Com os termómetros a passar os 40ºC nos próximos dias, há que perceber o que causa esta repentina onda de calor e quais as consequências
Os especialistas chamam-lhe “crista anticiclónica”, que é como quem diz uma área alongada de alta pressão atmosférica, associada a um anticiclone. “É como se fosse uma língua de altas pressões”, exemplifica o climatologista Carlos Câmara, referindo-se ao prolongamento estreito de uma área de alta pressão que avança entre zonas de pressão mais baixa, mais concretamente “sobre a Europa, passa a norte de Portugal e depois entra por França e estende-se pela Alemanha”.
Os termos soam de forma estranha, mas esta subida acentuada das temperaturas - que vão ultrapassar os 40ºC em algumas zonas de Portugal Continental - “não é completamente inédita”, tem vindo a repetir-se nas últimas três décadas e é consequência direta das alterações climáticas, assegura o especialista, que esteve no CNN Primetime desta quinta-feira.
A culpa do calor excessivo é de um já velho conhecido: anticiclone dos Açores, que, segundo o Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), “se irá estender em crista para o Golfo da Biscaia, e um vale depressionário que se estende desde o norte de África até à Península Ibérica”, dando origem “ao transporte de uma massa de ar proveniente do norte de África, favorável a uma situação meteorológica de tempo quente e seco”, como se lê no site do organismo.
“Quando temos um anticiclone, se há baixas pressões, os ventos convergem e depois sobem. Se houver altas pressões, [o que acontece] é exatamente o contrário: afastam-se e descem, e, como descem, a pressão vai aumentando; à medida que descem são comprimidos e aquecem”, explica Carlos Câmara, mantendo o tom de aula de Meteorologia: “Se eu tiver altas pressões sempre no mesmo sítio durante dias e dias, aquilo a que se costuma chamar uma cúpula de calor, o que vai acontecer é que esse mecanismo de estar continuamente a comprimir o ar vai torná-lo cada vez mais quente e mais seco. Esta é uma situação que não é inédita.”
França foi recentemente alvo de uma onda de calor extremo, seguida de tempestades, que causaram dois mortos e 17 feridos. E é possível que o mesmo aconteça em Portugal - aliás, está já prevista chuva e trovoadas para algumas localidades no domingo, mesmo que os termómetros continuem a rondar os 40ºC - qual fenómeno meteorológico que parece saído de um filme de ficção científica, mas que está longe de ser ficção. “Não só é possível como na próxima semana pode haver trovoadas secas [em Portugal]”, atira Carlos Câmara, que não hesita em apontar o dedo às alterações climáticas.
“O que tem acontecido é que nos últimos 30 anos têm começado a aumentar o número destas ondas de calor e isso tem que ver com alterações climáticas, não há dúvida absolutamente nenhuma, porque, por um lado, a teoria assim o demonstra, por outro lado, modelos físico-matemáticos são capazes de reproduzir o que estou a dizer e, finalmente, as observações estão aí para o comprovar”, adianta o especialista.
Mas como se explica a chegada de tempestades de chuva depois de dias secos e quentes? Com teorias que parecem contraditórias, mas que não são. “Quando eu tenho ar quente, mas se depois tiver alguma humidade, o que vai acontecer - e agora vai parecer que estou a contradizer-me - [é que] podem formar-se tempestades locais, em que o ar sobe e como tem humidade, essa humidade condensa, ao condensar liberta muito calor e vai provocar tempestades como se viram estas tempestades em França”, explica Carlos Câmara, apontando como prováveis “condições que geram instabilidade, trovoadas com chuva ou até secas que podem produzir incêndios”, a consequência mais indesejada, aquilo que chama de “surpresas “muito desagradáveis” depois do bom tempo.
O especialista alerta que “é preciso não esquecer que tivemos uma primavera muito chuvosa” e que a vegetação está “altíssima”, qual rastilho ignitor para as chamas. “Havendo uma vaga de calor ou temperaturas altas, que infelizmente é aquilo que se prevê que venha a acontecer este verão, em termos estatísticos os modelos assim o indicam, havendo [também] muita abundância de biomassa, vegetação, que ficando seca e havendo condições meteorológicas, como ondas de calor, poderemos ter surpresas muito desagradáveis este verão”, conclui.