprovassem a sua eficácia no caso do cancro da mama triplo negativo e que não estavam “cumpridos os pressupostos para a sua utilização excecional (ausência de alternativa terapêutica em que o doente corra risco imediato de vida ou de sofrer complicações graves)” - uma resposta que deixou perplexos muitas doentes, como Vera Almeida, que lembra que "não existe nenhuma alternativa equivalente".

Na petição, os doentes defendiam a sua “combinação com quimioterapia como tratamento neoadjuvante e, de seguida, continuado em monoterapia como tratamento adjuvante após cirurgia”.

O pembrolizumab está autorizado em Portugal desde 2016.

Número de novos diagnósticos ultrapassa o de possíveis autorizações

Segundo dados cedidos à CNN Portugal, no IPO de Lisboa a média anual de novos diagnósticos triplo negativo rondou os 130 nos últimos cinco anos.

Nos últimos três anos, o total de doentes em seguimento “tem vindo a aumentar ligeiramente e ultrapassa as 300”. Segundo o IPO de Lisboa, apesar do lado agressivo da doença, não implica um prognóstico fatal: “Por exemplo, o cancro da mama triplo negativo localizado (não localmente avançado) apresenta uma sobrevivência global aos 5 anos entre 80%-91%”; e “nos casos localmente avançados, a sobrevivência pode diminuir para 65%”.

Já o IPO do Porto, assente em dados relativos a 2020, recebeu 82 novas admissões com cancro da mama triplo negativo. Fica a ressalva de que o uso de pembrolizumab pode não ser aplicável e/ou recomendado a todos estes casos identificados pelas duas unidades.

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