Segue-se Bruno Lage, o homem dos 103 golos a quem o Carcavelinhos ajudou a estragar um recorde

5 set, 18:30
Bruno Lage a dar a tática (Carlos Rodrigues/Getty Images)

Fez um autêntico milagre no clube da Luz, de onde saiu sem glória, para agora voltar. Nos outros dois trabalhos a coisa também não acabou da melhor forma

João Félix tinha apenas três jogos a titular, o Benfica tinha apenas 31 golos marcados, estava em 4.º lugar do campeonato e com vida difícil na Liga dos Campeões. Passa para: João Félix com 28 jogos a titular, Benfica a marcar 72 golos e a conseguir o título, apesar da queda nos quartos de final da Liga Europa e das eliminações na Taça de Portugal e na Taça da Liga.

O que aconteceu entre 2 de janeiro, com uma derrota em Portimão, e 6 de janeiro, com uma vitória em casa frente ao Rio Ave, foi Bruno Lage, que agora regressa ao Benfica. Rui Vitória não resistiu ao desaire no Algarve e o ainda presidente Luís Filipe Vieira olhou para o lado, para o Seixal, e encontrou na equipa B a solução provisória, que rapidamente passou a definitiva.

Poucos conheciam Bruno Lage para lá da ideia de que no Seixal se produziam talentos, alguns deles que anteriormente tinham passado pelas mãos do mesmo treinador, ele que treinou os escalões sub-15, sub-17 e sub-19 do Benfica entre 2004 e 2012, antes de se aventurar na formação dos jordanos do Al-Ahli.

Uma máquina de fazer golos

Há muito que não se via nada assim, e a coisa parece continuar a andar longe - a ver se o Sporting deste ano, cheio de fome, se aproxima disto.

Se o Benfica vinha de “apenas” 31 golos marcados, e até andava lado a lado com Sporting de Braga, Sporting e FC Porto, todos à sua frente, o que se seguiu nas restantes 19 jornadas foi uma avalanche total.

A média de 3,7 golos por jogo permitiu à equipa marcar 72 golos nessas mesmas 19 jornadas, nas quais apenas empatou um jogo, com a B SAD, em casa. A contabilidade, essa, subiu para uns estratosféricos 103 golos marcados numa só liga, ultrapassando pela quarta vez a marca dos 100 golos na liga.

Mas é preciso recuar a antes do 25 de Abril para ver uma coisa assim. Em 1972/73, e com um Eusébio inspirado por 40 golos, o Benfica conseguiu marcar 101 tentos. Antes, em 1963/64, também com um Eusébio em grande plano, foram 103 golos. O recorde, esse, permanece na longínqua era do Sporting hegemónico e tocado a violinos. Eram cinco, e um deles era Fernando Peyroteo, que marcou 43 dos 123 golos daquela época, sendo que a Liga tinha apenas 26 jornadas.

De relembrar, claro, que os resultados dessas épocas, ao contrário do que se vê hoje em dia, eram marcados por muitos, mas mesmo muitos golos - quem nunca ouviu a expressão “goleada das antigas”?

O primeiro onze de Bruno Lage no Benfica. Foi a 6 de janeiro, no Estádio da Luz, e acabou com uma vitória por 4-2, com dois golos de João Félix

Mas é que até aí o Benfica de Bruno Lage surpreendeu: a coisa já ia bem encaminhada, mas a jornada 21 trouxe um Benfica 10-0 Nacional, num jogo que entrou diretamente para o segundo lugar de maiores goleadas de sempre, só ultrapassado por um velhinho Sporting 13-0 Carcavelinhos de 1937.

A saída acabaria por se dar no fim de uma época conturbarda em que o Benfica até começou por ganhar a Supertaça por 5-0 ao rival Sporting. No início de 2020, ainda antes da pandemia de covid-19 retirar os adeptos dos estádios, os encarnados chegaram a conseguir uma vantagem de sete pontos, que o FC Porto de Sérgio Conceição acabaria por conseguir recuperar para ser campeão.

Mais tarde, em 2022, e em entrevista ao Maisfutebol, o próprio Bruno Lage deu uma justificação: "Tivemos um mau momento no mês de fevereiro e nós já sentíamos isso. Faltavam-nos algumas soluções que estávamos a preparar para janeiro, mas que não se concretizaram, ou porque o Benfica não conseguiu lá chegar ou porque um determinado jogador não considerava o nosso campeonato entusiasmante. Não conseguimos colmatar a saída do Conti, ficámos só com três centrais - o Rúben Dias, o Ferro e o Jardel, que estava lesionado com alguma frequência - e faltou-nos a entrada de um médio. E entrámos num mês competitivo, com jogos com o FC Porto fora, o Sporting de Braga do Rúben Amorim, pelo meio um jogo com o Famalicão e dois jogos contra o Shakhtar, equipas que gostavam de ter bola e que nos iam fazer correr muito. E nós não tivemos capacidade nem competência para responder

O fenómeno Félix

Já o dissemos: há um João Félix com e sem Bruno Lage, o que não vale apenas para a época de estreia do português como sénior. É que nunca o atleta conseguiu voltar a atingir aquele rendimento nas passagens por Atlético de Madrid, Chelsea ou Barcelona.

Passou de menino a entrar no fim - mesmo depois do golo que valeu o empate frente ao Sporting no Estádio da Luz - para elemento crucial na alta rodagem do Benfica.

Os três jogos a titular passaram para 28, o que também resultou num aumento brutal da produtividade ofensiva, com números de avançado para quem nunca jogou colado à área. Nos 2.864 minutos dos 43 jogos que fez, João Félix conseguiu, nessa época de 2018/19, marcar 20 golos e fazer oito assistências.

Na retina fica, claro, a exibição contra o Eintracht Frankfurt, para os quartos de final da Liga Europa, em que marcou três golos.

Uma armada portuguesa

A saída do Benfica acabou por não ser a mais feliz, mas havia um contingente português à espera em Inglaterra para 2021/22. Com a influência de Jorge Mendes, Bruno Lage acabou por conseguir contrato com o Wolverhampton, da Premier League.

Quando lá chegou estavam 12 portugueses, entre eles Rúben Neves, Pedro Neto, João Moutinho ou Francisco Trincão. A primeira época foi boa, mesmo apesar das apenas seis vitórias no campeonato.

Valeram os empates, 17, para alcançar uma sólida 10.ª posição, que permitiu uma liga totalmente tranquila. No ano seguir a coisa voltou a não lhe correr bem. Ao fim de nove jogos, com um futebol pobre e apenas duas vitórias, Bruno Lage saiu do Wolverhampton com o clube abaixo da linha de água.

Queda no rio

Pouco depois surgiu aquela que foi a última experiência do treinador, e que lhe retirou algum crédito. Em 13 jogos impressionantes com Luís Castro ao leme, o Botafogo estava com sete pontos de vantagem sobre o segundo classificado, começando os adeptos a sonhar com um título há muito esperado.

Bruno Lage chegou a 8 de julho com uma tarefa inglória em mãos: tentar continuar a dar aos adeptos de uma equipa de quem nada se esperava o muito que até ali tinham tido.

E a coisa até começou bem, com várias vitórias e uma boa série de jogos sem perder. À jornada 21 tinha mais 11 pontos que o segundo classificado e os adeptos, aí já com mais realidade, começavam a pensar no título.

O problema foi daí para a frente: nas 17 jornadas finais o Botafogo ganhou apenas duas (!), sendo que grande parte do percurso já não foi com Bruno Lage, ele que acabou por fazer apenas 15 jogos no clube do Rio de Janeiro, onde conseguiu quatro vitórias.

Na prática, acabou por não perder pontos relativamente ao que conseguiu - saiu com os mesmos sete pontos de vantagem que tinha quando chegou -, mas o rumo do clube, nomeadamente quatro derrotas seguidas, foram decisivos.

O Botafogo acabaria, nesse ano, por dar um autêntico trambolhão na classificação, terminando a liga que tanto tempo liderou no 5.º lugar.

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