Bandeiras vermelhas, mitos e factos: como identificar e ajudar uma vítima de bullying

19 out 2022, 19:22
Bullying (Pexels)

Uma em cada três crianças de todo o mundo é vítima de bullying. Em Portugal, quase metade dos jovens já teve contacto com este fenómeno, quer no papel de vítima, quer no papel de agressor, ou até ambos

O bullying não é um problema de agora, mas intensificou-se com o aparecimento das redes sociais. Se antes se associava a comportamentos agressivos ou a insultos presenciais, nos últimos tempos este fenómeno ganhou uma nova dimensão: a digital. Agora, muitas destas agressões fazem-se à distância de um ecrã de computador ou telemóvel. 

Uma em cada três crianças de todo o mundo é vítima de bullying. Em Portugal, quase 50% dos jovens já esteve envolvido em situações de bullying uma vez por semana/mês, como vítimas, agressores ou ambos. Segundo dados de 2017, somos o 15.º país com mais relatos na Europa e na América do Norte, à frente dos Estados Unidos. Mas este problema não atinge apenas crianças e adolescentes. Todos são possíveis alvos. 

Um bully tem sempre intenção de provocar mal-estar e, muitas vezes, ganhar controlo sobre outra pessoa. É importante perceber que não é uma discussão, um desentendimento ou uma agressão que faz de uma pessoa vítima de bullying, isso só acontece se se tornar uma situação recorrente. Aliás, a repetição é uma das características que define o comportamento de um bully.

Esta quinta-feira assinala-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying e a Ordem dos Psicólogos preparou um manual para percebermos a que tipo de comportamentos devemos estar atentos e como identificar e ajudar uma vítima. 

Os quatros tipos de bullying

Como já foi referido no início deste artigo, este tipo de comportamentos podem ser mais ou menos visíveis, tudo depende de como e onde são cometidos. No entanto, e de acordo com a definição da Ordem dos Psicólogos, "todos incluem alguma forma de intimidação, agressão ou humilhação física, psicológica, relacional ou sexual". 

Atualmente, existem pelo menos quatro tipos de bullying. São eles: 

  • Bullying físico: que inclui bater, arranhar, cuspir, roubar, empurrar, partir objetos e ainda o bullying de cariz sexual (por exemplo, acariciar, tocar contra a vontade do próprio);
  • Bullying verbal: que passa por insultar, ameaçar, ofender, provocar, gozar, chamar nomes, usar alcunhas depreciativas, etc; 
  • Bullying socioemocional: espalhar boatos ou difamar alguém, isolar socialmente alguém (às vezes referido como "cancelamento"), excluir alguém de um grupo, fazer com que alguém se sinta rejeitado, etc;
  • Cyberbullying: quando se utiliza a Internet (por exemplo, as redes sociais) para enviar mensagens ameaçadoras ou insultuosas, partilhar informação sobre alguém, divulgar fotos de alguém contra a sua vontade, etc. 

Dentro destas categorias, os rapazes apresentam maior probabilidade de ser vítimas de bullying físico, verbal e/ou de cyberbullying, enquanto as raparigas se enquadram no bullying socioemocional. Segundo dados de 2020 e 2021, a Polícia de Segurança Pública (PSP) registou cerca de 1.400 ocorrências nas escolas portuguesas.

Mitos e factos 

Por vezes, existe uma tendência de banalização do bullying, por se achar que é um fenómeno natural que faz parte do crescimento das crianças e adolescentes. Por isso, a Ordem dos Psicólogos elaborou uma lista de mitos e factos para que o problema seja encarado de forma séria e sejam aplicadas medidas.

Mitos Factos
O bullying é “normal” e faz parte do crescimento. Torna a criança/ adolescente mais preparado/a para a vida Nenhuma forma de bullying é normal ou aceitável. Preparar uma criança para a vida não é normalizar a violência, mas educar para o respeito, igualdade, não-violência e não discriminação
O bullying acaba por se resolver, são fases! É melhor ignorar O bullying é um comportamento repetido. Ignorar o bullying pode dar ao bully a ideia de que pode intimidar/bater/insultar sem consequências
O bullying só acontece na escola Apesar de ser mais frequente na escola, o bullying pode ocorrer em qualquer outro lugar (nos espaços circundantes, nos meios de transporte, em casa) e nas diferentes plataformas online
O bullying acontece quando ninguém está a ver A maioria dos incidentes de bullying acontece na presença de testemunhas
Se alguém te intimida/bate/ insulta não há problema em intimidar/bater/insultar, para que a pessoa pare É normal que o bullying nos faça sentir raiva, mas agredir alguém que nos agride não vai melhorar a situação e pode até piorá-la
Os bullies nascem assim, com propensão para intimidar/bater/ insultar O bullying não é uma identidade, mas antes um comportamento aprendido. Muitos fatores (personalidade, família, escola) podem contribuir para que alguém se torne um bully. Por vezes, os bullies agridem por já se terem sentido agredidos
Os bullies costumam ser rapazes Quer os bullies, quer as suas vítimas, podem ser rapazes ou raparigas
Por ocorrer online e não causar danos físicos, o ciberbullying é mais inofensivo O ciberbullying é um comportamento grave, muitas vezes ocorrendo em anonimato e podendo chegar a uma maior audiência, e tem consequências tão graves quanto as do bullying
Denunciar um bully só piora as coisas O bullying deve sempre ser denunciado. A denúncia pode fazer parar o bullying. É importante falarmos com alguém de confiança – pais e mães, professores/as ou psicólogos/as, podem ajudar-nos a acabar com o bullying

Existe um tipo de vítima? 

Qualquer pessoa pode ser vítima de bullying. No entanto, os agressores tendem a 'atacar' pessoas mais frágeis (em termos físicos), isoladas, introvertidas, mais baixas, mais altas, mais gordas, mais magras, portadoras de algum tipo de deficiência, etc. 

Geralmente, as vítimas são mais novas que os agressores, têm uma visão negativa de si mesmas (baixa autoestima) e, muitas vezes, "adotam comportamentos passivos ou submissos, que as tornam mais vulneráveis e inseguras perante os/as agressores/as". 

"Não se sentem capazes de lidar com a situação, achando-se indefesas ou impotentes para resolver o problema" e, por isso mesmo, "ficam em silêncio, por receio de novas agressões, por vergonha, por receio de que não acreditem nelas, por acharem que ninguém vai ser capaz de as ajudar ou por sentirem culpa". Em média, uma vítima demora 13 meses a fazer uma denúncia. 

Sinais a que devemos estar atentos 

Como já foi referido, um bully tem sempre intenção de provocar mal-estar, sofrimento e com isso acaba por colocar em causa o desenvolvimento saudável da vítima e até mesmo deixar traumas para o resto da vida. 

"Trata-se de um problema que pode comprometer a aprendizagem, perturbar as relações interpessoais e o desenvolvimento socioemocional das crianças e jovens, reduzindo a sua percepção de segurança e proteção", esclarecem os psicólogos. 

Enquanto pai, mãe, cuidador, professor, educador, colega, familiar ou amigo, estas são algumas das bandeiras vermelhas a que pode e deve estar atento em relação a uma vítima:

  • Preocupação e medo constantes;
  • Agitação, raiva e irritabilidade;
  • Alterações do apetite;
  • Apatia, abatimento, tristeza e baixa autoestima;
  • Sentimentos de vergonha, humilhação e rejeição;
  • Isolamento dos outros;
  • Comportamentos autodepreciativos ou autodestrutivos;
  • Mudanças de comportamento sem explicação (por exemplo, adoptar outro percurso para ir para a escola);
  • Recusa em ir à escola e/ou fugas da escola;
  • Piores resultados escolares, absentismo, dificuldades de aprendizagem e de concentração; 
  • Roupa desalinhada, materiais escolares estragados;
  • Desconforto físico, dores (por exemplo, dores de cabeça ou de estômago) e outras queixas físicas (por exemplo, cansaço);
  • Nódoas negras ou feridas sem uma explicação coerente;
  • Perturbações do sono, como dificuldades em adormecer ou pesadelos;
  • Dificuldades de relacionamento com os outros, a curto e a longo prazo (por exemplo, retração social, dificuldade em manter um relacionamento amoroso, baixo sentido de autoeficácia ou autoconfiança, dificuldade em tomar decisões, dificuldades laborais);
  • Afastamento em relação à família/pais e amigos/as;
  • Maior vulnerabilidade a problemas de saúde psicológica, a curto e a longo prazo (por exemplo, ansiedade, depressão, perturbação de pânico, stress pós-traumático ou consumo de substâncias);
  • Violência autoinfligida, como comportamentos de automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio.

Sou vítima de bullying, o que posso fazer? 

De acordo com a Ordem dos Psicólogos, a primeira coisa que uma vítima deve fazer é evitar o confronto com o bully ou ignorá-lo. Contudo, nem sempre isto é fácil. Muitas vezes o agressor e a vítima partilham a mesma escola, ou são da mesma turma, ou apanham os mesmos transportes públicos, ou frequentam o mesmo bar/refeitório. Ainda assim, sempre que possível, o melhor é escolher caminhos alternativos. "Fingir que não se está a ouvir e continuar a andar para um sítio onde haja mais colegas e adultos por perto é uma boa estratégia", aponta. 

Por vezes, se a vítimas mostrarem alguma coragem, por exemplo defendendo-se, isso pode ser o suficiente para afastar um bully. "Uma pessoa que se sente corajosa envia a mensagem 'não te metas comigo!'".

Andar sempre acompanhado também pode ajudar a evitar conflitos: "Dois são melhor do que um quando queremos evitar um bully. Tentar andar sempre com pelo menos mais um amigo/a no caminho para a escola, durante o almoço ou o intervalo é uma boa estratégia."

Um dos passos mais difíceis, mas super importante, é falar sobre o caso com um adulto no qual a vítima confie. "Contar a alguém não é fazer queixinhas! O bullying está errado e estamos a ajudar-nos a nós e a toda a gente quando denunciamos um bully! (...) Os nossos pais, professores ou o psicólogo/a da escola podem impedir o bullying e ajudar-nos a saber o que fazer."

O meu filho/a é vítima de bullying. O que posso fazer?

Dada a dificuldade que muitas das vítimas têm em falar sobre o que se está a passar com elas e em denunciar casos, se por acaso um filho partilhar com os pais que está a ser vítima de bullying a última coisa que deve fazer é menosprezar ou desvalorizar. Não se esqueça que muitas vezes estas crianças e jovens acham que a culpa é delas e têm receio que os pais não acreditem no que elas estão a contar.

Por isso, se o seu filho/a falar consigo "ouça-o com atenção e empatia e elogie-o/a por ter tido essa coragem". "Não o/a culpe ou responda que terá de resolver o problema sozinho/a ou que o bullying "'az parte'. Não diga ao seu filho/a para ignorar o bullying, isso só passará a mensagem que o bullying é algo a tolerar."

Também não deve incentivar o seu filho a responder ao bully com comportamentos agressivos. Violência gera violência. "As respostas agressivas tendem a levar a mais violência e mais bullying contra as vítimas. Para além disso, é provável que só aumente a ansiedade da criança/jovem, que não se sente capaz de responder dessa forma."

Outra opção é marcar uma reunião com o diretor da escola, diretor de turma ou com o psicólogo da escola. "Torne claro que procura a escola para encontrar uma solução conjunta e seja paciente, mantendo-se em contacto com a escola enquanto o problema se resolve. Evite acusar a escola (os professores, os assistentes operacionais), mas sugira que haja um reforço da supervisão de adultos nas áreas onde as situações de bullying costumam acontecer e garanta que há ajuda disponível para o seu filho sempre que precise. Não deixe de informar a escola sempre que acontecer uma situação de bullying." 

Nota: se não tem a certeza se está ser vítima de bullying ou se é um bully, a Ordem dos Psicólogos disponibilizou uma checklist, para ambos os casos, na qual pode assinalar as afirmações com as quais se identifica. Lembre-se que isto não é uma avaliação ou diagnóstico psicológico, serve simplesmente para ajudar as vítimas ou os bullies a olhar para eles próprios. Pode aceder a essa checklist aqui.

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