Manifestação sob o lema “Não nos Atirem Burcas para os Olhos” foi convocada pela historiadora Raquel Varela
Várias dezenas de pessoas marcharam hoje em Lisboa, entre o Rossio e o Terreiro do Paço, contra injustiças sociais, criticando como “enorme hipocrisia” o projeto de lei que pretende proibir o uso da burca em espaços públicos.
A manifestação, sob o lema “Não nos Atirem Burcas para os Olhos”, foi convocada pela historiadora Raquel Varela nas redes sociais após a aprovação da proposta do Chega na semana passada.
Em declarações à Lusa, a professora universitária acusou o Governo de desviar a atenção dos verdadeiros problemas do país com o projeto de lei.
“É de uma enorme hipocrisia lançar a questão da burca quando isso é completamente irrelevante em Portugal”, afirmou Raquel Varela, sublinhando que a medida serve apenas para mascarar políticas que afetam milhões de trabalhadores.
Entre as preocupações, a historiadora apontou o “aumento do horário de trabalho para 50 horas semanais”, a limitação do direito à sindicalização, a redução do IRS para os mais ricos e “a injeção de 700 milhões de euros num banco vendido a um fundo abutre”.
“Esses é que são os verdadeiros problemas do país”, defendeu, criticando o que considera ser uma manipulação política sob o pretexto de defender os direitos das mulheres.
Raquel Varela acrescentou como problemas o estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a degradação da escola pública e o desvio de fundos públicos para o setor militar e tecnológico.
“Estamos a viver uma erosão da riqueza de quem trabalha”, afirmou, apontando que mais de cinco milhões de pessoas — entre nativos e imigrantes — não conseguem viver com dignidade apesar de trabalharem.
A responsável acusou ainda o Governo de ser cúmplice de uma deriva política à direita, referindo-se à deslocação do PSD para posições extremadas.
“Estes governos estão a governar contra nós”, concluiu, denunciando a precariedade dos serviços públicos e a crescente desigualdade social.
Por sua vez, a advogada Rita Garcia Pereira apontou possíveis violações da Constituição portuguesa na proposta de lei aprovada no parlamento.
À Lusa, a especialista sublinhou que a Constituição consagra o direito à não-discriminação com base no credo religioso, garantindo que todas as pessoas possam exercer livremente a sua fé em condições de igualdade.
“Se faz parte do credo usar a burca, à partida teriam o direito a usá-la”, afirmou, acrescentando que mesmo em situações que exigem identificação, é possível pedir que a pessoa retire momentaneamente a peça, respeitando os requisitos constitucionais.
A jurista considerou “francamente excessiva” a proibição total, lembrando que outros acessórios que cobrem o rosto — como lenços, cachecóis ou óculos escuros — não são alvo da mesma restrição.
A crítica estendeu-se à seletividade da proposta, que incide apenas sobre vestuário associado à religião, o que, segundo a especialista, “vai contra a Constituição”.
Sublinhou ainda que Portugal é um Estado laico e que todas as religiões devem ser tratadas de forma igual, respeitando o direito ao desenvolvimento da personalidade.
Amina, uma jovem muçulmana residente em Portugal, manifestou-se contra a proposta de lei que visa proibir o uso de vestuário religioso como a burca e o niqab em espaços públicos.
Usando um niqab, um véu que cobre o rosto e só revela os olhos, afirmou que a medida representa uma violação dos direitos fundamentais: “Está a tirar-nos o direito de nos vestirmos como quisermos. Portugal era um país onde podíamos praticar a nossa liberdade. Agora já não é.”
O projeto de lei foi criticado por Amina como uma tentativa de controlar os corpos e as escolhas das mulheres.
“Eles querem decidir como nos queremos vestir. Não é justo. O corpo é meu, por isso quero escolher como me quero vestir”, disse, sublinhando que usa o niqab por vontade própria e não por imposição.
A jovem alertou ainda para o impacto da medida na sua segurança pessoal.
“Antes não me sentia insegura, mas agora tenho medo de ser atacada por racistas, pelos seguidores de Chega que vão tentar tirar-me a roupa”, confessou, revelando receio de sair sozinha na rua.
O lema da manifestação é "Não nos Atirem Burcas para os Olhos" e foi convocada dias depois de ter sido aprovada, no parlamento, na generalidade, a lei do Chega que proíbe o uso de roupas que tapem o rosto em espaços públicos, com o apoio do PSD, IL e CDS-PP. A esquerda critica a medida por estigmatizar a comunidade muçulmana.