Aumento do risco de cancro do útero em troca do cabelo perfeito? A escolha difícil que enfrentam as mulheres negras

CNN , Por Faith Karimi
30 out 2022, 16:00
No que diz respeito ao cabelo, as mulheres negras enfrentam uma escolha difícil

Eris Eady estava a percorrer as redes sociais, esta semana, quando viu o título de uma notícia que associava os produtos químicos de alisamento do cabelo a um aumento do risco de cancro do útero. Parou.

No início dos anos 2000, Eady trabalhava como esteticista e utilizava frequentemente os produtos para alisar o seu cabelo e o de outras mulheres. Nessa altura, afirma, as escolas de estética raramente tinham aulas sobre como cuidar do cabelo natural das mulheres negras; quem tinha interesse em saber, tinha de aprender sozinho.

“Não era um local onde o cabelo natural pudesse prosperar. Era um ambiente complicado para ficar enraizado – passo o trocadilho”, afirma.

Eris Eady

Eris Eady afirma que sempre que alisava o cabelo, ficava com feridas no couro cabeludo. Contra as recomendações da mãe, que receava que fosse discriminada, deixou de colocar produtos químicos no cabelo e passou a usá-lo de forma natural. Mas pagou um preço pelo seu cabelo curto natural: as pessoas dirigiam-lhe insultos homofóbicos.

Quase duas décadas depois, Eady diz que se preocupa com as consequências para a saúde desse período da sua vida em que alisava o cabelo. A sua ansiedade aumentou esta semana, quando leu sobre o novo estudo e como as mulheres negras podem ser mais afetadas, devido à sua maior utilização de desfrisantes e outros produtos de alisamento do cabelo.

“Usei desfrisantes durante muito tempo, portanto, isto poderá ainda afetar-me”, diz Eady, que trabalha como líder de diversidade numa ONG, em Cleveland, Ohio. “Tenho 38 anos e não tenho filhos. Assim, quando vi isto questionei-me: ‘será que é esta a razão?’ Não tenho tentado engravidar, mas também não tenho tentado não engravidar”.

O estudo deixa as mulheres que utilizam os produtos sem saber se devem reduzir a sua utilização ou de devem deixar de utilizá-los completamente.

Também reforça um dilema que muitas mulheres negras enfrentam, algumas das quais utilizam produtos de alisamento do cabelo para estarem de acordo com os padrões de beleza caucasianos. A investigação demonstrou que as mulheres negras com penteados naturais, incluindo “afros”, torcidos, tranças e rastas, podem enfrentar discriminação racial no local de trabalho.

Então, o que fazer? Usar o cabelo natural e potencialmente prejudicar a carreira? Ou alisá-lo e arriscar a saúde?

Algumas mulheres negras afirmam que sentem a pressão social e económica para alisarem o cabelo

A investigação publicada na segunda-feira, no Journal of the National Cancer Institute, descobriu uma ligação entre a utilização de determinados produtos de alisamento do cabelo, como desfrisantes químicos e produtos de prensagem, e um risco aumentado de cancro do útero – a forma de cancro mais comum no sistema reprodutivo feminino.

A associação entre os produtos de alisamento do cabelo e os casos de cancro do útero foi mais acentuada em mulheres negras, que compunham 7,4% dos participantes no estudo, mas quase 60% dos que comunicaram algumas vez terem usado alisadores.

“A conclusão é que a carga da exposição parece ser mais elevada entre as mulheres negras”, afirma Chandra Jackson, uma das autoras do estudo e investigadora no National Institute of Environmental Health Sciences.

As conclusões seguem um estudo semelhante, de 2019, que associava a utilização de tinta de cabelo permanente e alisadores de cabelo químicos a um risco mais elevado de cancro da mama. O risco era superior a seis vezes mais alto para as mulheres negras.

Os especialistas afirmam que vários fatores levam as mulheres a utilizar produtos de alisamento do cabelo, incluindo os padrões de beleza eurocêntricos e um desejo de versatilidade na mudança de penteados e autoexpressão.

A investigação sugere que os alisadores de cabelo contêm produtos químicos que podem ser nocivos. (Adobe Stock)

Mas algumas mulheres negras e latinas também afirmam que sentem pressão social para usar o cabelo de uma forma que reduza as microagressões e a discriminação no local de trabalho.

Um estudo de 2020 da Michigan State University concluiu que cerca de 80% das mulheres negras afirmam que alteram o estado natural do seu cabelo porque consideram-no essencial para o êxito social e económico.

Estudos desse mesmo ano, de investigadores da Fuqua School of Business da Duke University, concluíram que as mulheres negras com penteados naturais têm menor probabilidade de conseguirem entrevistas de emprego do que as mulheres brancas ou as mulheres negras com cabelo alisado. Os participantes nos estudos afirmaram que percecionavam os penteados negros como menos profissionais.

Mas com os riscos para a saúde associados aos produtos químicos de alisamento do cabelo, a escolha para algumas mulheres reduz-se simplesmente a escolher o menor de dois males, afirma Nsenga Burton, crítica de cultura e codiretora de Concentração de gestão de cinema e multimédia, na Emory University.

“As mulheres negras não devem ter de escolher entre ascender aos padrões de beleza dominantes para se manterem empregadas e arriscar as suas vidas para fazê-lo”, afirma Burton. “É mais do que um dilema irresolúvel: é loucura e discriminação”.

Burton afirma que, embora as atitudes estejam a mudar e as pessoas estejam a ficar mais recetivas aos penteados negros naturais, o preconceito continua a ser um problema no local de trabalho.

Burton passou ao penteado natural na década de 2000 e usa o cabelo em mechas, um estilo no qual os fios de cabelo natural individuais são entrelaçados. Planeia manter o seu cabelo dessa forma.

“Se puder salvar vidas, mais uma razão para fazê-lo”, afirma.

Autora afirma que as atitudes em relação ao cabelo natural estão a mudar

Jasmine Cobb, professora de Estudos Africanos e Afro-americanos da Duke University e autora de “New Growth, The Art and Texture of Black Hair”, questiona-se se glorificar o cabelo liso é uma reminiscência de uma cultura que já mudou há muito tempo. Cobb diz que deixou de colocar produtos químicos no cabelo na década de 2000.

“Pergunto de alisar o cabelo ainda traz benefícios sociais no século XXI ou se estamos a agarrar-nos a ideias sobre o valor de alisar o cabelo de há mais de 50 anos”, afirma.

De qualquer forma, um conceito não evoluiu muito, diz: “A sociedade continua a promover cachos compridos e fluidos, quer o cabelo seja liso, quer texturizado”.

A normalização do cabelo liso e comprido começa nos primeiros anos de vida, mesmo nos desenhos animados infantis, afirma Keisha L. Bentley-Edwards, professora associada de medicina, da Duke University.

Bentley-Edwards diz que cortou o cabelo curto há muitos anos e depois mudou para rastas. A maioria das pessoas sentiam-se mais desconfortáveis com as suas rastas, porque eram compridas e fluidas, do que com o seu cabelo curto, afirma.

Muitas mulheres negras preferem penteados mais naturais, embora estes possam trazer as suas próprias dificuldades. (Adobe Stock)

Mas uma coisa que mudou desde que as duas mulheres começaram a usar o seu cabelo de forma natural, há cerca de duas décadas, é a quantidade de recursos disponíveis agora para as pessoas que decidam usar o cabelo natural, incluindo novos produtos naturais e influencers das redes sociais que promovem a beleza natural.

E, em 2019, os legisladores dos EUA redigiram a lei CROWN, que proíbe a discriminação racial baseada nos penteados e na textura do cabelo, incluindo tranças, mechas ou torcidos. Pelo menos 18 estados dos EUA, incluindo Nova Iorque, Califórnia e Maryland, aprovaram a lei, cujo nome significa Criar um mundo respeitoso e aberto para o cabelo natural (Create a Respectful and Open World for Natural Hair).

Os especialistas afirmam que com estudos a associar os produtos de alisamento do cabelo a riscos de saúde, as proteções legais da lei não podem chegar com rapidez suficiente.

Um estudo de 2016 do Environmental Working Group concluiu que um em 12 produtos de beleza e cuidados pessoais comercializados para mulheres afro-americanas, nos EUA, continham “ingredientes altamente nocivos”. O relatório referia os desfrisantes, as tintas para o cabelo e os descolorantes como os produtos mais perigosos.

“As evidências sobre o impacto químico do alisamento estão a aumentar e a começar a superar os presumíveis benefícios sociais atribuídos ao cabelo alisado”, afirma Cobb. “A devastação do cancro supera o stress de satisfazer as normas sociais em torno da beleza, que estão a mudar”.

Algumas mulheres afirmam que o cabelo liso é mais ‘controlável’

Algumas mulheres mantêm que alisam o cabelo por razões não relacionadas com a conformidade com um padrão de beleza específico.

Mercy Owusu, consultora de uma ONG do Gana, sedeada na cidade finlandesa de Espoo, afirma que aplica desfrisante no cabelo frequentemente para torná-lo mais fácil de controlar.

“Na maioria das vezes, gosto de segurá-lo num rabo de cavalo e não consigo fazer isso com o meu cabelo natural; não terá o mesmo aspeto cuidado, porque tenho cabelo muito espesso”, diz.

Mercy Owusu

Owusu afirma que, no passado, não prestou muita atenção a estudos que associam os produtos químicos para o cabelo ao cancro. Parte da razão para ter continuado a alisar o cabelo prende-se com a falta de recursos para controlar o cabelo natural, diz.

Mas, depois de ouvir falar do mais recente estudo, Owusu diz que planeia reduzir o número de vezes que desfrisa o cabelo. E não irá utilizar qualquer produtos químicos no cabelo da sua filha de 8 anos, afirma.

No entanto, Cobb, discorda da ideia de que o cabelo negro não é controlável sem produtos de cuidados capilares.

“Por que motivo acreditamos que o cabelo negro é, no seu estado natural, incontrolável?”, pergunta. “Alisar o cabelo custa tempo e dinheiro, especialmente a manutenção. Quando dizemos que o cabelo liso é mais controlável, não estamos a ter em conta os custos e as consequências físicas associados a um regime de alisamento regular”.

Para as mulheres negras, estas preocupações de saúde acrescentam uma nova complicação à sua vida quotidiana

Bentley-Edwards, a professora da Duke University, afirma que o estudo recente deve fazer as mulheres negras refletirem, especialmente as que apresentam fatores de risco adicionais, tais como antecedentes familiares de cancros reprodutivos. Ela diz que, num estudo de 2011, os investigadores também observaram uma relação entre os desfrisantes capilares e miomas uterinos, ou tumores.

“É necessário compreender mais sobre como os ingredientes de alisamento do cabelo interagem com o sistema reprodutor e outros aspetos da saúde”, afirma. “Quais são os mecanismos biológicos envolvidos?”

Todas as mulheres com quem a CNN falou afirmam que as conclusões do novo estudo são extremamente preocupantes, por muitos motivos.

E afirmam que a investigação acrescenta uma nova camada de complicações para as mulheres negras nos Estados Unidos da América, que, por vezes, têm de fazer cedências só para se manterem à tona.

“Não penso que tenhamos deixado de levar estes estudos a sério”, afirma Eady. “Apenas fizemos o que tínhamos de fazer para sobreviver. E, por vezes, isso significa mudar quem somos para conseguirmos prosseguir com a vida. É uma ferramenta de sobrevivência.”

Jacqueline Howard da CNN contribuiu para este artigo.

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