Trump e Bolsonaro instigam um "messianismo que torna as populações acéfalas". Como se protegem as democracias destes ataques? Portugal está a salvo?

9 jan 2023, 22:00
Bolsonaristas invadem as sedes dos três poderes em Brasília (Foto: André Borges/EPA)

A invasão dos edifícios dos principais poderes brasileiros, este domingo, e a do Capitólio, nos Estados Unidos, há dois anos, colocam as democracias em alerta.

Por um lado, temos uma democracia jovem, como a brasileira. Por outro, uma sénior e consolidada, como a dos Estados Unidos. Ambas confrontadas com ataques às instituições que devem defender e garantir o bom funcionamento das democracias. Este domingo, em Brasília, manifestantes tomaram a Praça dos Três Poderes, onde estão o Palácio do Planalto (poder executivo), o palácio do Supremo Tribunal Federal (poder judicial) e o palácio do Congresso Nacional (poder legislativo). Há dois anos, foi o Capitólio norte-americano (poder legislativo) que foi alvo de uma invasão por apoiantes de Donald Trump que queriam reverter o resultado das eleições que deram o poder a Joe Biden.

Mas as semelhanças não ficam por aqui. Em ambos os países, há um líder que personifica o descontentamento da população. “Há uma franja da população que está descontente com o funcionamento das instituições e essa franja é sempre liderada por um líder carismático. A ideologia é uma ideia com seguidores. Este messianismo que acontece no trumpismo e no bolsonarismo é um messianismo que torna as populações acéfalas”, argumenta o politólogo e professor catedrático José Filipe Pinto.

Para o especialista, “sempre que há violência nos regimes democráticos, esta é uma prova de que as instituições estão a atravessar uma crise de poder e de autoridade”. José Filipe Pinto lembra que, em democracia, “a autoridade emana dos cidadãos” e “não é com um poder musculado nem com políticas securitárias” que se previnem estes acontecimentos.

“Estamos assistir a um incremento do populismo que põe em causa a representação. Alega que o representante, uma vez eleito, passa a defender os próprios interesses e não os do representado. O populismo alimenta-se da queda de confiança nas instituições. Tem de haver responsabilidade e transparência dos representantes e atenção dos representados”, defende o politólogo.

“Vivemos numa fase em que a democracia é muito afetada pela legitimidade flutuante, decorrente de, ao longo dos mandatos, os representantes estarem permanentemente a serem escrutinados. Mas este escrutínio é fundamental”, acrescenta.

As armas da democracia

A também politóloga Paula do Espírito Santo acrescenta que os pilares que suportam a democracia têm um grande peso na prevenção da mimetização destes acontecimentos. “Em democracia, temos de combater todos os desvios e comportamentos ilícitos com as armas que esta tem - a informação, o reforço da segurança e o esclarecimento da população.”

À prevenção social e política, soma-se a prevenção legal. A constitucionalista Raquel Brizida Castro sublinha que “os mais recentes acontecimentos no Brasil configuram lamentáveis, rudes e graves ataques à democracia, à ordem constitucional e ao Estado de Direito democrático”. A especialista lembra também que “o exercício dos direitos e liberdades fundamentais tem limites e tais condutas podem ser criminalizadas pelas leis penais”.

“As constituições devem estar preparadas para estes cenários disruptivos e prever as suas próprias respostas. A formas de prevenção e de reação terão de ser encontradas nos próprios mecanismos constitucionais e democráticos existentes nesse Estado de Direito”, sublinha Raquel Brizida Castro.

De acordo com a constitucionalista, e centrando-se no caso concreto de Portugal, “o Código Penal castiga condutas contra a paz pública e contra a realização do Estado de Direito Democrático, designadamente a ‘alteração violenta do Estado de Direito’, ‘coação contra órgãos constitucionais’ ou ‘perturbação do funcionamento de órgão constitucional’".

“Em última instância, no caso de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática, a Constituição portuguesa prevê a decretação do estado de exceção através do estado de emergência, nos termos constitucionais”, explica.

Portugal está a salvo?

Na opinião do politólogo José Filipe Pinto, os casos de mau desempenho governativo e as polémicas nos governos que são tornadas públicas “minam a confiança dos cidadãos nas instituições” e levam a “um afastamento dos cidadãos da política, a julgamentos na praça pública e ao crescimento do populismo antissistema”.

“Estamos numa fase em que é preciso perceber que os sucessivos casos que têm abalado este Governo, como a indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis, o caso da antiga secretária de Estado Rita Marques, têm esse efeito de afastamento da política e de crescimento do populismo”, acrescenta.

Mas, apesar de todas as polémicas, os especialistas consideram que, para já, a democracia portuguesa está a salvo do risco de haver acontecimentos semelhantes aos do Brasil e dos Estados Unidos.

“Tudo é possível, mas é preciso haver quem desencadeie este tipo de animosidade. Tem de haver um avolumar de circunstâncias de mau funcionamento das instituições democráticas, mas tem de haver também uma orquestração política. No caso português, não parecem estar reunidas estas condições. Mas é necessário estar alerta”, defende a politóloga Paula do Espírito Santo.

Responsabilidade moral

Para José Filipe Pinto, a responsabilização dos responsáveis morais por estes acontecimentos “é praticamente utópica”, até porque quem participa nestes atos tem sempre uma visão “heróica”. Cidadãos como os que este domingo invadiram o Palácio do Planalto ou o edifício do Tribunal Constitucional consideram-se os heróis que vão salvar a democracia, mas “colocam o ónus em quem está no poder”: “para eles, são as ações de quem está no poder que justificam que tenham de ser eles a tomar as rédeas”.

A politóloga Paula do Espírito Santo considera que pode até nem haver uma responsabilização judicial de figuras como Donald Trump ou Jair Bolsonaro, que, com o discurso, terão alegadamente instigado estas situações. A produção de prova é difícil.

Contudo, a especialista acredita que a “responsabilização política pode ter algum efeito dissuasor”. E, aqui, os órgãos de comunicação social terão a responsabilidade de colocar a nu e desmontar o discurso político dos alegados instigadores morais.

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