Ulf Lindberg é a herança masculina do Anjo das Pernas Tortas. Fruto de uma noite de folia, nunca conheceu o pai: «Escrevia-me cartas, chamava-me Johnny»
«Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irónico e farsante. Mané Garrincha foi um dos seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios».(Carlos Drummond de Andrade)
Morreu em 1983 e deixou um legado de dribles para a direita - « sempre para a direita
Mané Garrincha: a Estrela Solitária, escreveu Ruy Castro; o Anjo das Pernas Tortas, batizou Vinicius de Moraes; a Alegria do Povo, acenaram todos em concordância.
Em pleno Campeonato do Mundo - aquele «torneiozinho mixuruca» que Mané ganhou duas vezes (1958 e 1962) – o Maisfutebol
(Ulf Lindberg com Nilton Santos no Brasil/Foto: Facebook do Botafogo)
Nessa frustrante impossibilidade, lembrámo-nos do seu único filho homem ainda vivo. Chama-se Ulf Lindberg, tem 54 anos, é sueco e fruto de uma noite inspirada de Mané Garrincha em Umea (arredores de Estocolmo).
Durante uma digressão do Botafogo, Mané «
Nunca conheceu pessoalmente o falecido pai.
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Ficaram as memórias de velhos amigos, camaradas de armas, e da família em Pau Grande. «
(Armando Nogueira)
Não há raiva na voz de Ulf Lindberg. Os anos passaram. A excitação de ser filho de quem é deu lugar a uma serena coexistência: para os jornalistas, Ulf é o testemunho físico da passagem de um Deus pelo futebol; para a família e amigos, o filho de Mané é só um humilde funcionário de um restaurante de comida italiana em Halmstad, Suécia.
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Ulf foi, ele próprio, um jogador prometedor. E partilhava com o pai uma semelhança anatómica: «
Durante um breve período, «
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Ulf não teve o sucesso do pai, mas deixa uma novidade importante: «
Martin, aliás, esteve muito perto de vestir o uniforme sagrado do Botafogo. A Estrela Solitária do escudo assentar-lhe-ia na perfeição.
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Essa visita de Ulf e Martin ao Brasil aconteceu em 2005. A televisão brasileira deu-lhe amplo e emocionado destaque:
(Nélson Rodrigues)
Em julho de 1981, 16 meses antes de falecer, Mané Garrincha concedeu uma entrevista a um jornalista argentino. A conversa foi publicada apenas no Japão e só em 2012 chegou ao Brasil.
Nas páginas da Revista ESPN pode ler-se uma parte deliciosa sobre Ulf Lindberg. Aqui fica esse trecho. Mané na primeira pessoa e completamente sóbrio:
«Estava toda a gente a beber, alegre, lá no hotel na Suécia, e eu envolvi-me com uma mulher. Isso foi mesmo em 1958. Quando voltei a esse país, em 1959, apareceu um polícia lá no hotel. Eu tive de tirar sangue, tiraram sangue do menino e assim ficou provado que ele era o meu filho. Sabe, ele joga futebol e é ponta-direita!»
Você tem algum contato com ele?
«Sim, tenho até fotos dele! Ele não é branquinho, tem a cor brasileira».
E com a mãe dele continua a comunicar?
«Não, foi uma noite só. Agora, com o meu filho sim, ele está sempre a mandar-me cartas. O governo de lá dá-lhe apoio e só depois dos 21 anos ele poderá vir aqui ao Brasil».
Ulf Lindberg chegou a visitar o Brasil, sim, mas apenas depois da morte do pai. Em 2010 esteve pela última vez em Terras de Vera Cruz. O sonho de estar no Mundial teve de ser adiado. Motivo? Falta de liquidez financeira.
O Brasil está nos quartos-de-final. Há Neymar, claro, mas aquela magia de outrora… não existe. Ulf até nem fala no pai, nas primeiras impressões. Só depois recorre à memória de Mané.
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(Mané Garrincha)
Ulf Lindberg tem muitas razões para não olhar Portugal com simpatia. «
E nem foi preciso falar-lhe da morte de um irmão nas estradas do nosso país. «
Deixemos, então, Portugal e falemos do Mundial. O Brasil vai ser campeão? «
Por fim, a questão sacramental: se fosse vivo e estivesse no auge das capacidades, Mané Garrincha seria o génio que foi nas décadas de 50 e 60 do século passado? «
Mané Garrincha desapareceu há 31 anos. Demasiado cedo, aos 49 anos. No livro
(…) Garrincha estava atravessado na cama, debatendo-se e ainda gemendo, certamente em delírio. Imobilizaram-no na maca e levaram-no de ambulância para o PAM do Inamps, em Bangu. Aplicaram-lhe Diazepam, mas, duas horas depois, o medicamento não parecera fazer efeito.
(…) Às sete da noite levaram-no para a Dr. Eiras. Durante o percurso, Garrincha resmungou coisas incompreensíveis e disse que estava com dor de cabeça. Sua pressão foi tirada na ambulância: treze por oito, normal. Deu entrada na casa de saúde às sete e quarenta e foi recebido por duas médicas, Ana Helena Bastos e Maria Beatriz Carneiro da Cunha.
(…) Eram menos de nove horas. Garrincha foi então deixado sedado e sozinho — uma estrela mais solitária do que nunca naquela noite imensa. Um edema pulmonar colheu-o no meio da longa madrugada. Às seis da manhã, o enfermeiro Aimoré apareceu para conferir as pulsações. O coração não batia. Aimoré chamou a Dra. Fátima. Ela constatou o óbito».