Economista convenceu dezenas de clientes a entregarem-lhe mais de um milhão de euros. Prometia multiplicar o dinheiro, mas desapareceu com ele

29 ago, 07:00
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Vinte e nove pessoas foram alegadamente burladas por um economista que convenceu cada uma a investir milhares de euros numa sociedade suíça que, afinal, não existia. No total, segundo o Ministério Público, Luís Silva apoderou-se de mais de um milhão de euros antes de fugir para paradeiro desconhecido. O caso vai começar a ser julgado em setembro

Tudo começou numa reunião no Hotel Tivoli, junto ao Parque das Nações, em Lisboa. Lá, dentro de uma das salas de conferências, estavam dois homens: um mediador de seguros conhecido por ter uma vasta rede de clientes, e Luís Silva, um economista de 53 anos com quem se tinha cruzado algumas vezes e que repetidamente insistia que tinha descoberto uma forma de fazer muito dinheiro, muito rápido.

O segredo, disse-lhe, era uma sociedade chamada Yandi SA/BWB, sediada em Genéve, na Suíça. Se investisse numa aplicação financeira ligada a essa companhia, Luís Silva prometia todos os meses uma taxa de rentabilidade de 1%, muito acima de qualquer outra opção no mercado em 2014, o ano em que os dois se reuniram. O mediador de seguros estava reticente e tinha razões para tal - uma reputação sólida na companhia onde trabalhava, onde foi várias vezes premiado com o título de melhor mediador.

Mas tudo parecia oficial. O papel era timbrado, o website anunciava clientes satisfeitos e o próprio escritório onde Luís Silva o acolhia tinha vista para o Marquês de Pombal, em Lisboa. No dia 25 de novembro de 2014, surgiu o primeiro teste. Como o Ministério Público descreve, o mediador de seguros entregou ao investidor 100.500 euros e recebeu em troca um documento com o nome “contrato de gestão externa de ativos”, no qual estava assegurada “a contrapartida de 1% líquido, mensal, sobre a referida quantia”.

O Ministério Público, na acusação a que a CNN Portugal teve acesso, sublinha que o mediador ficou convencido da veracidade do esquema, já que o investidor lhe ia transferindo os juros previstos naquele contrato. A confiança era tal que, em 2016, o mediador de seguros reforçou o capital no negócio, entregando a Luís Silva outros 50 mil euros. Acabaria por nunca os voltar a ver. 

Paralelamente, o investidor conseguiu também acesso à importante carteira de contactos do mediador de seguros que não só levou outros 26 clientes à porta do negócio de Luís Silva, como também convenceu a filha e a mulher a investir 80 mil euros nesta aplicação financeira.

Era tudo falso, acusam os procuradores. A sociedade em Géneve não existia, tal como os ganhos fantásticos prometidos pelo investidor. “Apesar de o arguido ter procedido ao pagamento a título de contrapartida dos pretensos contratos celebrados, dos respetivos montantes acordados, até data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2018, este não restituiu ao mediador qualquer montante da quantia total de 150.500 euros por este entregue, nem aos demais ofendidos, quantias que fez suas, apesar dos vários pedidos de devolução efetuados”, lê-se na acusação.

Entre as 26 pessoas que, entre 2014 e 2018, investiram as suas poupanças na solução proposta por Luís Silva, nenhuma acabaria por conseguir reaver esse dinheiro. No total, segundo o MP, foram 1.079.101 euros de que o arguido se apoderou, utilizando-os como se fossem dele. “Adquiriu proventos, que utilizou para provir à sua subsistência para as suas necessidades de alimentação, vestuário, entre outros, fazendo desta conduta modo de vida”, descreve o Ministério Público. 

Os procuradores acrescentam que Luís Silva, “agiu com intenção de fazer crer aos ofendidos que a sociedade Yandi SA/BWB tinha existência jurídica e era legal”, quando os “contratos não correspondiam à realidade” e “visavam somente a entrega a este das respetivas quantias nele descritas”. Na verdade, “elaborou um plano com vista a apropriar-se de quantias elevadas de particulares” e fez apenas alguns pagamentos dos juros “para conferir maior credibilidade” junto às vítimas.

O fim das promessas e o falso advogado

Em agosto de 2017, o plano de Luís Silva começou a ruir. Após várias queixas apresentadas pelos seus clientes ao regulador, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) acabou por tornar público um comunicado onde anunciava que a sua empresa de consultoria a BWB Global Consulting “não estava autorizada a desenvolver qualquer atividade de intermediação financeira em Portugal”. 

Na altura, as várias páginas da empresa apresentavam Luís Silva como um economista formado na Universidade de Coimbra e que era capaz de, “através de serviços de consultoria”, adquirir “imóveis, automóveis, etc” por 50% do preço de mercado. Nessa altura, já com vários pedidos de resgate de fundos a amontoar-se, o investidor endereçou uma comunicação aos seus clientes. “Os pagamentos seriam restabelecidos a partir de maio de 2018”. 

Foi a gota de água para os clientes do investidor, que deram entrada com várias queixas nas autoridades e processos em tribunal para que fossem indemnizados. Mas havia um problema, ninguém sabia do paredeiro de Luís Silva que, por esta altura, já contava com a sua imagem na lista de procurados pela Interpol.

Entra Tiago Quelhas na equação. Empresário, frequentador do curso de direito e também arguido neste processo. O homem de 54 anos encontrou-se com uma das vítimas da burla financeira no final do ano de 2018. Num jantar em Lisboa, disse-lhe que não exercia a profissão de advogado, mas que tinha conhecimentos e que iria tentar reaver os 25 mil euros que esta tinha entregado a Luís Silva. 

Dias mais tarde, a vítima foi contactada por Tiago Quelhas a informá-la que o mediador de seguros tinha concordado em assinar uma confissão de dívida e em celebrar um acordo particular para pagar em prestações os 25 mil euros que tinha perdido. Para isso, a vítima só teria de pagar 2.500 euros pelo serviço (mais 500 para que o documento fosse autenticado). Foi o que fez.

Em janeiro de 2019, Tiago Quelhas viria a ser contactado por outra vítima. O arguido apresentou-se como advogado, segundo a acusação, e garantiu que iria trabalhar para reaver os 30 mil euros que tinha investido na companhia de Luís Silva. Recebeu 2.500 euros por este serviço e quando esta segunda vítima lhe pediu novidades sobre o processo ele “não referiu que tivesse realizado qualquer diligência ou ato”. 

Segundo o MP, Tiago Quelhas “agiu com conhecimento e vontade sabendo que não podia exercer a advocacia”. A “sua conduta violou a dignidade e o prestígio da profissão de advogado, violando todos os princípios deontológicos". Acabou acusado de um crime de procuradoria ilícita.

No processo, está também como assistente o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. O seu presidente, João Massano, garante que "é fundamental destacar a gravidade das ações imputadas a Tiago Quelhas que, a virem a confirmar-se, configuram claramente situações de procuradoria ilícita e de usurpação de funções". "Estes crimes exploram a vulnerabilidade e a boa-fé dos cidadãos, colocando-os em risco. Transformar o crime de procuradoria ilícita em crime público é uma medida essencial para garantir que as autoridades possam agir prontamente, sem depender de queixas das vítimas, reforçando assim a proteção dos cidadãos", acrescentou à CNN Portugal.

Já Luís Silva, o investidor de quem ninguém sabia nada há meses, foi detido pelas autoridades espanholas no início deste ano e está neste momento em prisão preventiva em Caxias. É acusado de 29 crimes de burla qualificada. Em interrogatório judicial, referiu ser “alheio à não devolução aos ofendidos das quantias entregues”, tendo salientado também que só não o fez porque as suas contas bancárias estavam “bloqueadas”. A CNN contactou as defesas dos arguidos, mas até ao momento não obteve resposta.

Contudo, segundo o Tribunal Central de Instrução Criminal, que enviou este caso para julgamento, as afirmações do arguido “não mereceram credibilidade”. “Não apenas por o arguido não ter procedido à junção de qualquer documento comprovativo, como por o relato estar em patente contradição com o das testemunhas”.

O julgamento está previsto começar no início de setembro no Juízo Central Criminal de Lisboa.

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