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Comentadora CNN

100 dias de Lula: o conserto de um Brasil quebrado e declarações erráticas no cenário internacional

10 abr 2023, 11:33

Novo governo já reativou programas sociais importantes aos brasileiros e comprovou ter recolocado o país no centro do debate internacional, mas corre o risco de perder o prestígio com as declarações sobre a invasão russa à Ucrânia

Os 100 dias de qualquer governo representam uma marca histórica. É como um teste da resistência e do compromisso em cumprir as promessas de campanha. Depois de uma eleição acirrada e polarizada, com uma verdadeira frente ampla para não reeleger Bolsonaro, graves problemas econômicos e sociais, o marco é ainda mais importante.

O trabalho em janeiro começou com desafios sem precedentes. Depois de apenas oito dias da posse, o novo governo enfrentou uma tentativa de golpe de estado, com a invasão à sede dos Três Poderes e uma onda de destruição com prejuízos milionários. A resposta das autoridades foi rápida, concertada e eficaz. A democracia sobreviveu e saiu fortalecida, ao contrário do que os bolsonaristas queriam. Muitos deles ainda estão lamentando atrás das grades ou com tornozeleiras eletrônicas.  

É inegável que o clima do país é outro, se comparado com os últimos quatro anos. O sentimento é de governança, de mais respeito pela política, pela separação de poderes e pelo povo brasileiro. 

Gritos com a imprensa, declarações misóginas e sem decoro como “imobroxável”, negacionismo e falas golpistas não fazem parte do dia a dia do atual governo. Não deveria ser motivo para comemoração, já que civilidade é o mínimo que se espera dos representantes políticos, mas é motivo para celebrar, depois de tantas barbaridades protagonizadas pelo ex-presidente. 

Nestes 100 dias, o governo focou em duas linhas principais: revogar políticas de Bolsonaro e criar ações para os problemas que o país enfrenta. Já no dia 1º de janeiro, foram revogados decretos que desprotegiam o meio ambiente e que facilitavam o acesso às armas de fogo, duas marcas da extrema-direita. Na mesma linha, colou os militares no devido lugar - fora do governo - e acabou com comemorações do golpe militar no dia 31 de março, comuns com Bolsonaro no poder. 

Com o slogan “O Brasil voltou”, foram reativados programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, iniciativas que já provaram ter bons resultados nos governos petistas anteriores. São iniciativas recicladas, mas que atendem a problemas que são novamente atuais, como a miséria extrema, a falta de moradia e de médicos pelo interior do vasto território brasileiro.

Parte desses problemas se agravaram nos últimos quatro anos, principalmente quando foi encerrado, por questões ideológicas de Bolsonaro, o programa que levava profissionais médicos ao interior. Ainda na área da saúde, o governo reforçou o programa nacional de vacinação, essencial depois de um presidente negacionista que fazia propaganda contra os imunizantes que salvam vidas.

Medidas extremamente importantes também foram direcionadas para as mulheres, público tão desprezado pelo governo anterior. Foi criado um atendimento pelo WhatsApp para as vítimas de violência de gênero e a determinação de que as Delegacias da Mulher atendam 24 horas por dia. 

Além das ações práticas, as simbólicas também são importantes e demonstram a humanidade que faltava na gestão bolsonarista. A horrível situação dos índios Yanomamis, ignorada por Bolsonaro, foi e está sendo encarada com seriedade e, principalmente, humanidade, indo até o local, demonstrando comprometimento com a causa e um esforço conjunto de todo o governo.  

O mesmo ocorreu em outras tragédias, como as chuvas no Maranhão e em São Paulo. Como escrevi na coluna anterior, houve falha no massacre em Blumenau, que merecia ter tido a presença do governo pessoalmente para demonstrar solidariedade. 

Na área econômica, o ministro Fernando Haddad até não tem se saído tão mal na difícil missão de agradar o mercado financeiro, enfrentar a crise e alocar recursos para os programas sociais. Logicamente, muito mais é esperado e o desafio não é fácil, especialmente nos próximos meses, quando projetos econômicos vão precisar de aprovações do congresso e senado, onde não há maioria garantida.

Diplomacia

No campo da diplomacia internacional, o governo realmente faz jus ao lema “O Brasil voltou”. O país deixou de ser visto como um pária isolado, amigo apenas de ditaduras (com direito a presentes milionários). O governo brasileiro realmente está de volta no centro do debate político e econômico mundial, dialogando com dezenas de chefes de estado.

Nos primeiros 100 dias de governo, Lula já viajou pela América Latina e voltou a fazer parte da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Assim, o presidente demarca a liderança entre os países vizinhos de diferentes espectros políticos, algo que Bolsonaro deixou de lado por puro capricho ideológico.

O petista também visitou os Estados Unidos e irá à China nesta semana. Ainda em abril, estará aqui em Portugal com uma extensa agenda a partir do dia 22 e fará uma breve visita à vizinha Espanha. No próximo mês, participará da cúpula do G7 no Japão. Ao mesmo tempo, recebeu em Brasília líderes importantes, como Olaf Scholz, chanceler alemão.

A postura em votações da Organização das Nações Unidas (ONU) progrediu, saindo de acordos que representavam retrocesso à vida das mulheres e voltou a apoiar causas progressistas. É o oposto do governo anterior, que gostava de acompanhar as ditaduras que odeiam mulheres.

Por outro lado, com os comentários nada aceitáveis sobre a invasão russa, Lula corre o risco de jogar fora todo esse esforço conjunto em limpar a tão arranhada imagem do Brasil no exterior. Não foi uma nem duas declarações totalmente sem sentido e inapropriadas, mesmo para quem quer manter uma posição de neutralidade.

Se o líder brasileiro realmente quer liderar as negociações de paz, precisa, primeiro, entender e verbalizar com clareza quem iniciou a guerra: a Rússia. É o passo essencial para evitar declarações dúbias que dão a entender que a Ucrânia tenha iniciado o conflito, o que não é verdade.

Depois, não fazer declarações que não refletem os interesses dos ucranianos, como a de ceder o território da Crimeia em troca da paz. Os comentários de Lula dão a impressão de desconhecimento da causa ou alinhamento com Putin, que não se contentará com nada menos do que dominar toda a Ucrânia, a soberania e o seu povo. 

Lula é um político experiente, o corpo diplomático brasileiro também. As chances de liderar a paz são reais. No entanto, as hipóteses ficam mais distantes a cada declaração sem pensar do presidente, que não fazem nenhum sentido diante da expertise e bagagem política que tem. 

Os comentários pouco repercutem entre o povo, preocupados com a sobrevivência diária. Mas, aqui fora, que é onde importa para a diplomacia, são muito negativos, tanto que mereceu respostas de próprios membros do governo ucraniano. 

O petista comete o mesmo erro ao falar de Moro e Bolsonaro. Lula é um orador incrível, capaz de emocionar multidões, mas perde a linha quando fala de seus adversários - que são os perdedores da história. O melhor a se fazer é focar no país e esquecer figuras passadas e derrotadas. Não é inteligente destruir com poucas palavras aquilo que faz com as verdadeiras ações. 

O Brasil está mesmo de volta - e todos estão assistindo, dentro e fora do país. 
 

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