Casal russo que acolheu ucranianos em Setúbal garante que "não transmitiu dados" à Rússia. "Estou disposto a ser submetido a uma máquina da verdade"

13 mai 2022, 09:39
Igor Khashin em representação do Conselho Coordenador de Compatriotas Russos em Portugal

REVISTA DE IMPRENSA. Igor Khashin e a mulher, Yulia Khashina, explicam porque participaram no acolhimento a refugiados ucranianos e garantem que não transmitiram qualquer dado às autoridades russas. Sobre as ligações ao regime de Putin, Khashin diz que é "pró-humano" e ajuda quem sofre perseguição

O casal russo Igor Khashin e a mulher, Yulia Khashina, falou pela primeira vez desde que estalou a polémica com o acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal, garantindo que não enviou qualquer informação dos refugiados acolhidos para as autoridades russas e que apenas participou no acolhimento devido "à experiência de trabalho na área de imigração".

"Tudo começou de repente e ninguém estava preparado, também houve pessoas que nos contactaram diretamente e perguntaram o que se podia fazer", afirmou Igor Khashin em entrevista publicada nos jornais Público e O Setubalense.

Recorde-se que o casal, que esteve envolvido no processo de acolhimento liderado pela Câmara Municipal de Setúbal, tem trabalhado no âmbito da Edinstvo, Associação de Imigrantes dos Países do Leste, e é dado como próximo do regime de Vladimir Putin: Igor Khasgin, além de membro da Edinstvo, é antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos. A mulher é funcionária municipal em Setúbal.

Os dois garantem que foram contactados, no início da guerra, por ucranianos, uma vez que vivem em Portugal "há mais de 20 anos".

"A nossa associação foi fundada em 2002 para dar resposta às necessidades dos imigrantes, trabalhamos com todos. A maior parte da associação são imigrantes do Leste, sendo a maioria ucranianos, moldavos, russos. Mas russos são muito poucos", disse Igor Khashin, garantindo também que não é espião russo: "Não transmiti os dados [dos refugiados] à embaixada nem a qualquer autoridade russa. E estou disposto a ser submetido a uma máquina da verdade." 

O russo garantiu ainda que trabalhou no acolhimento aos refugiados na qualidade de voluntário e que usava computadores fornecidos pela Câmara Municipal de Setúbal, sempre acompanhado por uma técnica da autarquia. "Era ela quem preenchia os formulários", explicou, referindo-se à documentação necessária para submeter ao SEF o pedido de proteção temporária

“Temos de digitalizar os documentos e anexar na plataforma. As questões, colocadas pela plataforma do SEF, e não por nós, são o nome da mãe, nome do pai, local de nascimento, agregado familiar. Tem de ir tudo preenchido”, detalhou Yulia Khashina.

Os processos, em papel, eram guardados no gabinete da câmara e o único sítio para onde foram encaminhados foi o Instituto de Emprego e Formação Profissional, para inscrição no curso de Português, indicou também o cidadão russo. 

Sobre se falava com os refugiados em russo, disse que sim, mas que percebia ucraniano, e recordou que no Leste da Europa, o russo “é praticamente como o inglês na Europa ocidental”, uma “língua de comunicação, de instrumento”.

“Nós nem pensámos nessa questão, de quem vai atender os refugiados, se russos ou ucranianos. Não pensámos mesmo. Havia uma situação de urgência que ninguém esperava”, acrescentou Yulia.

Khashin diz que é "pró-humano"

O casal contou ainda que a associação que fundou atendeu milhares de imigrantes em 20 anos, a maioria ucraniana – “porque é a comunidade mais representada “ –, e que tudo foi feito “com boa intenção e de acordo com todos os procedimentos estabelecidos”.

“Ficámos numa situação em que nós é que temos de provar que não somos maus. Fiquei chocada”, desabafou Yulia, lamentando: “O nosso trabalho de 20 anos foi destruído num dia.” 

Ambos disseram ver a guerra na Ucrânia como “uma tragédia” e, quanto à investigação da judiciária, Igor respondeu: “A Judiciária faz o seu trabalho, que faça o que deve fazer, nós não temos nada a esconder.”. Também referiram que nunca fizeram perguntas para tentar identificar combatentes na Ucrânia.

"Para o preenchimento de dados, temos de perguntar sempre relativamente ao agregado familiar. No atendimento, as próprias pessoas falavam de pai, mãe, familiares que ficaram lá", afirmou Igor. "Agora, obter esses dados para recolha, para registo ou enviar a alguém? Não!", assegurou. 

A propósito das ligações ao regime russo, Khashin garantiu que está apenas do lado das pessoas. "Na minha situação, é irresponsável apontar se estou de um lado ou do outro. Eu sou do lado humano. Se é necessário dar uma ajuda às pessoas que precisam, refugiados e outras pessoas do Leste que também sofrem alguma perseguição ou pressão, eu ajudo. É incorreto e irresponsável dizer que eu estou por um ou outro regime. Estou em Portugal há 20 anos. Sou pró-humano e o que me interessa é o que vai acontecer neste momento a todas as comunidades em Portugal."

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