Autonomia de 400 km em cinco minutos? Anúncio da BYD é "disruptivo", torna "tudo mais fácil" e mostra que "China está anos à frente" nas baterias

25 abr, 22:00
BYD (foto: Eugene Hoshiko/AP)

 

 

BYD tem hoje uma relevância e uma quota de mercado muito relevante. Agora, o que é que isto vai representar? Não sabemos, para ser o mais honesto possível. Não estou a precaver-me, mas o que eu sei é que existem alguns desenvolvimentos no mesmo sentido. É evidente que a BYD vai à frente e pode aumentar a quota de mercado, mas há outros que também estão a aproximar-se deste anúncio

O condutor que sempre disse 'eu não quero um elétrico', provavelmente, está perto de um dia dizer 'eu não vou andar de carro'. Não haverá como escapar a este envolvimento todo do que são os carros elétricos. Contudo e como estamos fartos de dizer, é provável que o carro elétrico não seja a única solução para a mobilidade, mas hoje é o que temos.

Os 30% que há muito pouco tempo estavam anunciados como diferença entre automóveis elétricos (7:06) ou a combustão, provavelmente, também já não são 30%, são menores e esse também é o caminho de diminuir esse diferencial para que se tenha preços mais em conta os para os consumidores europeus.

 

 

O Observatório do Automóvel Club de Portugal dá conta que os carros elétricos já representam 3,5%  da quota de mercado em Portugal, sendo que os principais adeptos deste tipo de veículos são mulheres entre os 35 e os 44 anos e maiores de 75 anos e, sobretudo, de classe social mais alta.

Em contraponto, dois em cada cinco automóveis nas estradas nacionais têm entre 

Aproximadamente 2 em cada 5 automóveis tem entre 14 e 5 anos (43%), verificando-se uma subida de 7pp de automóveis novos (22% com automóveis com 4 ou menos anos).

Marcas francesas e alemãs no topo das preferências dos portugueses: Renault (10%), Peugeot (9%) e Mercedez-Benz (8%).

A maioria (62%) faz no máximo até 1000 km por mês (descida de 5pp face a 2023).

• 45% (descida de 10pp face a 2023) admite a possibilidade do próximo carro que comprar ser elétrico sobretudo pela preocupação com o ambiente e a

economia. Para 51% (subida de 9pp) é pouco ou nada provável a compra de um carro elétrico, sendo o preço, a autonomia e a demora nos carregamentos os

principais entraves.

• A maioria (70%) considera pouco ou nada provável a compra de um carro elétrico usado, sendo o estado da bateria o principal entrave.

 

A CNN Portugal ouviu a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel e Helena Braga, investigadora da Universidade do Porto. O resumo é este: "É cada vez mais certo que não haverá como escapar aos elétricos", mas também mais notório o fosso científico entre Europa e China

A Build Your Dreams (BYD) anunciou recentemente a "Super E-Platform". A nova promessa chinesa para os carros elétricos é a seguinte: carregar um carro da marca durante cinco minutos vai passar a permitir percorrer 400 quilómetros de estrada, atingindo uma velocidade máxima de carregamento de dois quilómetros por segundo.

Um mês depois, foi a maior produtora de baterias do mundo quem voltou a elevar a fasquia na corrida aos elétricos: 520 quilómetros em apenas cinco minutos de carregamento. A empresa chinesa CATL está ainda a anunciar que a segunda geração do modelo de baterias Shenxing terá uma autonomia de 800 quilómetros e uma velocidade máxima de carregamento de 2,5 quilómetros por segundo.

A grande diferença entre as duas empresas chinesas é que a CATL apenas comercializa baterias, enquanto a BYD também é uma marca automóvel.

Perante estes anúncios foi inevitável que os condutores começassem a idealizar um futuro em que carregar os carros volta a ser tão rápido como era atestar um tanque com 60 litros de gasóleo. O primeiro resultado do anúncio foi instantâneo e surgiu nas ações da multinacional chinesa cujo valor disparou em bolsa. Contudo, a pergunta que se impõe é se estamos perante uma revolução pré-anunciada no mercado automóvel?

A Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA) considera que estes anúncios são realmente "disruptivos". Apesar dos secretismos inerentes a todo o anúncio de uma grande inovação, sobretudo quando se trata de empresas chinesas, o presidente da AFIA, José Couto, destaca que com estas nova rapidez dos carregamentos "tudo pode ficar mais fácil" para quem opta pela mobilidade elétrica - com a ressalva de se vir a confirmar exatamente o que a BYD e a CATL estão a prometer. "Portanto, isto é muito positivo", afirma.

José Couto considera, no entanto, que não fica surpreendido perante os disruptivos anúncios: "Era expectável esta evolução". O presidente da AFIA lembra que era natural que a investigação se focasse nesta questão, porque nunca deixou de ser "um dos grandes constrangimentos da utilização de automóvel elétrico". O presidente da AFIA lembra que sempre houve "duas condicionantes para a escolha e compra de um carro elétrico": as infraestruturas de carregamento e o preço, sendo que "só depois surge a autonomia dos veículos". Com a novidade da BYD, o especialista em mercado automóvel entende que se "resolve tanto a questão da autonomia como a das infraestruturas". "Agora, resta só a problemática do preço", diz.

Mas qual é o grande avanço?

De acordo com a BYD, citada pelo Financial Times, esta “Super E-Platform" tem 1.000 quilowatts de potência e uma corrente elétrica de alta de tensão que atinge os 1.000 amperes, o que em conjunto vai possibilitar uma taxa de carregamento de dois quilómetros por segundo com a promessa de adicionar 400 quilómetros à autonomia do veículo em cerca de cinco minutos.

Após o anúncio da gigante chinesa, a primeira onda choque atingiu as ações da Tesla, que caíram 5%. Isto porque uma das grandes vantagens concorrenciais da empresa de Elon Musk é a rede de supercarregadores, que atualmente tem a capacidade de carregar até 320 quilómetros de alcance adicional em 15 minutos. A germânica Mercedes-Benz também anunciou que o novo modelo CLA totalmente elétrico poderá ser carregado para percorrer 325 quilómetros em 10 minutos. A BMW, também da Alemanha, perspetiva um carregamento 30% mais rápido, fixando-se nos 300 quilómetros recarregáveis em 10 minutos. E tudo isto fica aquém do que a BYD promete de 400 quilómetros em cinco minutos.

O Financial Times teoriza que o lançamento da nova tecnologia implica que a BYD tenha superado uma séria de dificuldades técnicas do carregamento que até então pareciam inevitabilidades, como a segurança, a diminuição acentuada do ciclo de vida das baterias e os custos extraordinários associados à instalação deste tipo de carregadores ultrarrápidos.

Depois da poeira inicial desta aparente revolução tecnológica, fica uma segunda dúvida por esclarecer: são estas alegações reais e sequer cientificamente possíveis?

Helena Braga, professora e investigadora na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) discorda da análise feita no Financial Times porque se a BYD estiver a falar de “baterias que têm um eletrólito líquido, este não é um avanço na parte científica”. A professora utiliza este 'se' porque apesar de, para um olho destreinado, a divulgação da BYD parecer ter muitas informações e detalhes sobre a nova tecnologia, do ponto de vista científico o mesmo não acontece, imperando uma espécie de secretismo chinês, argumenta a especialista que entre 2008 e 2011, fez investigação nos Estados unidos - no Los Alamos National Laboratory, Novo México, e na Universidade do Texas, em Austin -, onde colaborou com John B. Goodenough, o Nobel da Química de 2019, graças a uma investigação sobre baterias de lítio.

Diagrama simples de uma bateria (Fonte: Getty)

Toda e qualquer pilha ou bateria é composta por pelo menos quatro elementos: cátodo, ânodo, separador e eletrólito. A professora da FEUP acredita que o feito da BYD tenha sido conseguido graças a uma bateria nova com um melhor “aproveitamento” do cátodo, isto porque enquanto a Tesla e os fabricantes europeus estão a fabricar baterias de lítio com um cátodo composto por níquel, manganês e cobalto - conhecido como NMC -, as fabricantes chinesas estão a colocar nos carros baterias com um cátodo cuja composição é lítio, ferro e fósforo - batizado de LFP. “O LFP é um cátodo que permite carregar e descarregar muito rapidamente, permitindo uma potência muito mais elevada do que um cátodo NMC, que é usado pela Tesla e pelos carros europeus”, explica Helena Braga.

Em termos simplistas, o cátodo é o polo positivo e dependendo das suas características, influencia os parâmetros das baterias. Apesar de esta ser já uma tecnologia conhecida da comunidade científica, Helena Braga não retira mérito à fabricante chinesa, isto porque, como refere, "uma coisa é fazê-lo em baterias pequeninas, chamadas de 'coin cells' e outra é fazê-lo num automóvel".

Helena Braga destaca que, perante o secretismo científico sobre o que realmente foi feito pela BYD, pode "nem ser sequer uma bateria nova", mas sim um "desenvolvimento novo de uma já existente bateria de LFP". Outras três hipóteses que a professora da Universidade do Porto também não exclui é este "avanço ser nos carregadores que vão instalar", que pode ter sido alcançado através da utilização "supercondensadores"; um desenvolvimento no Battery Management System (BMS) - sistema que faz a gestão de todas as baterias - ou até que seja uma combinação de avanços em todas estas partes. Isto, porque, no anúncio da BYD surgiam imagens tanto da bateria como dos carregadores, sem que fosse especificado onde havia ocorrido este avanço tecnológico.

Helena Braga no laboratório da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Investigadora portuguesa foi professora associada da Universidade de Austin, nos EUA, onde trabalhou com John B. Goodenough, o Nobel da Química de 2019, graças a uma investigação sobre baterias de lítio. (Fonte: Universidade do Porto/Egídio Santos)

Contudo, desengane-se quem considerar que esta anúncio não passa de puro engodo chinês sem pingo de veracidade. Helena Braga garante que o que a BYD anunciou é possível de executar, pelo menos em laboratório, e aconselha a Europa e os próprios EUA a serem "humildes em relação ao que a China está a fazer": "A China tem uma tecnologia muito, muito avançada".

"Não posso dizer exatamente o que é, mas posso dizer com certeza que durante o processo a BYD não está a carregar todas as baterias completamente, devem carregar algumas até 80% naqueles cinco minutos [isto, porque a baixo dos 20% e acima dos 80% a velocidade de carregamento em todas as baterias diminui consideravelmente]", diz.

Helena Braga acredita que o preço de produção e venda destas baterias vai permanecer "igual", ou pelo menos dever-se-ia manter igual tendo em conta que os custos de produção se mantêm praticamente inalterados.

Apesar de ser capaz de carregar muito mais rapidamente, as novas baterias da BYD têm uma desvantagem em relação às da Tesla ou dos fabricantes europeus: "Têm de se colocar mais baterias em cada carro para compensar a redução em termos de densidade de energia", explica a investigadora da FEUP. Contudo, existe uma grande mais-valia, porque "se for efetivamente uma bateria de LFP é muito mais difícil entrar em combustão do que nas de NMC", isto porque, como explica Helena Braga, neste cátodo "a libertação do oxigénio é mais difícil por uma questão estrutural do material por ter uma estrutura atómica cristalina".

"O inflamável é algo que me preocupa. No sentido em que quando há muita gente a usar, apesar de serem muito poucos acidentes, basta um para poder fazer uma grande perturbação, como aconteceu naquele parque em Lisboa em que depois veriam dizer que não era um automóvel elétrico. Deu-me vontade de rir", explica.

Vai a BYD transformar-se numa Nokia do início dos telemóveis?

O salto tecnológico da BYD fez certamente soar alarmes entre os concorrentes de mercado, mas quão longe estão Tesla, BMW ou Mercedes-Benz? O presidente da AFIA acredita que não estejam assim tão distantes destes tempos de carregamento quanto se possa pensar. "Há várias outras marcas a trabalhar neste sentido, não sei se serão cinco minutos ou 15 minutos, mas o objetivo de todas neste momento é o mesmo: diminuir o tempo de carregamento", garante José Couto, acrescentando que "há construtores europeus que também estão muito perto deste processo".

"A verdade é que todos identificaram uma fragilidade na questão das baterias e dos carregamentos. Muitos construtores colocaram todas as fichas neste processo. Portanto, a reação será rápida, pelo menos é o que é suposto, é evidente que quem vai à frente, vai à frente. A BYD vai à frente neste processo, ou pelo menos pelo anúncio vai à frente, agora vamos esperar qual é a reação de muitos dos concorrentes", diz José Couto.

Aliás, José Couto defende que a competição tecnológica com esta finalidade é "positiva" e não só para condutores e fabricantes, porque vai "reduzir a emergência de criação de infraestruturas de carregamento nas cidades". "A fraca infraestrutura de carregamento nas cidades continua a ser uma das limitações na decisão dos consumidores de transitarem para a mobilidade elétrica, vai continua a ser um problema a melhorar, mas ao se carregar num muito menor período de tempo vai ajudar a que se desfaçam esses bloqueios nos postos de carregamento", explica o presidente da AFIA.

Helena Braga discorda que os concorrentes da BYD consigam resultados semelhantes rapidamente, pelo menos em segurança: "Efetivamente, não podem pôr um NMC a carregar muito rapidamente, por muito que ponham mais baterias e que só as carreguem até 80% para atingir estes 400 km". A especialista em baterias garante que Tesla, BMW ou Mercedes enquanto utilizarem o cátodo de NMC "não podem fazer uso de toda aquela potência" que a BYD vai passar a ter disponível.

Questionada sobre se este anúncio não poderia passar de uma mera estratégia de marketing, Helena Braga lembra que nesta área e na investigação há uma máxima: "Não há santos". A investigadora reconhece até que este tipo de estratégias tem "acontecido muito com as baterias de estado sólido". "Anunciam uma bateria de sódio [estado sólido] e depois, quando se vai abrir, é lítio", conta a professora, garantido que nunca fez este tipo de testes, mas que "há uma série de histórias e uma série de contra-ataques" entre a China e o resto dos países nesta área.

Apesar de eventuais manobras para vender mais carros, Helena Braga assegura que já lá vai o tempo em que China era quem corria atrás do Ocidente: "A China está a fazer bem, depressa, de forma criativa, com qualidade e com capacidade de inovação". A investigadora da Universidade do Porto lembra que hoje "a China é responsável por mais de 90% dos cátodos que são fabricados no mundo, por 100% do eletrólito líquido que é usado e por mais de 90% dos ânodos". "Isto, para se ver como a China está tão à frente nesta tecnologia", diz.

"É impressionante, principalmente tendo em conta o que a China era há 15 anos e o que é hoje. Ainda me lembro do primeiro artigo chinês que recebi à volta destes assuntos para rever e corrigir - o que é normal entre a comunidade científica - e realmente a qualidade era muito, muito diminuta", recorda Helena Braga, garantido que chegámos a um ponto em que a distância é tão grande que a União Europeia tem obrigatoriamente de começar a apostar "no que é realmente disruptivo" em vez de "tentar imitar aquilo que os outros já estão a fazer muitíssimo bem e barato. Não vale a pena". "No fundo, estaríamos só a fazer aquilo que a China fez há um tempo, mas não vale a pena tentar imitar, porque Pequim já o está a fazer muitíssimo bem e barato".

De acordo com o estudo do Observatório do Automóvel Club de Portugal (ACP) sobre a adesão à mobilidade elétrica em Portugal, 51% dos condutores continuam a rejeitar a ideia de comprar um carro movido a energia. Os principais entraves continuam a ser os mesmos de sempre: o preço, a autonomia e a demora nos carregamentos. A tendência é para que o preço deste tipo de viaturas baixe com o aumento da oferta disponível, que a autonomia das baterias aumente tal como aconteceu com os telemóveis ou computadores portáteis ao longo dos anos desde a sua criação e a questão do carregamento parece ter sido resolvida pela BYD.

De acordo com o Observatório do ACP, a BMW continua a ser a rainha dos elétricos em Portugal. Seguem-se a Tesla, Renault, Toyota e Peugeot. A BYD não surge sequer no top 15, mas quando a pergunta passa para ‘que elétrico escolheria’ o caso muda de figura, com a gigante chinesa a ser a oitava marca mais desejada.

Os dados europeus espalham a mesma realidade com Tesla, BMW e Mercedes-Benz no top três das marcas com mais elétricos vendidos, mas na análise global o cenário é bem diferente: a BYD surge na frente com quase 400 mil veículos vendidos, seguida pela Tesla com cerca de metade dos carros e o top cinco fecha-se com mais três marcas chinesas a Wuling, Li Auto e Geely. E tudo isto, foi antes deste anúncio de março e de, em fevereiro, a BYD ter apresentado o "God's Eye" - um sistema de condução autónomo semelhante ao da Tesla, mas que vai chegar a todos os modelos de BYD gratuitamente.

A AFIA reconhece que a BYD já tem "uma relevância e uma quota de mercado muito relevante" em Portugal e isto mesmo antes destes recentes anúncios da marca chinesa. "O que é que isto agora vai representar? Não sabemos", diz José Couto, garantindo que está "a ser o mais honesto possível". 

"Sei que existem alguns desenvolvimentos no mesmo sentido noutras construtoras, mas é evidente que a BYD vai à frente e pode aumentar a quota de mercado. Mas, é cada vez mais certo que não haverá como escapar a este envolvimento todo do que são os carros elétricos. O condutor que sempre disse 'eu não quero um elétrico', provavelmente, está perto de um dia dizer 'eu não vou andar de carro'", antevê o presidente da AFIA.

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