opinião
Correspondente em Bruxelas

Os nossos amigos bálticos e polacos

22 nov 2022, 10:00

No aniversário da CNN Portugal, os correspondentes fazem um balanço do último ano visto de fora.

Há alguns anos, uns poucos depois da ocupação russa da Crimeia, conversava informalmente com um embaixador europeu junto da NATO. A prioridade da aliança militar, defendia o diplomata, deveria ser o combate ao terrorismo islâmico e o reforço do chamado Flanco Sul. Estranhei não ouvir uma palavra sobre a Rússia e perguntei se Vladimir Putin não era uma ameaça ou, pelo menos, o exacto oposto dos "nossos" valores de democracia e liberdade.

A resposta veio na forma e no tom que quase já me habituara a ouvir em muitos anos de Bruxelas. "Você parece os nossos amigos bálticos e polacos, sempre a falar da Rússia e obcecados com a Guerra Fria. Esse tempo já acabou."

Saltamos agora para abril de 2022. Aconteceu-me ter passado um mês em Kyiv durante o cerco das tropas russas à capital ucraniana. Acabei de regressar ao meu posto habitual de correspondente diplomático em Bruxelas e alguns eurocratas perguntam-me como os Ucranianos vêem a União Europeia. Respondo sem intenção de provocar que Boris Johnson é o político mais popular nas ruas de Kyiv. E que Macron e os "alemães" são pouco mais que desprezados. 

Por esta altura a Europa estava genuinamente chocada com a invasão russa e solidária com a Ucrânia. Os ditos eurocratas tentavam reconciliar-se com o passado. Aborda-me um deles, antigo assessor do Presidente da Comissão da Comissão Europeia, José Manuel Barroso: "Sabes, esses anos todos, quando íamos a Moscovo para as reuniões com o Putin havia sempre um momento em que ele se punha a falar do passado. A queda da União Soviética, a perda da Ucrânia, o ressentimento com o Ocidente. A reunião tornava-se num monólogo que durava uma eternidade. E nós ficávamos a ouvi-lo sem saber o que dizer. Sabes, tínhamos lá ido para fazer «negócio» e aquilo parecia-nos estranho". 

Mantemo-nos em 2022. Vimos este ano a Alemanha a pedir solidariedade aos outros estados perante a crise energética. Afinal o milagre económico alemão foi alimentado pelo gás barato da Rússia. Na verdade, o preço foi bem alto: custou a segurança do continente e tragicamente colocou a UE a financiar a máquina de guerra de Putin. O legado de Angela Merkel parece irremediavelmente manchado.

Mas houve solidariedade. Ou melhor, a Europa manteve a união que trazia do combate à pandemia. Se o Kremlin contava com a divisão política dos 27, cometeu mais um grave erro de cálculo. A Hungria é uma dor de cabeça mas Viktor Orbán condenou-se ao isolamento.

Em Bruxelas foram aprovados sucessivos pacotes de sanções económicas à Rússia e de dinheiro e armas para a Ucrânia. Caíram tabus em tempo recorde e, em dias de múltiplas reuniões, tornou-se difícil distinguir a UE da NATO.

Por isso não surpreendeu ver Ursula von der Leyen, a Presidente da Comissão, proferir o discurso da rentrée política europeia vestida com as cores da Ucrânia. Política hábil, dinâmica e muito sensível à opinião pública, von der Leyen está de pedra e cal com a causa ucraniana.

Em surdina ainda, contudo, vai-se escutando algum incómodo. Algumas capitais alertam que se tornou difícil chamar a atenção da Presidente da Comissão para outros temas. Que é preciso fazer mais pelos cidadãos porque vai ser um inverno de descontentamento económico. Esses críticos enervam-se quando ouvem as teorias de alguns funcionários da comissão sobre a necessidade de deixar os preços subir, porque são tempos difíceis e as famílias devem ser obrigadas a fazer escolhas.

Outros são diplomatas europeus de ofício e natureza. Custa-lhes que se tenha entrado nisto sem a perspectiva de "um fim de jogo". Mantêm, desde o início, que "a Rússia não vai desaparecer" e que, a dado momento, será preciso negociar a paz com Moscovo.

Neste ano, nos últimos anos, a União Europeia transformou-se muito. Mas não sabemos ainda se para sempre.

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